O Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) lança nesta sexta-feira, 22 de dezembro, o vídeo-documentário Sertão do Inhamuns: mineração e destruição, que explora a contradição entre o território camponês e a indústria mineral. O documentário de 17 minutos retrata como a indústria mineral invade territórios e se utiliza do lobby do desenvolvimento para justificar uma atividade destruidora e apresenta a realidade de camponesas e camponeses moradores das comunidades Badarro e Besouro em Quiterianópolis, interior do Ceará, que convivem diariamente com a empresa Globest Participações Ltda.

A empresa chegou à região no final do ano de 2010 para começar as atividades de mineração de ferro. Sem dialogo com as comunidades sobre a extração, o único aviso do começo da atividade da mineradora foi dado com a explosão de dinamites, as máquinas e caminhões pesados que passavam no terreiro das casas e, principalmente, com a poeira que logo virou nevoeiro. Segundo os moradores, o mínimo que escutaram até hoje dito pela empresa e o poder público local é que o Governo Estadual deu aval para a mina de ferro ser explorada.

Todas as iniciativas de dialogo entre o povo e a empresa partiu sempre das comunidades quando começaram a sofrer os impactos socioambientais desde a morte lenta do Rio Poty até a morte da economia camponesa com a diminuição da produção de grãos, frutas, verduras, criação de animais, e, o mais grave, o adoecimento das pessoas. Segundo os moradores/as, as doenças mais frequentes depois que a empresa iniciou a extração de minério de ferro foram asma, tireoide, virose, coceira, alergias, entre outras.

O Rio Poty que está a 40km da sua nascente naquele mesmo município e morre a cada dia no que diz respeito ao seu assoreamento, com a presença de metais pesados nunca admitido pela empresa e a retirada desenfreada de água do lençol freático (300 mil litros por dia durante dois anos e três meses apenas de um lugar que está no pedaço de terra do Sr. Neto), deixando os reservatórios dos camponeses/as com pouca ou quase sem água.

As chuvas na região semiárida de Quiterianópolis já são naturalmente poucas e há seis anos sofrem com um dos períodos de seca mais logos da história que tem significado perdas na economia camponesa e ao mesmo tempo, segundo os moradores, tem sido bom porque o Rio Poty nunca mais ficou cheio para descer com materiais (terra e metal pesado) e poder assorear e contaminar outros açudes que abastecem outras cidades ao longo de 500km até chegar a sua foz no Estado do Piauí.

A maioria dos camponeses também se lamentam que a produção tem diminuído e que alguns já não tem mais sonhos de viver e tirar seu sustento digno daquele pedaço de chão. O Sr. Oscar que tem sua terra extremando com a mineradora diz ter perdido um pomar com vários coqueiros, laranjeiras, entre outras fruteiras e que assim também é a realidade dos seus vizinhos.

Do ponto de vista cultural a comunidade sofre com a forma que todos esses danos veem acontecendo durante os sete anos que a empresa Globest ali se instalou. O sossego e a paz já não existem mais, ao contrário se vive um clima de medo e perseguição com a forma que as comunidades estão se organizando para enfrentar os problemas. A exemplo disso tem sido as desmobilizações feitas por parte da empresa de reuniões que as comunidades agendam. Durante a Assembleia Popular da Mineração que aconteceu na comunidade de Bandarro ainda em setembro de 2017, um representante da empresa, depois de ser indagado pelos moradores das comunidades, disse que a comunidade mente.

Entre o que a empresa diz e o que é verdade

O discurso feito pela empresa Globest e pelo próprio Poder Municipal de Quiterianópolis é que iria ter geração de emprego com o inicio das operações. Até hoje, apenas sete pessoas das comunidades Bandarro e Besouro que somam mais de 200 famílias se empregaram na mina e alguns dizem não terem mais disposição para retornar se fossem chamados. O Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais – STTR de Quiterianópolis fez um levantamento e afirmou que no entorno da Mina vivem cerca de 1200 famílias camponesas. “Não dá nem para comparar o que tantas famílias produzem através da agricultura comparado a justificativa de empregos precários que não seria a solução para a região”, destaca o dirigente do MAM, Erivan Silva.

