Jorge Neri, que convive há mais de trinta anos em Carajás numa luta diária entre a disputa do solo e subsolo, onde a miséria social e a riqueza mineral transformou-se numa conta que não fecha, concedeu uma entrevista ao site do MAM.

Abaixo, o militante, destrincha as principais problemáticas mineral da região, que derrama e acirra vários distúrbios da sociedade local, além de apresentar o MAM como uma esperança para fazer frente a esse problema estrutural da sociedade brasileira, que é a mineração.

Confira abaixo!

MAM: Há um conflito agrário mineral cujo as demandas por justiça e senso crítico passa ao largo da sociedade- quem fabrica esse consenso social, afirmando que esse é custo pelo o progresso e desenvolvimentos das regiões, no caso da mineração?

Jorge Neri – Os aparelhos de estado, assim como os meios de comunicação de massas foram sequestrados pelo capital. Nenhuma novidade, Marx já afirmava isso em 1842, quando do “Manifesto Comunista”. Esse domínio dos instrumentos jurídicos e políticos, mas também dos que constroem o convencimento e o senso comum, são mais agravantes em sociedade da periferia do capital cuja sua condição de inserção subordinada se dá pela entrega de recursos naturais aos grandes capitalistas globais.

Nesses territórios, verdadeiros feudos que une interesses das antigas e atuais oligarquias rurais atrasadas e modernas empresas transacionais mineradoras, a imprensa, nem como panaceia reivindica ser “ imprensa livre”. Jornais, rádios, Tvs, embora de concessão pública, são, como em toda sociedade capitalista, empresas capitalistas que vivem quase que exclusivamente dos recursos públicos.

Assim, de novo, se dá a apropriação privada daquilo que é público.

As casas legislativas, são meros ornamento institucionais, sempre a bajular o executivo por benesses, que hora e outra, para garantir governabilidade, libera ao bel prazer de seus instintos, recursos para a garantia de que nada fuja da ordem.

Assim se constrói consensos. Por isso alguma coisa esta “fora da ordem”.

MAM- É possível medir o auto custo social e ambiental para obter essa renda mineral e seu fenômeno de desigualdade social?

Jorge Neri – Essa pergunta mereceria uma tese como resposta, no sentido que deveríamos ter um tempo um pouco maior para buscar indicadores que pudessem medir o grau de desigualdade entre a apropriação da renda mineral pelo capital e o que fica para a sociedade.

O lucro dos acionistas da Vale tem aumentado a cada ano, mesmo com a queda relativa do preço por tonelada do minério de ferro. Hoje em torno de 60 dólares, outro perto de 140, dez, quinze anos atrás. O Número de desempregado, dizem estimativa, passam dos 50 mil. Isso implica que a massa salarial que movimentava um a vasta rede de comercio popular, deixou de existir.

É visível o crescimento da economia informal. Aumento do alcoolismo, depressão e suicídios, além do alarmante crescimento da violência urbana, expressos pelos crimes de furto, roubo, tráfico de drogas, prostituição e agressão contra a mulher, assim como as dificuldades do acesso a serviços públicos como a saúde.

Então se dedicarmos algum esforço no estudo sobre os custos sociais, ambientais e econômicos que pagamos para garantir a renda extraordinária obtidas pelas mineradoras, iremos perceber que o problema é bem maior que imaginamos.

MAM O que significa o Grande Projeto Carajás se aproximando das suas quatro décadas, e agora novamente o S11D ultrajado da forma mais moderna de mineração, é possível a sociedade mobilizada regula-lo na sua ambição por natureza transformada em comodities e o mundo do trabalho transformado num caos social de desemprego?

Jorge Neri – Só é possível qualquer forma de regulação social na mineração com a mobilização permanente da própria sociedade. Isso implica numa disposição popular e numa engenharia organizativa nos territórios e nos diversos setores que ainda não estão colocados como necessidade imediata. É um processo, talvez longo.

O que temos são setores que devido a contradições pontuais, se movimentam em defesa de algum direito, por exemplo o acesso a emprego e renda. Isso é uma contradição que levará a algum grau de tensão, mais sem solução imediata, pois toda reengenharia da plantação de produção do S11D, foi organizada para a utilização cada vez menor de mão de obra operaria. Ela por isso foi planejada para causar desemprego em massa e não provocar empregabilidade.

Um salto rápido de consciência e organização se faz necessário, ante que o caos social se estabeleça como um problema para a classe trabalhadora do campo e da cidade, e não para o capital. Por isso também devemos nos dedicar a uma reengenharia social, para nos marcos de nossas possibilidades, criarmos instrumentos de lutas sociais capazes de reverter a tendência do atual modelo, que a destruição do mundo do trabalho como conhecemos a pouco mais de 10 anos atrás.

