A pandemia do novo Covid-19 escancarou a falência do sistema neoliberal, privatista e desigual. Sistemas de saúde entraram em colapso em vários países. O caos social e a recessão econômica se colocam como inevitáveis para grande parte do mundo. Economias em suspensão diante da real necessidade do isolamento social, para que o extermínio de pessoas não atinja números ainda mais assustadores. Neste contexto dramático, é importante que os movimentos e organizações populares apresentem alternativas.

Neste texto vamos abordar um aspecto do modelo mineral, a questão fiscal. Especialmente nos focaremos na Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), popularmente conhecida como royalties da mineração. É importante a afirmação inicial de que o modelo mineral brasileiro é dependente, reprimarizante, antidemocrático, pouco transparente e ausente de projeto de país. Não existe soberania popular na mineração no Brasil, e só a organização popular poderá construir uma alternativa. A lógica de saqueio mineral garante lucros extraordinários ao capital e uma compensação ínfima ao conjunto da sociedade brasileira. Em relação à questão fiscal na mineração temos a Lei Kandir, de 1996, que isenta do pagamento do ICMS (um tributo estadual) àquelas empresas que exportam matérias primas, como é o caso da maioria das exportações ligadas à mineração. Temos o cálculo de que centenas de bilhões de reais deixaram de ser arrecadados pelos estados minerados, ao longo destes mais de 20 anos de vigência da lei. Revogar a Lei Kandir é uma pauta decisiva para as finanças dos estados. Outro elemento central da baixa arrecadação da renda mineral passa pela evasão de divisas, mecanismo muito comum nas operações das mineradoras que atuam no Brasil. Um estudo do Instituto de Justiça Fiscal publicado em 2017 apurou que entre os anos de 2009 e 2015 a evasão fiscal do minério de ferro gerou uma não arrecadação para o Estado brasileiro de US$39,1 bilhões. São muitos as questões que precisam ser enfrentadas sobre o debate da questão fiscal no modelo mineral. Neste texto, nos focaremos na CFEM, para apresentarmos mais detalhadamente o que deveria ser um importante elemento de apropriação da renda mineral.

A CFEM está contida na Constituição Federal no Art. 20, §1º e é regulamentada pela Lei nº 7.990/89. No artigo em questão, a constituição estabelece que os recursos minerais são patrimônio da União e que ela própria pode explorar ou conceder a outro o direito de exploração, recebendo a CFEM em forma de compensação e enquanto forma de troca pela participação na exploração. Ou seja, não tem natureza de tributo ou taxa, mas o direito do Estado sobre o pagamento de concessão para a exploração do mineral que pertence à União. Reforçando uma dúvida frequente que aparece sobre este assunto: CFEM não é imposto. É como um pagamento ou, como o próprio nome diz, uma compensação ao Estado pela exploração desse patrimônio finito e não renovável.

A reforma na legislação que regulamenta a CFEM, publicada na Lei 13.340/2017 durante o governo golpista de Temer, aponta que a arrecadação passou a ser distribuída da seguinte maneira: 60% aos municípios minerados, 15% aos estados e 10% à União, contando com um fundo de apenas 15% para os municípios impactados pela estrutura do complexo mineral (barragens, depósitos de estéreis, instalações, infraestruturas de escoamento como estradas de ferro, minerodutos e portos).

É importante destacar também que, para o uso da parte do recurso que caberia aos estados (15%) e municípios (60%), a Lei estabelece que 20% deveria ser, preferencialmente, destinado à diversificação econômica, ao “desenvolvimento mineral sustentável” e ao desenvolvimento científico e tecnológico. Mas não é isto o que ocorre. Os governos não têm utilizado parcela da CFEM na construção de políticas públicas de alternativas econômicas à mineração ou de transição, pensando o cenário inevitável de exaustão das jazidas.

Outra questão central se refere aos valores das alíquotas da CFEM no Brasil que, em comparação com royalties da maioria dos países do mundo que possuem exploração, são extremamente baixos, e não levam em consideração alguns minerais particularmente estratégicos que possuímos no nosso subsolo como terras raras, nióbio, ouro e minério de ferro de altíssima qualidade e teor, como em Carajás.

