Uma notícia alentadora chegou da Colômbia no dia 26 de março: a população do município de Cajamarca organizou um plebiscito para consultar se os moradores queriam que fosse instalado ali projetos de mineração. O resultado final foi que 97,92% das pessoas optaram pelo “não”. A pergunta era “Está de acordo – sim ou não – de que no município de Cajamarca se executem projetos e atividades de mineração?” O que está de pano de fundo da iniciativa é o conflito envolvendo a instalação de uma grande mina a céu aberto para a exploração de ouro, o projeto La Colosa, de propriedade da multinacional Anglo Gold Ashanti, a maior empresa mineradora de ouro do mundo.
Cajamarca é um município de pouco menos de 20 mil habitantes, localizado no Departamento de Tolima, região central de Colômbia. Metade de sua população vive em zona rural e a atividade principal de geração de trabalho e renda é a agricultura camponesa. Cajamarca é uma cidade conhecida como a “despensa agrícola da Colômbia”, pela forte tradição da agricultura, que garante o abastecimento da região. E foram estes mesmos campesinos e campesinas que, debaixo de chuva, passaram o domingo, dia 26, aguardando o resultado da votação. O resultado foi celebrado com muita emoção, palavras de ordem e cantos. “Água sí, minería no”; água sim, mineração não; “El água vale más que el oro”, a água vale mais que o ouro; “El pueblo unido jamás será vencido”; o povo unido jamais será vencido. “Sí, se pudo!”, cantavam as milhares de pessoas na praça principal da cidade. E sim, foi possível construir uma organização popular massiva, com uma vitória estrondosa na consulta popular. Das 6.241 pessoas que votaram no plebiscito apenas 76 disseram sim à mineração.
O que é o projeto
E por que o povo do município de Cajamarca votou assim? O projeto em questão é de alta escala, a céu aberto e ocupa, apenas na fase inicial do projeto, 515 hectares, a maior parte em área de reserva natural. E é justamente nesse território que se encontra a maior concentração de biodiversidade e fontes de água da região. Colocar abaixo as montanhas que possuem a jazida de ouro seria alterar de modo irreversível todo o meio ambiente, toda a estrutura de recarga hídrica, tão fundamental para a agricultura, que é a fonte principal de subsistência e renda das populações da cidade.
O nível de rejeitos que o projeto prevê gerar também é um dos pontos principais de preocupação da população. Segundo a própria empresa, será retirado um grama de ouro a cada tonelada de rocha extraída do subsolo. Ou seja, todo o restante será considerado de rejeitos. Além do montante de terra revolvida, outros minerais associados à rocha estariam então dispersos no ar, e também alocados em grandes barragens de rejeitos, como é o caso do arsênico, prejudicial para a saúde humana. Renzo García, uma das lideranças do Comite Ambiental en Defensa de la Vida apresenta as preocupações em relação às barragens: “são rejeitos tóxicos altamente contaminantes. No caso dessa represa romper-se, poderia gerar uma contaminação sem precedentes por toda a bacia do Rio Coelho e inclusive chegar até o Rio Magdalena e terminar no mar do Caribe, no oceano Atlântico. Tal como aconteceu em 5 de novembro do ano 2015 no Brasil com um projeto da empresa de mineração Samarco, quando se rompeu uma barragem e os rejeitos tóxicos percorreram 650 km de distância e chegaram até o oceano Atlântico. Acabaram por completo com o Rio Doce, afetaram aproximadamente 2 milhões de pessoas. Isso que é o que queremos parar no nosso território de Cajamarca, que tem uma alta potencialidade em termos agropecuários. Isso é o que queremos proteger. Mas também proteger a biodiversidade, os solos, as águas”.
Consulta ao povo
As consultas ou plebiscitos populares são ferramentas tradicionais dos movimentos populares para trabalhar a formação, mobilização e organização. Nos últimos anos, outras cidades latino-americanas organizaram consultas populares sobre a atividade da mineração; os mais emblemáticos aconteceram no Peru, Guatemala e na própria Colômbia. Mas no caso de Cajamarca, em particular, estamos lidando também com uma situação de consequências jurídicas.
Uma lei colombiana de 2015 regula que as consultas populares são vinculantes, ou seja, que os seus resultados devem ser respeitados. A vitória do “não à mineração” em Cajamarca deflagrou um intenso debate político na Colômbia sobre a efetivação da lei nesse acontecimento específico. Pela constituição colombiana, assim como no Brasil, o subsolo é patrimônio da União e é o Estado que vai regular sua concessão para a exploração mineral. E a mineração é entendida como uma atividade de interesse público, o que quer dizer que terá prioridade sobre outros usos do solo. O que coloca as populações que vivem no entorno do interesse mineral em situação de extrema vulnerabilidade, independente se possuem outra atividade economicamente ativa e se são a “despensa agrícola da Colômbia” como é considerada Cajamarca. Juristas a favor do “não” argumentam que se a empresa quiser levar adiante o processo de implementação do projeto La Colosa ela deverá ter os pedidos de licenças negados porque a utilização de área do município para a mineração não estará mais em acordo com ordenamento territorial do município, que proibiu este tipo de atividade na consulta popular vinculante.
O debate jurídico e as implicações da consulta em Cajamarca terão ainda um longo percurso. O certo é que a população contrária ao projeto ganhou uma enorme força com o êxito do plebiscito. Por hora, é um momento de celebrar a organização popular que lutou pela defesa do seu lugar. Não só o resultado em si, mas todo o processo de organização crescente do povo de Cajamarca que se tornam um exemplo para todos e todas que lutam contra o atual modelo destrutivo da mineração, uma das faces da expropriação capitalista sobre os bens comuns. Espera-se que esse processo também seja um exemplo de participação efetiva das comunidades em conflito com os megaprojetos que afetam seus territórios. E população mobilizada afirma que, mesmo com a vitória da consulta popular, continuarão em luta contra Anglo Gold Ashanti e La Colosa, até que Cajamarca se consolide como um território livre de mineração.
*Maria Júlia Gomes Andrade é antropóloga e compõe a coordenação do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
Fonte: Brasil de Fato
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