Ao longo de sua história, a Amazônia tem gerado sempre mais recursos para fora (Metrópole e Federação) do que tem recebido como retorno; tem sido, permanentemente, um lugar de exploração, abuso e extração de riquezas em favor de outras regiões e outros povos. Mesmo nos últimos trinta anos, quando grandes investimentos foram feitos em infra-estrutura, estes visaram possibilitar a exploração de riquezas em favor da Federação (LOUREIRO, 2002, p,108).

O capital, em seu processo de expansão geográfica e deslocamento temporal que resolve as crises de sobreacumulação às quais está inclinado, cria necessariamente uma paisagem física à sua própria imagem e semelhança em um momento, (HARVEY, 2004b, p.99).

No dia 10 de março de 2018 o Movimento Barcarena Livre se reuniu e decidiu se manifestar sobre a situação atual vivenciada pelos moradores e trabalhadores em Barcarena.

Barcarena Livre é um movimento que nasceu em 2016 durante a organização de dois seminários sobre desastres da mineração, em Belém e em Barcarena. Várias lideranças comunitárias, representantes sindicais e moradores participaram da realização destes seminários e decidiram juntar-se com a Universidade Federal do Pará e atuar coletivamente contra a poluição, desastres ambientais, violação de direitos territoriais e políticas excludentes. O grupo entendeu que a sua atuação, além das ações de cada grupo específico, perpassa a produção de contrainformações, formação e capacitação, mobilização e participação nos processos de decisão. Barcarena livre luta contra expropriações e deslocamentos forçados  e pela permanência na terra e território, em defesa dos povos e comunidades tradicionais e dos novos moradores. Atua no combate a poluição e em defesa da natureza (rios, ar, terra, floresta, fauna), além de apoiar atividades sustentáveis de trabalho e renda local

As transformações, conflitos e desastres recentes na Amazônia são fruto da lógica de acumulação capitalista e desdobramentos históricos e atuais da cobiça, “saques” e a dominação (neo)colonial de países europeus e norte americanos, além de outros jogadores capitalistas, China, Bancos, fundos de investimentos e multinacionais, cujo olhar sobre Amazônia ainda reduzem a uma superfície lisa, sem povos tradicionais e população.

Barcarena se insere nesse contexto, que não é recente de acidentes e desastres, no qual o desastre da Hydro Alunorte torna-se emblemática, pois foram vários alertas de desastres e denúncias acerca de despejos, além dos questionamentos na justiça da bacia (Depósito de Rejeitos Sólidos n° 2 – DRS-2) que não possui licença ambiental para operar. Mais que 26 desastres socioambientais graves foram registrados nos últimos 18 anos em Barcarena, principalmente pelas empresas Hydro e Imerys, além do porto da Vila do Conde e naufrágios de balsas e navios. Isto tem provocado doenças graves na população, insegurança e medo. As empresas e o Estado têm negado, relativizado, transferido a culpa para a chuva e, sob pressão da população em parceria com o Ministério Público, às vezes assumido a responsabilidade. As medidas punitivas e corretivas e os acordos e promessas para transformar esta realidade tem sido pouco eficazes.

Mas uma das perversidades dessa lógica não é só as violações do direito de viver (direitos humanos), mas de justiça social concernente a distribuição de riquezas e de renda que historicamente a Amazônia, e principalmente Barcarena sofrem há décadas, como uma região forjada e subordinada a ser uma “zona de sacrifício” para riquezas de outras regiões e países.

Considerando:

  • A história de desastres ambientais, poluição, deslocamentos forçados e falta de investimentos nas comunidades que acompanharam a implementação dos portos, estradas, linhões, fábricas, empresas, minerodutos;
  • O descaso permanente com a população e meio ambiente, comprovado pelas repetidas ocorrências de poluição, desastres ambientais e novos desmatamentos pelas empresas Hydro (Alunorte, Albrás), Imerys, Tecop, Fertilizantes Tocantins, Yara Fertilizantes, Hidrovias do Brasil, Unitapajós, ADM, entre outras, sem devido controle e punição por parte do poder público;
  • A permanente luta das comunidades quilombolas, rurais e ribeirinhos, em poder permanecer nas suas terras com qualidade de vida, poder plantar, colher frutas, pescar, viver em comunidade;
  • A luta dos trabalhadores das empresas e moradores por renda, emprego, condições dignas de trabalho e salários justos;
  • A luta dos trabalhadores adoecidos no trabalho por reconhecimento dos seus direitos;
  • A grave poluição da água (lençol freático, rios e igarapés – Dendê, Curuperé, Tauá, Murucupi, São Francisco, Pará, Furo do Arrozal…) impossibilitando acesso à água potável da população, a rios para pescar, à água para banhar;
  • A poluição, os desastres ambientais e as permanentes ameaças e incertezas tem provocado graves problemas de saúde, físico e mental;
  • Os planos avançados de implantar mais empresas, portos, ferrovia, linhão, termoelétrica em Barcarena, agravando a situação:
    • Terminal Portuário de Uso Privado na Ilha de Urubuéa da Cargill;
    • Terminal Portuário de Uso Privado e indústria de óleos vegetais no Distrito Industrial de Barcarena, da Cevital;
    • Estação de Transbordo Fluvial S.A., em Barcarena;
    • Termoelétrica de Celba, na área do porto da Vila do Conde
    • Ferrovia Paraense (de Santana do Araguaia passando por várias comunidades até o porto da Vila do Conde);
    • Terminal Portuário de Uso Privado no distrito industrial de Barcarena, da Buritirama;
    • Linhão de Barcarena a Castanhal da empresa Equatorial Transmissões;
    • Expansão e arrendamentos portuários no Complexo Industrial e Portuário de Vila do Conde;

