A conjuntura mineral em tempos de pandemia e (des)governo Bolsonaro atinge proporções inimagináveis com o passar do tempo. Nesses dois anos, o campo progressista enfrentou e enfrenta diariamente perdas drásticas, e com a mineração não seria diferente.

A política nacional e a questão mineral historicamente se entrelaçam aqui no Brasil, mas desde o fatídico 1° de janeiro de 2019 até atual enfrentamento irresponsável da pior crise sanitária da atualidade, a pandemia da Covid-19, os problemas estruturais brasileiros se aprofundaram, entre eles, os da mineração.

O setor ganha força com a falácia do progresso, dessa vez como salvadora da crise econômica brasileira. Sob um tom profissional, elucidativo e cativo, fala-se de uma atividade tão suja, insalubre e violenta como solução. Por isso nesta data afirmamos que a independência do Brasil está longe de ser alcançada, reforçando nossa voz junto ao movimento do Grito dos Excluídos para dizer #ForaBolsonaro, trazendo alguns pontos da irresponsabilidade do governo Bolsonaro diante do setor minerário.

ESSENCIALIDADE DA MINERAÇÃO
Em março de 2020, exatamente quando estourou a pandemia do coronavírus aqui no Brasil, o Ministério de Minas e Energia emitiu a Portaria 135/GM, que declarou todos os segmentos do setor mineral como serviços essenciais. Posteriormente, o governo brasileiro endossou essa ação através do Decreto 10.329/2020, assegurando às empresas exploradoras a continuidade de suas atividades desconsiderando as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), tanto no quesito de se evitar aglomeração quanto do isolamento social. O setor trabalhista ficou completamente desassistido quanto ao direito à quarentena, e segundo levantamentos feitos pelo MAM e pesquisadores, segundo dados das Secretarias de Saúde de alguns municípios minerados, o aumento no número de casos de Covid-19 ficou intrinsecamente ligado à continuidade dessas atividades. É na mineração brasileira que está repousado os grandes ganhos do capital financeiro nacional e internacional. A Vale S/A, por exemplo, é a empresa no mundo que mais direciona recursos para os seus acionistas esteve, só no primeiro trimestre de 2020, mais de 5 bilhões de lucros. Não haveria pandemia capaz de parar esse ritmo de exploração no país.

RESERVAS CAMBIAIS
O ouro brasileiro compõe a remessa de ativo financeiro que regula o sistema mundial com a plena desvalorização do dólar. O aumento de garimpos ilegais (60% na Amazônia, concomitante com a pandemia), “esquentado” pelo Banco Central brasileiro tem enviado esse ouro às instituições financeiras, entre bancos,corretoras e distribuidoras de títulos de valores imobiliários,além de bancos centrais de 12 países do mundo, como a Índia. Esse ouro ilegal também compõe a reserva cambial brasileira. O ministro da economia Paulo Guedes já sinalizou sobre a possibilidade de utilizar as reservas cambiais brasileiras para salvar a burguesia da crise econômica. Cerca de 80% dessa atividade ilegal ocorre em áreas de conservação ambiental e áreas indígenas e quilombolas. Ou seja, a natureza brasileira e o sangue da população indígena hoje são sacrificados em prol do mercado financeiro mundial – não é mais os operários e as fábricas do ABC Paulista que garantem o lucro do capital internacional, por exemplo, é a mineração ilegal na Amazônia. Hoje a riqueza e acumulação está centrada na mercantilização da natureza. Os militares, que são basicamente todo o reflexo do governo Bolsonaro, acreditam que o papel da geopolítica brasileira é ser exportador de matéria prima, entre elas, dos nossos minérios. Por isso o governo que está em curso, de extrema direita, aposta no setor mineral como saída para a crise econômica, mesmo em detrimento aos danos causados nos territórios tradicionais do nosso país.

O MUNDO DO TRABALHO
Cerca de 90% dos sindicatos estão controlados pelas próprias mineradoras, que são obviamente contra qualquer forma de organização dos trabalhadores (as) diante do domínio do capital mineral enquanto narrativa de desenvolvimento e progresso nos municípios explorados. O economicismo em momentos de crise econômica tira a oportunidade dese levar adiante qualquer estratégia de elevação do nível da consciência da massa trabalhadora da mineração. A subjetividade do trabalhador da mineração está sequestrada pela ideologia das mineradoras que, a todo momento, insinuam produzir riquezas e se comportam como essenciais para a economia brasileira. A automação no processo da mineração é cada vez mais crescente,visto que o ganho maior das mineradoras está resguardado na espoliação da natureza. Entretanto, a automação não expele o trabalhador da produção, ela resguarda a ele a forma mais desumana e brutalizada dos trabalhos das minas onde ele ainda é essencial.

