Empresas como a Vale usam brechas e alterações na lei para reduzir a carga tributária que iria para os estados

 A Vale e as outras empresas do setor de mineração que exploram os recursos naturais de Minas Gerais se aproveitaram do modelo de elisão fiscal, um tipo de planejamento tributário utilizado para pagar menos ou nenhum imposto, o que prejudica a arrecadação estadual.

A base do mecanismo é a lei Kandir, criada em 1996, no governo Fernando Henrique Cardoso, que dá isenção do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para qualquer tipo de produto que seja destinado à exportação – seja matéria prima ou produto manufaturado.

“A gente sabe que este é um imposto de incidência estadual. Os estados ‘minerados’, como a gente chama, são profundamente prejudicados pela lei Kandir. Um estudo de 2015 apontou que entre 1997 a 2013, as perdas estimadas para Minas Gerais foram de R$ 16,9 bilhões. O Pará, que o segundo estado mais minerado, teve perda de R$ 11,9 bilhões”, disse Tadzio Coelho, do Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (Poemas), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Ou seja, durante 17 anos, o estado deixou de arrecadar R$ 17 bilhões – R$ 1 bilhão a menos por ano.

O levantamento do potencial de perdas dos estados com a atividade de mineração, por conta da aplicação da lei Kandir, foi feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), no estudo “Mineração e (In) Justiça Tributária no Brasil”.

Para Márcio Zonta, da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), a prática é mais uma das facetas da cultura de saques dos bens brasileiros. “Ela pega grande parcela do lucro público, aquele que seria dividido em forma de renda pelo estados a outros setores da sociedade, ele é sequestrado legalmente, por uma lei, e colocado então como parte do lucro privado das mineradoras, é para isso que serve a lei Kandir até hoje”, analisa.

Além disso, as mineradoras, com grande potencial financeiro, usam o poder judiciário para não pagar tributos. Desse modo, as prefeituras e estados arrecadam cada vez menos.

Segundo Zonta, isso acontece, por exemplo, “quando a mineradora recebe a cobrança do município referente à Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), e ela não concorda em pagar, dizendo que está sendo cobrado a mais”.

“A Vale ficou devendo mais de R$ 800 milhões da Cfem em Carajás (PA). A Vale também, na exploração de fosfato, e a Anglo América, na exploração de Nióbio, em Catalão, no interior de Goiás, devem mais de R$ 400 milhões de Cfem. Elas utilizam a judicialização e isso se arrasta por anos e anos. Enquanto isso, elas não pagam”, completou Zonta.

A Vale extrai 84,5% do minério de ferro do país, cerca de 425 bilhões de toneladas, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM). A empresa não respondeu ao Brasil de Fato sobre a política tributária da empresa e a elisão fiscal em Minas Gerais.

Minas Gerais, onde aconteceu o rompimento da barragem de Brumadinho, é o estado que mais produz minério de ferro, com 67% do total do país, também segundo o IBRAM.

Por, Juca Guimarães

Brasil de Fato | São Paulo (SP

Edição: Mauro Ramos