Em virtude de toda essa conjuntura e a relação de uma grande parte da população com a natureza e a vida em comunidade, seus modos de viver, beber, comer, pescar e preservar sua identidade, tradições e crenças:

Barcarena Livre manifesta-se e exigi: 

Em relação às empresas em Barcarena e ao Poder Público:

  1. Embargo imediato em relação aos planos de novos empreendimentos no município, que já está em estado de sobrecarga e estrangulamento de efeitos sinergéticos das empresas atuais;
  2. Suspensão e revisão de todos os processos de licenciamentos ambientais novos ou pedidos de renovação na SEMAS, no IBAMA e na SEMMAS dos empreendimento em Barcarena;
  3. Realização de um estudo de impactos ambientais sinérgicos do conjunto de empresas instalado em Barcarena.
  4. Revisão do Plano Diretor de Barcarena, especificamente do zoneamento territorial;
  5. Revisão imediata das dinâmicas de produção, tratamento da água, solo e ar usados e impactados pelo processo de produção das empresas, com monitoramento permanente e realizado por instituições independentes;
  6. Análise criteriosa dos licenciamentos ambientais e o controle ambiental de todas as empresas;
  7. Fechamento ou reestruturação de qualquer processo de produção, estoque, tratamento de rejeitos que poluem e ameaçam o meio ambiente, os trabalhadores e a população;
  8. Reconhecimento da responsabilidade das empresas com os direitos os trabalhadores adoecidos nas empresas;
  9. Fornecimento permanente de água potável (direito básico) à população de Barcarena afetada historicamente;
  10. Processo criminal contra as empresas que repetidamente tem poluído e provocado poluição e desastres ambientais;
  11. Responsabilização dos responsáveis pelo licenciamento ambiental que tem autorizado a instalação e o funcionamento das empresas, pois apesar das claras evidências de riscos ambientais, repetidas ocorrências de crimes ambientais e falta de medidas protetivas e emergenciais ocorreram liberações de licenças ambientais ou não cobranças, como é o caso da bacia da Hydro Alunorte;.

 

  1. Fechamento e interdição de processos e instalações das empresas que poluem, apresentam altos riscos ou não são devidamente licenciados, exigindo adaptação da dinâmica e volume das operações a esta medida;
  2. Recuperação e despoluição dos rios e igarapés;
  3. Realização de exames para medir a contaminação no povo e o pagamento de seus tratamentos;
  4. Proteção a todos os nascentes dos rios e igarapés, inclusive aqueles que foram inseridos nos terrenos de empresas;
  5. Considerar outras formas de ocupação das áreas predestinadas para indústrias (Zona industrial – área da USIPAR), já ocupadas (Tecop, Imerys) ou abandonadas (Burutirama, Zona de Processamento para Exportação), como projetos de agricultura/pesca/lazer/moradia;
  6. Criação de sistema de tratamento de água e esgoto e ampliação da rede de fornecimento de água potável em todo município
  7. Investimentos em projetos econômicos e sociais de sustentabilidade em áreas rurais e urbanas, incluindo um porto pesqueiro para os pescadores do município.
  8. Garantia que todas as multas ambientais aplicadas a empresas em Barcarena sejam aplicadas em favor do povo de Barcarena e Abaetetuba
  9. Respeito a convenção 169, que estabelece o direito dos povos tradicionais serem consultados antes de qualquer ação que venha afetar o seu modo de vida, conforme os protocolos de consulta de cada comunidade tradicional.
  10. Aterro sanitário municipal e instalações para reciclagem
  11. Criação de agências, delegacias ou dependências da defensoria pública, ministério público, semas e polícia civil ambiental no território onde as empresas estão instaladas, com funcionamento regular para receber denúncias, fazer fiscalização e intervir.

Barcarena, 22 de março de 2018

Movimento Barcarena Livre

Foto: Pedrosa Neto / Amazônia Real