A DESTRUIÇÃO POR DENTRO
A extrema direita há muito não tinha uma figura política tão próxima simbolicamente e defensora do tema mineral como a projeção alcançada por Bolsonaro – ela militarizou a institucionalidade mineral(Ministério de Minas e Energia) com a mesma ideologia de 1964, ou seja, com o movimento em curso para a espoliação máxima da Amazônia brasileira. De 60 anos para cá, toda vez que o Estado se recrudesce na sua maneira de agir,sobra para a natureza e para os povos tradicionais que nelas habitam.Ao invés de acabar com órgãos responsáveis pela mediação do Estado entre mineração e capital, a extrema direita foi nomeando figuras para aparelhar a destruição por dentro. Isso é típico de comportamento de governos fascistas, nomeando um ministro do Meio Ambiente ruralista, financiado pelo agronegócio e por setores armamentistas, enfraquecendo a Fundação Nacional do Índio (Funai), deixando a demarcação de terras indígenas nas mãos do Ministério da Agricultura, delegando perversamente a Fundação Palmares à um presidente irresponsável que classificou o movimento negro como “escória maldita” formada por “vagabundos”, entre diversos outros degradantes exemplos.

A “PLENA MINERAÇÃO”
Abrir novas fronteiras minerais, terras indígenas, quilombolas, áreas de fronteiras, reservas florestais, áreas de preservação permanente, parques federais, unidades de conservação, tudo sob o viés do Plano Lavra, da MP da grilagem, da guilhotina regulatória. Houve uma fragmentação dos processos minerários conforme o anseio do capital, como já está sendo feito com o fosfato, com o ouro, o urânio. Isso implica burlar a legislação mineral brasileira em caráter de urgência em determinados casos. Como exemplo temos o Programa de Parceria e Investimentos (PPI), que em junho criou um Comitê Interministerial coordenado pelo Ministério de Minas e Energia e que conta com a participação do Ministério da Agricultura para acelerar os projetos desses minerais estratégicos. O Ministério do Meio Ambiente ficou fora dessa estrutura.Outro exemplo foi uma resolução da Agência Nacional de Mineração – ANM, em maio de 2020, que alterou o regime de requerimentos de pesquisa mineral e determinou que eles sejam aprovados automaticamente, sem as devidas análises ou avaliações de órgãos do governo federal ou outras instituições competentes.

GARIMPO ILEGAL
A mineração ilegal ganha novas proporções no governo Bolsonaro, com a implantação das milícias garimpeiras em estados como o Pará, Rondônia, Roraima, Amazonas,Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, São Paulo, Minas Gerais e Maranhão. É o fim da atividade garimpeira clássica, nômade e de bateia na mão: agora é o empresário quem organiza o garimpo, que precisa de dois milhões para iniciar um negócio que movimenta mais de 500 mil pessoas ligadas à atividade ilegal, associada também ao tráfico de drogas.A regularização dessas áreas, como ocorreu recentemente em Mato Grosso, foi autorizada sob o pretexto de que “destrói menos e tem mais controle”, movimento puxado pela Associação Nacional do Ouro (ANO), que é responsável por captar esse ouro ilegal e enviar ao Banco Central brasileiro. A ANO tem se reunido com o vice-presidente militar Hamilton Mourão para iniciar um projeto que regulamenta a atividade ilícita na agência reguladora do país, a Agência Nacional de Mineração (ANM). Só nas terras Yanomami entre os estados de Roraima e Amazonas, pela contaminação garimpeira, a estimativa da Fiocruz é de que até 40% da etnia possa contrair o vírus. Esse é só um exemplo da face da matança indígena levada pelos garimpeiros que a mídia hegemônica não mostra.

BURGUESIA NACIONAL
A burguesia nacional ganha força no governo Bolsonaro porque sempre viveu da irregularidade mais cruel, já que todo sistema mineral é irregular. Mineradoras do Estado de São Paulo, por exemplo, pedem licenças de ampliação de suas cavas e barragens com olhos para a última área indígena e da Mata Atlântica do Estado, o Pico do Jaraguá, onde vivem os Guaranis, em um evidente conluio entre capital industrial, imobiliário,mineral e financeiro – é um plano genocida. Essa burguesia e a pequena burguesia comercial/imobiliária/hoteleira/serviços brasileira é aliada histórica do setor da mineração nas cidades e nos centros minerados e,portanto, das relações mineradoras. Com sua base Bolsonarista, ela tem contribuído para implodir as recomendações da OMS em meio à pandemia – toda vez que a mineração necessita ela ativa essa força reacionária ao seu favor, provocando o que chamamos de minerodependência dos municípios.

CONTEXTO MUNDIAL
A disputa entre a China e os Estados Unidos emplaca o que muitos têm chamado de “Segunda Guerra Fria”, e passa por uma intensa disputa tecnológica,impossível de ser desenvolvida sem os minérios latino-americanos. A vitória de presidentes como Jair Bolsonaro no atual contexto faz parte da estratégia de domínio dos EUA no território brasileiro, diante da disputa com a China. Todo nosso sistema econômico internalizado passa pela premissa da geopolítica mundial e nos coloca em um processo intenso de destruição da natureza, exportação de matéria prima e planejamento mineral envolto na indústria internacional bélica,automotiva, da comunicação (sobretudo da internet), da agricultura (insumos e produtos) e a gama de bens de consumo duráveis, não-duráveis e os supérfluos à necessidade humana, como a indústria do R$ 1,99.