Frente à pandemia, mineradoras como a Vale seguem em operações mesmo com mortes e contaminações entre seus funcionários
O setor da mineração não para. Ele é o principal protagonista de crimes socioambientais no país, é reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como um dos mais perigosos do mundo para o trabalho, proporcionando elevados índices de mortes e invalidez dos seus trabalhadores, mas não para. No Brasil, o desrespeito à saúde e segurança, a terceirização da mão-de-obra e a existência de trabalhadores sem registro formal de trabalho revelam a predominância da ilegalidade nas relações de trabalho do setor mineral, e das condições que degradam a qualidade de vida dos trabalhadores.
Prova disso sãos os 37.478 acidentes trabalhistas gerados pelas mineradoras entre 2012 e 2018, segundo dados da Frente Sindical Mineral, o que equivale a dizer que por semana, em média, 100 trabalhadores mineiros são vítimas de acidentes no trabalho, sendo que uma parcela destas vítimas teve que se aposentar por invalidez ou morreu enquanto buscava o seu sustento.
Segundo dados do Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho (AEAT) de 2016, da Secretaria de Previdência, o setor da indústria extrativa mineral brasileiro mata 3 vezes mais que os outros setores, uma vez que a taxa de óbitos para todas as atividades naquele ano foi de 5,57 para cada grupo de 100 mil empregados formais no Brasil, e na mineração, essa taxa foi de 14,81 mortes.
Na mesma esteira, A Vale registrou um lucro líquido de R$ 6,461 bilhões em 2019 e distribuiu aos seus acionistas (que na sua grande maioria só conhecem Mariana e Brumadinho (MG) pelos noticiários da destruição das barragens da mineradora) o montante de R$ 7,25 bilhões de dividendos.
CORONAVÍRUS
O setor da mineração não para. Sua sanha por lucro é estarrecedora. Nem a pandemia do coronavírus, considerada a “maior crise sanitária mundial da nossa época” segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), está sendo capaz de pará-lo. É o caso da Vale S.A., que em contrapartida às publicidades patrocinadas em suas redes sociais anunciando a disponibilização de ‘até 1 milhão de dólares em soluções para o combate à Covid-19’, mantem parcela significativa de seus trabalhadores atuando em suas unidades.
Em sua rede de atuação, uma morte já foi confirmada em Mariana – MG. A vítima tinha 44 anos, não pertencia a grupo de risco e trabalhava na Fundação Renova, instituição criada pelas mineradoras e governos para negociar as indenizações e reparações causadas pelo crime da Samarco/Vale/BHP Billiton no rompimento da barragem Fundão em Mariana, em 2015. Além disso, dois trabalhadores da mineradora, um no Rio de Janeiro e outro em Minas Gerais foram contaminados, confirmação feita pela própria empresa.
No Pará não é diferente. Há relatos de trabalhadores que presenciaram colegas passando mal em pleno trabalho, na maior mina de cobre da Vale, projeto Salobo, em Marabá. “O rapaz apresentando falta de ar foi levado para atendimento na cadeira de rodas, sem maiores explicações. E desde esse dia não há notícias sobre o seu estado de saúde. A empresa não conversou nada com a gente, eles foram adotando medidas de segurança aos poucos, à medida que a imprensa ia noticiando que o assunto era mesmo sério. Agora, a parte administrativa toda da empresa está trabalhando de casa”, afirma o funcionário, que não quer se identificar.
Com as contaminações confirmadas, as medidas gradativas então foram sendo adotadas pela empresa na mina de Salobo. A instalação de dispositivos com álcool em gel na entrada dos ônibus, higienização dos ônibus com cloro, aferição de temperatura antes de entrarem no transporte, a diminuição de funcionários transportados pela metade (eram 46 lugares, ocupam agora 23 por veículo). No entanto, os banheiros da empresa são químicos, sujos e sem condições do básico da prevenção ao coronavírus: não há pias para lavarem as mãos.
Segundo nota da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, a empresa tem utilizado a situação para buscar recuperar sua imagem e credibilidade junto aos brasileiros, anunciando, entre outras coisas, ajuda na aquisição de testes rápidos do COVID-19, como anunciado pelo Ministério da Saúde. “Como forma de capitalizar sua ação, a Vale informou à Bolsa de Valores de Nova Iorque a “doação humanitária”, numa estratégia de frear as perdas por conta da emergência sanitária global. (…) Em uma direção oposta, a empresa tem usado a crise como desculpa para demissões como já denunciado pelo Sindicato dos Ferroviários do Espírito Santo e Minas Gerais (Sindfer)”, relata a nota.
AVAL QUESTIONADO
No dia (7) de abril, o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, deputado Helder Salomão (PT/ES), solicitou à Procuradoria-Geral do Trabalho providências para a anulação da portaria 135/2020, editada no dia 29 de março pelo Ministério de Minas e Energia, classificando a atividade mineral como “essencial” à cadeia produtiva de atividades essenciais.
Foram consideradas essenciais a pesquisa e lavra de recursos minerais; o beneficiamento e processamento de bens minerais; a transformação mineral; a comercialização de produtos e escoamento de produtos gerados na cadeia produtiva mineral e transporte e a entrega de cargas da cadeia produtiva. “A mineração é um dos setores mais insalubres do mundo. Todos os trabalhadores do setor e as comunidades do entorno convivem já com vários problemas, seja de câncer e, principalmente, de problemas respiratórios por causa da emissão do pó do minério”, afirma Luiz Paulo Siqueira, coordenador do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), em entrevista ao Brasil de Fato.
A CDHM pede a paralisação imediata das atividades de mineração enquanto o Brasil estiver ameaçado pela pandemia. O deputado solicita, também, o resguardo dos direitos dos trabalhadores diretos e indiretos, com a garantia dos seus salários de forma integral. “Muita gente aqui tem receio de parar por causa da família. Mas e se morrer, não vai ser pior?”, indaga um dos trabalhadores de Marabá.
*Por Coletivo de Comunicação do MAM.
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