Os sindicatos, principais instrumentos da classe trabalhadora ate os anos 80/90 do século passado, não conseguem sequer defender interesses coorporativos, quanto mais influenciar nos rumos da economia ou da política.

Não existe cultura sindical entre a classe operaria da mineração, nem da cadeia mineral. Os sindicatos são pesados aparelhos burocráticos, difíceis de se movimentar. E como se fosse um tanque de combate num campo de batalha tradicional, quando o cenário é de guerra de guerrilha, ou seja, a disputa pela consciência do trabalhador não esta na mina, vigiada e controlada pela empresa, mas pode estar nos bairros populares onde os operários vivem, se divertem, choram, se reproduzem e morrem, levando consigo as sequelas das doenças do trabalho nas minas.

MAM- É possível num ambiente de luta tão acirrado e distorcido é possível propor luta por soberania na mineração, é possível um movimento nacional?

Jorge Neri -Este é um debate que incide sobre a cultura da luta popular em nosso País. Não e algo que se constrói de um dia para o outro. Construir um Movimento Nacional é mais fácil que desenhar a estratégia de soberania na mineração, até porque no fundo da questão pouco provável que consigamos soberania popular na mineração, se não conseguirmos a soberania popular frente a vários temas, entre ele o do território e das políticas que dizem respeito ao modo como vemos a mineração dentro de um projeto maior de sociedade, cuja utilização dos recursos naturais para um outro modelo de desenvolvimento seja um elemento determinante e que por isso seja imprescindível a participação popular, através de suas organizações.

Esse processo não combina com o atual modelo de representação política, refém dos grandes grupos capitalistas. Isso implica necessariamente na construção de novas formas de representação.

E claro, é possível, e estamos fazendo, a construção, paciente, de um Movimento Nacional.

MAM- Depois de quase (06) de embates e debates anos saiu o novo da mineração, houve alguma mudança do qual devemos está confortável-que assegure direitos e maior controle social dentro do novo código?

Jorge Neri – Não li o novo Código da Mineração, mas sei que um conjunto de companheiros esta estudando o mesmo e trabalhando para fazer uma edição popular para usarmos em todas as comunidades atingidas (ou não) pela mineração. Mas pelo método autoritário como foi construído, acredito que controle social só será possível com as lutas sociais e na medida que a correlação de forças se altere para o nosso lado, se não, nenhum controle social.

MAM- Quais foram as reais mudanças, houve alguma que dê segurança a sociedade que convivem como perigo exemplar de catástrofes como é o caso de Mariana (MG) e Barcarena no Pará, que são os rompimentos de barragens de rejeitos da mineração e um sem fim de irregularidades?

Jorge Neri -Mariana e Barcarena nos ensinam algumas lições. Primeiro, como nos disse numa roda de conversa o camarada Juan Manuel Sandoval Palácios, antropólogo e educador popular mexicano, “ Para o capital somos apenas lixo. ” Não tenhamos duvidas, não contamos na planilha de custos das empresas mineradoras como um investimento a ser cuidado, mesmo que fosse como parte da cadeia de produção. Somos dejetos. Nossas vidas, individuais e coletivas, nada valem.

Segunda, há por parte das empresas mineradoras o controle absoluto dos órgãos de fiscalização que deveriam, em nome da sociedade, garantir que tragédias como Mariana e Barcarena não acontecessem.

Aí estamos ferrados. Para quem recorrer. Mistério Público? Casas parlamentares? Ibama? Papa Francisco? Quem sabe. Quem sabe uma Grande Campanha internacional de denúncias…mas sabemos nós que sem mobilização das próprias comunidades, isso tem pouca eficiência. Mobilização permanente que não é fácil quando toda a rede de instituições são reféns dos grandes projetos minerais, por sua vez a mídia…Por trás dos ditos “acidentes ambientais” estão tragédias humanas de proporções que ainda não temos dimensão.

Fico a imaginar o rompimento da Barragem de Rejeito da Vale, localizado na bacia do Rio Gelado, que desemboca no Rio Parauapebas, que por sua vês desemboca o Rio Tocantins e esse desagua em Belém… imaginem a desgraça.

MAM- A algo a comemorar com o aumento do CFEM- compensação financeira aos municípios minerados? Irá melhorar a vida das pessoas desses municípios ou isso é pouco ou será sequestrado pelas elites locais?

Jorge Neri – Por enquanto nada a comemorar, pelo menos aqui em Parauapebas. Isso não quer dizer que não tenha sido correto a luta pelo aumento do CFEM, assim como deve ser correto a luta pela extinção da Lei Kandir.