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, no período de janeiro de 2010 a janeiro de 2017 a atividade mineral em Quiterianópolis empregou 283 pessoas e destas apenas 28 foram empregos com carteira assinada, ou seja, apenas 10% dos trabalhadores tiveram seus direitos como diz a lei e os outros 90% assim como é prática das mineradoras tiveram seus direitos trabalhistas negligenciados. Para os moradores os empregos para as comunidades são apenas para serviços pesados e, portanto, são os mais baratos que chegam a ser entre R$ 540,00 a R$ 1.500,00 mensais.

Dados do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, informam que entre 2011 e 2015 a Empresa Globest comercializou mais de três milhões de toneladas de ferro entre minério bruto e contido e apurou R$ 106.025.659,00. Deste total, 2% teria de ser repassado para o Estado como Compensação Financeira da Exploração de Minérios – CFEM, que daria R$ 2.120.513,00.

“A empresa tem dito para os órgãos ambientais durante todos esses anos que a atividade mineral em Quiterianópolis é de pequena escala, mas segundo o DNPM em 2014 a Globest foi a primeira no Estado do Ceará no que se refere a extração de mais de milhão de toneladas que rendeu um montante de R$ 36.745,992,00. Portanto, não dá para acreditar no que a empresa continua dizendo em 2017 que a extração de ferro é em pequena escala e por isso agindo ilegalmente. Se a empresa Globest justifica sua atividade mineral pelo crescimento econômico, por que o município de Quiterianópolis tem o IDH de 0,594 considerado abaixo da média nacional que é de 0,744. Dos 184 municípios cearenses, Quiterianópolis é o 156º IDH no ranking estatual. Sendo assim, parece que os mais de cem milhões de reais apurados entre 2011 e 2015 com a venda de minérios para a China não contribuiu em nada com o crescimento do IDH naquele município”, destaca Erivan Silva.

Segundo a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE), órgão estadual responsável por este tipo de licenciamento, as licenças de operação da Empresa Globest estão suspensas desde 2016 em razão do descumprimento do Termo de Ajuste de Conduta – TAC assinado em 2014, após fiscalização ambiental ter verificado in loco diversas violações dos normativos ambientais como ausência de estudos e de monitoramento da dispersão das partículas sólidas oriundas da atividade mineral.

A empresa Globest responde por três ações penais perante à Vara única de Quiterianópolis acusada por práticas de crimes ambientais e o processo de 2012 foi sentenciado em novembro de 2017, condenando a empresa pelo crime ambiental previsto no art. 38 da Lei Nº 9605\98 por danificar vegetação em área de preservação permanente. “Mesmo sem licença e condenada a empresa continua minerando de domingo a domingo. Resta nos perguntar por que a empresa continua minerando? Por que consegue ilegalmente continuar suas atividades?”, questiona Silva.

A voz do povo denuncia a destruição da vida

O documentário – SERTÃO DOS INHAMUNS: Mineração e destruição, tem como objetivo fazer com que a voz de camponesas e camponeses possa chegar mais longe e assim denunciar e sensibilizar toda sociedade sobre os malefícios da mineração em Quiterianópolis e o que poderá vir a ser em outros lugares. 

O documentário será lançado entre os meses de dezembro de 2017 e janeiro de 2018, começando pela comunidade de Bandarro, na sede do município de Quiterianópolis, nos municípios de Novo Oriente e Crateús por onde passa o Rio Poty no Ceará, em Fortaleza e em outras comunidades como forma de mobilização e articulação do MAM. Se o caso de Quiterianópolis é emblemático por que até agora nem os órgãos da justiça conseguiram frear as ações da mineradora, não resta dúvida que a mobilização e resistência do povo deverá superar a mineração.

O documentário foi produzido pelo MAM, com o apoio da Cese e União Europeia, por meio do projeto Sociedade Civil Construindo A Resistência Democrática.