A cultura é uma necessidade. Mais que isso, ela é a base fundamental da constituição humana, sendo o modo como vivemos, questionamos, refletimos e atuamos sobre a vida, sobre o mundo. Todo processo constitutivo do homem e da mulher deve-se à cultura e ao trabalho, pois juntos, formam e transformam o ser social. A cultura vai além das manifestações culturais de um povo, ela é, sobretudo, a base das nossas relações sociais. A partir dela, compreende-se a sociedade em todos os seus aspectos: econômico, religioso, político, histórico e social.

Historicamente, minimizam a cultura e seu entendimento, oferecendo-lhe um lugar secundário e muitas vezes pejorativo. Tratam ainda, a cultura como aporte para compreender algum assunto ou conjunturas em determinado tempo histórico e não como eixo fundante das compreensões de todos os tempos.

Dado este contexto, é importante provocar e refletir como as organizações sociais entendem e trabalham a cultura em suas bases de atuação. Temáticas como estas costumam ser pensadas para depois que forem resolvidas todas as outras pautas dentro do movimento, desta forma, desconsidera-se a cultura como eixo fundamental da formação crítica, ideológica, econômica e social de um povo. Esta prática, é reflexo de um desmonte cultural produzido pelo capitalismo ao longo dos últimos séculos – este mecanismo de colonizar nossa consciência transformou a cultura em mercadoria e um dos seus instrumentos é ser absorvida enquanto entretenimento de lazer, vazio de reflexão e criticidade.

Portanto, este aspecto não seria também diferente dentro das organizações sociais, afinal somos formatados para não nos reconhecermos em nenhuma produção cultural e passamos a enxergar a arte e toda manifestação cultural como produto que deve ser apenas consumido. No entanto, cabe a toda organização o dever de garantir à sua base uma formação culta (logo, crítica) capaz de conceber e compreender a formação política, tendo na luta uma das principais formas de organização. Isto é, lutar para que a base tenha direito e acesso à cultura – ler, fazer teatro, estudar, viajar, alimentar-se com qualidade e soberania – deve estar no cotidiano de cada organização que luta pela transformação social, afinal esta deve ser uma bandeira de luta entre os movimentos: libertar-se das amarras imaginárias do capital.

A indústria cultural, uma das principais inimigas da classe trabalhadora e aliada principal do agronegócio e das empresas de mineração, opera de maneira sistemática, pois compreende o papel político-ideológico e sua potência no processo de dominação de um povo, apropria-se da cultura proletária e a reivindica para si, “proporcionando” à classe trabalhadora aquilo que lhe interessa: intervenções artísticas a partir de sua ideologia, levando a lugares longínquos aquilo que o povo muitas vezes desconhece.

No campo e na cidade, o projeto agro-mineral chega com toda sua ideologia, principalmente através da arte e expressões culturais, tendo como alvo a juventude, já que essa categoria é uma das mais atingidas pelos grandes projetos minerários. A falta de oportunidades culturais vivenciada nesses lugares é tão grande que essas empresas, com o discurso de desenvolvimento, oferecem cultura – à sua maneira – porque sabem que o povo tem sede, não apenas de água, e, fome, não apenas de comida.

Durante o processo de formação do I Curso de Introdução ao Problema Mineral Brasileiro, que durou 45 dias com 70 jovens vindos de sete estados que vivenciam a contradição na mineração realizado pelo MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração, em parceria com a ENFF – Escola Nacional Florestan Fernandes, refletimos sobre a necessidade de falar sobre cultura de uma outra maneira: saindo do modelo sala de aula e trabalhando o tema através de oficinas artísticas de diferentes linguagens.

As oficinas de poesia, teatro, agitação e propaganda, música e artes visuais realizadas durante o Curso foram desenvolvidas por grupos e artistas militantes parceiros do MAM, como a Cia Estudo de Cena (SP), o Coletivo Dolores Boca Aberta (SP), o artista plástico e militante do MST Joatan Xavier e Magno Costa da coordenação nacional do MAM na Bahia.

A proposta com essas atividades foi criar e estimular a consciência corporal e artística dos militantes, apresentando princípios de organização e análise do movimento, sensibilização da percepção corpórea aplicada à expressividade nas diversas linguagens, proporcionando a compreensão dos elementos políticos de luta como ferramentas a serem desenvolvidas e exploradas, permitindo uma ampla compreensão entre forma e conteúdo e o uso das linguagens como formas de lutas e enfrentamentos para o debate político sobre a questão da mineração no Brasil, o modelo mineral e a espoliação da classe trabalhadora.

A música foi criada pela Cia Estudo de Cena durante oficina de Teatro com os militantes do MAM

As oficinas proporcionaram aos educandoas/as apropriação específica em práticas artísticas, porém conectadas a uma perspectiva cultural e política, pois não se separam. As atividades resultaram em conteúdos criados, coletivamente, dentro das diversas linguagens: peça de teatro sobre o mundo do trabalho na mineração e das vivências dos participantes em suas comunidades – com apresentação de uma cena que poderá ser desenvolvida por outros jovens que não estiveram nesse processo; músicas e poesias; intervenções que agitam e propagam a luta contra o modelo de exploração mineral; técnicas de serigrafia que possam ser socializadas e multiplicadas nos territórios, como ferramentas de luta para o trabalho de massa. Todas essas atividades com o objetivo de qualificar nossos embates regionais para a massificação do debate sobre a questão mineral e a preparação das Assembleias Populares da Mineração.

Diferentes gostos foram criados e outras simbologias de luta, desconstruções necessárias para refletir e combater a indústria cultural através de uma cultura combativa, uma cultura de luta e resistência. A ideia do trabalho com a arte e a cultura não é a de que sirva apenas para um dado momento, é que ela seja parte fundamental da luta, pois construir um novo modelo mineral passa por construir um novo imaginário simbólico cultural de um povo.

Por um país soberano e sério, contra o saque dos nossos minérios!

Gracinha Donato, atriz e coordenadora nacional do MAM

Karina Martins, atriz e coordenadora nacional do MAM