Toda e qualquer riqueza social pode ser sequestrada pelas elites locais. A luta pela mais justa divisão possível dos recursos oriundos da mineração se estabelece como uma das batalhas da luta de classes, onde a correlação de forças entre o povo e as classes dominantes, vai dar resposta politicas e materiais desse confronto.

Se a sociedade não se movimenta e deposita todas as suas fichas nos políticos, incluindo ai os vereadores, prefeitos, deputados, e não se auto organiza para defender seus interesses, e por isso defender formas de controle social para que realmente os recursos que se expressam por programas sociais e diversas formas de investimentos públicos na melhoria da qualidade de vida e de renda das pessoas, esses recurso servirão apenas para encher o já recheado cofres das elites locais, sempre alheia a situação de pobreza e de carência dos setores populares.

Podemos ter os melhores amigos nos governos, mas estando eles no governo, pensam como governo e fazem gestão para as elites, para os ricos, Maquiavel desde a 500 anos já afirmava isso em seu famoso “O Príncipe”. Em sociedade como a nossa, onde as instituições, todas, são reféns do capital, pouco ou quase nada delas pode ser refugio para lutas democráticas, como a do CFEM, que garanta a extensão de direitos sociais, políticos, culturais, sociais e ambientais para maioria da sociedade.

Mas como processo de educação permanente, é preciso continuar as lutas, continuar as mobilizações até que possamos alterar a consciência das pessoas. Nisso eu acredito.

MAM-A algo a ser fazer em relação a lei Kandir, que mobilização devemos fazer para que seja alterada, é uma pauta do MAM a luta pela extinção dessa lei que afeta ainda mais a regiões mineradoras e representa um elemento poderoso na ampliação da taxa de lucro do capital mineral?

Jorge Neri – É bom entender que a Lei Kandir só foi e é possível porque foi fruto de um processo de pactos entre as elites, num momento que era determinante fomentar de modo estratégico para gerar superávit primário via comodities. A sociedade não sabia o que estava acontecendo, nós aqui no Pará, ouvíamos o discurso oficial de que isso aumentaria as exportações e traria maior investimentos, e por sua vez geração de emprego, renda, desenvolvimento.

Esse “desenvolvimento frustrado” como afirma o companheiro Tádzio , em seu livro editado pelo IBASE e depois pela Editora Iguana e que hoje constitui uma importante ferramenta de

investigação sobre o Projeto Grande Carajás, só tem sido melhor entendido mas recentemente, em especial pela atual crise de quebradeiras das finanças dos Estados, que tem provocado um debate acerca do ressarcimento dos valores perdidos pela Lei ou ainda pela defesa de sua extinção.

Essa deve ser uma bandeira que tem que se tornar popular, em especial nos estados e municípios impactados direta ou indiretamente pelos projetos minerais. Porque a depender da correlação de forças, precisaremos ampliar alianças entre os movimentos e demais setores da sociedade que também perdem com desoneração fiscal estabelecida pela Lei Kandir.

MAM- O Movimento pela soberania na mineração é alguma novidade-de pensamento e ação no conflito na mineração?

Jorge Neri – Penso que a novidade que é, mas o que será. Estamos propondo construir um Movimento Nacional, uma organização que provoca a sociedade para um tema que é estratégico, do qual estamos todos intimamente ligados, seja como impactado pela produção, seja como consumidores de um conjunto de mercadorias e serviços derivados da cadeia de produção mineral.

A grande novidade, pois, ainda está para chegar, cabe a nós estabelecer as condições para que ela se estabeleça. Esse esforço, realizado por um conjunto de valorosos companheiros, tem sido a nossa modesta contribuição para o que virá.

MAM-O que significa fazer um encontro nacional nesse momento e porque ser no Pará, na região de Carajás?

Jorge Neri – É um momento conjuntural desafiador. Não sei sé é o melhor momento, mas es que a história nos trouxe aqui, em Carajás no Pará, berço de tantas lutas dos camponeses amazônicos. Berço dos combatentes do Araguaia e seu esforço guerrilheiro. Símbolo das lutas e persistência dos garimpeiros . Marco do martírio dos Sem Terra, tombados na Curva do S. Assim como o lugar por onde passa todos os capitais do mundo, onde esta situada a maior província mineral ao céu aberto do mundo, laboratório de como esse modelo de mineração convive com a sociedade e os efeitos colaterais dos enclaves provocados pelo capital mineral.

MAM Que instrumentos de lutas propõe o MAM diante de uma crise política para alterar o conflito mineral?

