A Câmara dos Deputados criou há cerca de um mês uma nova Comissão Especial para consolidar e votar o novo Código da Mineração, um procedimento nada usual. Conhecida como Ceminera, ela ainda não recebeu indicações suficientes para iniciar os trabalhos. Dos 37 deputados já indicados para integrá-la, entre titulares e suplentes, 17 tiveram doações de empresas ligadas à mineração. O projeto tem sido criticado por ativistas, por eliminar proteções ambientais presentes no texto anterior, de 1967, e por prefeitos, que temem perdas na arrecadação. Já o setor produtivo tenta evitar cobranças maiores sobre a extração mineral.
Presidente da comissão que chega ao fim, o deputado Gabriel Guimarães (PT-MG) explica que desde 2013 a Câmara tentou ouvir todos os envolvidos no tema para tentar chegar a um texto definitivo. “Desde o final do ano passado, minha tarefa foi aguardar a construção de um consenso, pelo relator, com os demais membros da comissão”, afirmou, repassando a responsabilidade pela não votação para o relator, Leonardo Quintão (PMDB-MG). Após sucessivas tentativas de entrevista, Quintão disse, por meio de sua assessoria, que não se pronunciaria sobre o novo código neste momento.
Enquanto aguardava um consenso, Guimarães explica que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), procurou os membros da antiga Comissão Especial para sugerir a criação do novo colegiado. “Ele conversou conosco e disse que estava preocupado com a questão do prazo da comissão, já que regimentalmente ele acabou. Assim, de forma consensual conosco, o presidente criou uma nova comissão”, disse. Classificando o movimento de Cunha como “cauteloso”, o deputado afirmou que o próximo passo é verificar a possibilidade regimental de importar os trabalhos do grupo anterior para o futuro – que precisa ter todos os integrantes indicados para, só então, definir o presidente e o relator.
O deputado federal Gabriel Guimarães (PT-MG), presidente da antiga Comissão Especial do Código da Mineração
O deputado Sarney Filho (PV-MA) não sabe dizer por que houve a criação do novo colegiado. Integrante da comissão anterior e da recém-criada, ele acredita que o enfraquecimento do governo federal e de Eduardo Cunha, devido a denúncias de corrupção, facilita a atuação de grupos de interesse. Ele cita como exemplos as mudanças do Estatuto do Desarmamento e a aprovação da PEC 215, recentemente deliberados pelos deputados. “Esses grupos de pressão querem fazer com que os seus interesses, em geral pessoais, se sobreponham aos interesses difusos da sociedade brasileira”, disse.
Conhecido pela atuação ligada às causas ambientais, Sarney Filho é crítico a diversos pontos da nova regulamentação mineral. “Me preocupa a falta de clareza sobre os direitos das populações atingidas pelo minério, sobre a recuperação das áreas afetadas e também sobre o processo de escolha sobre determinadas áreas, se devem ser objeto de exploração ou não. O que se percebe é que querem sobrepor a mineração a qualquer interesse, inclusive da nossa legislação socioambiental”, diz o parlamentar.
Para Jarbas Vieira, dirigente do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), o novo código chega a ser mais atrasado em questões ambientais do que a versão atual, criada em 1967, durante a ditadura militar. “O anterior diz que a mineração não pode danificar os mananciais, a água, o solo, e no atual não tem nada disso”, critica. O dirigente da MAM se mostra especialmente preocupado com o inciso 6º do artigo 46 do relatório preliminar, que estabelece como direito do minerador “usar as águas necessárias para as operações da concessão”. O temor é que o texto dê margem para que a exploração mineral se sobreponha a outras destinações da água, até mesmo o abastecimento humano.
Vieira se mostra indignado ainda com o artigo 109 do texto do relator, que prevê que a criação de qualquer atividade capaz de atrapalhar a mineração precise de uma autorização da Agência Nacional da Mineração. O órgão, proposto pelo governo e mantido pelo relator, substituiria o Departamento Nacional de Produção Mineral. “Um território com remanescentes de quilombo, terras indígenas, assentamentos de reforma agrária e unidades de conservação da natureza precisariam da anuência da agência para ser instalados. Na prática, isso significa que, onde tiver minério, nada disso será criado”, disse.
Na opinião de Vieira, o novo colegiado é fruto da tentativa do relator Leonardo Quintão de agradar todo mundo. “Ao comparar os deputados já indicados com os da comissão anterior, percebe-se que a mudança de comissão não vai trazer alterações substanciais ao texto”, afirma. “Nem o setor empresarial ficou contente com o Frankenstein que ele fez. Ficou inviável.”
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