A alíquota da CFEM é baseada em um percentual da receita líquida de tributos (o faturamento bruto da mina deduzidos os tributos sobre a comercialização). Os valores das alíquotas são diferentes para cada tipo de minério. A arrecadação no ano de 2019, por exemplo, foi de 4,5 bilhões de reais, num montante de 153,4 bilhões faturados pelo setor, o que representa menos de 3% do valor total faturado pelo conjunto das mineradoras, demonstrando assim a baixíssima arrecadação no setor. Quando comparamos com outros países o valor das alíquotas da CFEM temos uma diferença significativa, por exemplo: no ouro cobra-se 1,5% no Brasil e 4% na China; no cobre 2% no Brasil e 4 a 20% no Chile; no ferro 2 a 3,5% no Brasil e 16% no Canadá; e no Diamante 2% no Brasil e 7,5% na Austrália. Estes números sinalizam o grau de super-exploração do trabalho e da natureza, que garantem lucros ainda mais extraordinários para o capital mineral no Brasil.

Importante frisar que a mineração é um setor auto-regulado no Brasil. Ou seja, quem dita o volume de produção mineral são as próprias empresas mineradoras. Este fato possibilita a subestimação do montante de produção e sonegação por parte do capital mineral. Não existe fiscalização dos órgãos do Estado que monitore, de maneira eficaz, as quantidades que estão sendo extraídas pelas mineradoras. Tampouco existe o controle se os minérios que estão sendo extraídos e exportados são apenas aqueles que estão sendo declarados ou, prática comum, se as mineradoras estão extraindo também outros tipos de bens minerais e declarando uma diversidade menor. Outra questão a se destacar é sobre a mineração ilegal, garantida predominantemente por grandes empresas. O governo Bolsonaro é um incentivador desse tipo de saqueio mineral, estimulando com discursos e com medidas administrativas, como foi o caso da exoneração do diretor do IBAMA que coordenava as ações contra os garimpos clandestinos na Amazônia.

A situação da pandemia impôs, com maior força, a pauta do aumento das alíquotas da CFEM e a defesa da destinação da arrecadação para o fortalecimento do SUS, para pesquisas científicas junto às universidades públicas, em apoio a um projeto nacional de saúde pública. No mês de fevereiro de 2020, o Estado arrecadou 375,9 milhões de reais com a CFEM; este valor permitiria a compra de aproximadamente 28 mil respiradores e a construção de cerca de 1.500 leitos de UTI’s. Não se trata de defender o repasse da integralidade dos atuais valores da CFEM para a compra de equipamentos e demais demandas da área de saúde, o debate deve ir além: o que defendemos é que os valores das alíquotas deveriam ser maiores, para garantir uma maior renda mineral para a União, estados e municípios minerados. E a execução do recurso deve estar submetida à controle popular, com a criação de conselhos nos municípios e estados que monitorem a destinação do recurso.

Para isso, destacamos alguns pontos para a construção de um projeto soberano de mineração, considerando a questão da pandemia que implica numa defesa emergencial da vida do povo brasileiro. É fundamental defendermos as bandeiras de:

1. Aumento das alíquotas da CFEM e garantia da destinação deste recurso prioritariamente para a área da saúde, como medida de urgência para o contexto da pandemia;

2. O pagamento imediato de valores atrasados da CFEM, visto que muitas mineradoras se encontram em atraso no repasse deste recurso para União, estados e municípios;

3. Revogação da lei Kandir;

4. Fortalecimento de alternativas econômica em territórios minerados na geração de emprego, renda e construção de atividades econômicas verdadeiramente sustentáveis, para quebrar o ciclo da mineriodependência nas regiões mineradas.

É fundamental neste momento debatermos o modelo de mineração brasileiro e expormos todas as suas contradições. A renda mineral advinda da exploração da enorme riqueza do nosso subsolo precisa estar sob maior controle popular. Não podemos aceitar como suficiente “doações” de EPI’s por mineradoras, testes do novo coronavírus ou reformas de hospitais, como grandes benesses feitas por estas empresas. Precisamos alterar a estrutura deste sistema que mantém o modelo mineral brasileiro subordinado ao capital internacional e sem nenhum projeto de país. Um dos pontos para um modelo mineral soberano é que o Estado brasileiro detenha uma maior renda mineral e, neste sentido, é central debatermos a CFEM. É uma alternativa para acessar maiores montantes de recursos para a atual crise gerada pela pandemia, o que poderá proteger a vida da população neste difícil momento, e na recessão econômica que se aproxima. Este modelo mineral precisa ser superado. Se “o mundo não será mais o mesmo”, como tem sido dito, cabe ao povo organizado propor as mudanças estruturais!

Direção Nacional do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração – MAM
20 de abril de 2020