Jorge Neri – O MAM é um movimento social, e como tal há de beber na fonte que nutriu outros movimentos, sejam os mais velhos, sejam os mais novos. Sejam eles nacionais e internacionais. Penso que é cedo para definir, da exclusividade para instrumento A ou B de luta. Haverá lugares que o MAM estará em Frentes de Lutas com outras organizações. Noutras em redes de articulação ou ainda, onde acumular forças organizativas próprias, atuar como Movimento de catalisa um conjunto de outras forças sociais locai, regionais e estaduais a partir de um Programa mais largo, estratégico que seja capaz tanto de mobilizar e organizar grandes ações de massas, como ainda de garantir conquistas sociais e econômicas dos territórios impactados frente as mineradoras, sabendo que elas são diferentes nos mais de 14 estados onde existe indústria mineral.

O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente a Mineração, penso que é um instrumento interessante de articulação que poderia se replicado nos estados, pois envolve um conjunto de organizações democráticas, que acredito podem dar um suporte extraordinário a luta.

Mas precisamos construir frentes mais classistas e isso depende de nossa capacidade de dialogo e convencimento, muita humildade para não achar que agora somos os “donos” do tema, do debate e da luta.

Como dizia o poeta, na luta de classes todas as armas são importantes: pedras, trincheiras e poemas, ou algo parecido com isso.

MAM- Há muita confusão no entendimento e na disseminação do tema da soberania-em que perspectiva o MAM propõe soberania, poder de decidir se querem ou não os empreendimentos minerários nas áreas que serão afetadas pela indústria extrativa ou a algo que se articula com o atual momento político de desmonte da riqueza nacional pelo governo golpista?

Jorge Neri – Não vejo o tema da soberania como de apelo conjuntural. Talvez a conjuntura tenha exposto de modo mais aguçado o caráter entreguista das classes dirigentes no Brasil, e de como a esquerda teve dificuldade de fazer da soberania uma bandeira capaz de mobilizar massas, e de certa forma, nos obrigar a desenhar um Projeto Popular para o Brasil, que invariavelmente levasse em conta o controle soberano de nossas riquezas, haja visto que nosso processo histórico, desde o período colonial até os dias de hoje, a subordinação aos interesses estrangeiros, significou um entrave na possibilidade de incorporar os setores populares na realização de um País minimamente mais justo para seus patrícios.

Não existe um momento de desmonte da riqueza nacional. Vivemos um período onde a transferência da riqueza nacional, cada vez mais se estabelece pelo controle acionário de grupos capitalista internacionais sobre setores importantes da economia, como por exemplo o setor mineral, o de geração e transmissão de energia, da extração e refino de petróleo… o que vemos na verdade é o desmonte do Estado Nacional, se do ponto de vista conceitual ainda é correto falar de Estado Nacional, em seu sentido liberal.

Por conta disso nossa “ Soberania Nacional ” tem um caráter popular, e que nos obriga a dialogar para além do modelo capitalista e de seu modelo democrático parlamentar burguês. Significa que as comunidades, as cidades, os territórios devem aparecer como novo sujeitos no cenário de luta politica por um outro modelo mineral.

MAM Por último qual será a mensagem do encontro nacional para a sociedade Brasileira?

Jorge Neri – O I Encontro Nacional do MAM, se realiza num quadro de uma conjuntura bastante desafiadora. Primeiro: Meio a uma crise econômica, social e política que também atinge um conjunto de paradigmas a esquerda, popular e socialista. A maioria dos movimentos nacionais tem 20, 30, 40 anos de existência e por conta desse contexto estão em profundo processo de debates internos na busca de retomar a inciativa popular para um novo ascenso da luta de massas, não só no Brasil, mas também a nível continental e mundial. Uma tarefa então nos colocada pela história é a de que contribuição um movimento em construção trará para superar esse desafio.

Segundo: É de colocar no cenário da luta politica dos trabalhadores e das classes subalternas da sociedade a importância estratégica da questão mineral. Ela, a questão mineral, não diz respeito a apenas o modelo hegemônico de como se dá sua exploração e suas consequências econômicas, sociais e ambientais. Ela nos a questões mais profundas, como por exemplo o da soberania nacional e o papel que os recursos naturais terão para o destino da Nação.

Se nosso encontro poder lançar um sinal que diga a sociedade que a questão mineral não diz respeito apenas aos atingidos ou impactados diretamente pelos projetos de mineração, e que, no caso em especial da Amazônia brasileira, determina o grau de relação que nossa sociedade tem com o centro do País e sua relação com o mundo, então penso que já teremos realizado muita coisa.

Mas o terceiro e grande desafio de nosso Encontro Nacional, se baseia na possibilidade de variantes organizativas que nos de condições para realmente a fundação e a consolidação de um Movimento de caráter nacional e popular.

 

#RumoAoEncontroNacionalDoMAM