Comunidade Aurizona no interior do Maranhão vive momento de terror após deslocamento de pilhas de estéril causado por explosão de dinamite na mina de ouro da mineradora Canadense Equinox Gold no último domingo, 4 de novembro.  

“É bastante simbólico e sintomático que o desmoronamento do estéril em Aurizona tenha ocorrido um dia antes de completarem três anos do rompimento da barragem de Fundão, propriedade da empresa Samarco. Estas violações contínuas das vidas das populações e do meio ambiente são o sintoma da estrutura falha de fiscalização e monitoramento da mineração no Brasil.” Aponta em entrevista para pagina do MAM Tadzio Coelho membro do grupo de pesquisa e extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS).  

Confira a entrevista:

 

MAM- Recebemos a informação de que houve um vazamento de resíduos de mineração em Aurizona. Em que proporção podemos falar em contaminação já que se trata de uma mineradora às margens de um grande rio do município?

Tádzio Coelho – Até agora, pudemos apurar que se trata de desmoronamento de pilhas de estéril, ocorrido no domingo (4 de novembro) devido à vibração causada por dinamites. A dinamitação é utilizada no desmonte de rochas dentro da área de mina. Como existem pilhas de estéril próximas à comunidade de Aurizona e à estrada de acesso, o estéril bloqueou a estrada que liga a comunidade à cidade de Godofredo Viana. O estéril chegou até uma região de mangue e de igarapés.  Ainda não é possível detalhar a extensão dos danos causados e se o material chegou até o rio Tromaí. Também não foi possível apurar se houve danos à barragem de rejeitos da mina causados pela vibração. Esperaremos a apuração feita pelas autoridades. O que posso dizer, baseado em pesquisa de campo, é de que existem pilhas de estéril próximas às casas da comunidade, e que o deslocamento involuntário do estéril, atingindo manguezais e a estrada, deve ser objeto de medidas punitivas e reparativas.

MAM- Existem conflitos sociais decorrentes da mineração em Aurizona?

Tádzio Coelho– O principal conflito regional se dá entre a mineração a céu aberto, de Aurizona, e os pescadores e garimpeiros que atuam na região. Ambas as atividades – garimpagem e pesca – estão atadas historicamente ao modo de viver e produzir da comunidade de Aurizona. Pescadores relatam que a instalação e funcionamento do Projeto Aurizona alterou a dinâmica hídrica e poluiu as águas na região prejudicando a pesca e o uso de água. Também garimpeiros artesanais se queixam de terem suas atividades proibidas após a chegada da empresa.

A relação com a comunidade de Aurizona também é conflituosa. Muitos dos moradores da comunidade são pescadores e garimpeiros, e ocorreram diversos bloqueios da estrada de acesso à mina realizados pelos moradores de Aurizona descontentes com danos que teriam sido causados pela mineração, tais como a mortandade de peixes. Queixam-se ainda dos poucos empregos destinados aos moradores locais.

MAM- A comunidade tem alguma forma de controle sobre esta mineração?

Tádzio Coelho – A comunidade de Aurizona se encontra à revelia do processo decisório que levou à instalação e expansão do projeto minerário. Pouco se sabe como os recursos vindos da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) tem sido aplicados, lembrando que a porcentagem de CFEM paga pela extração de ouro é uma das menores, apenas 2% do faturamento bruto da empresa. Os vereadores de Godofredo Viana se queixam da pouca transparência da atuação da empresa e da falta de diálogo por parte da Mineração Aurizona (Equinox Gold). A empresa estaria se reportando diretamente à Agência Nacional de Mineração (ANM) e ignorando o legislativo e as demandas da população de Godofredo Viana.

Muitos dos moradores esperam que ao menos sejam contratados como funcionários da Mineração Aurizona ou de empresas terceirizadas, mas a maior parte dos postos de trabalho tem sido criados em funções ligadas à construção de infraestrutura da mina. Após a finalização das obras, essas pessoas são desmobilizadas retornando ao desemprego. Ainda, o posto de saúde de Godofredo Viana atende muitos trabalhadores da mina e moradores de Aurizona com problemas respiratórios, o que pode indicar algum problema com a poeira disseminada pelo empreendimento. Há pilhas de estéril próximas à comunidade, o que possibilita a emissão de poeira no local.

Portanto, pelo que observei na pesquisa que venho realizando em Aurizona é de que se trata de um contexto bastante parecido com a maioria dos casos de mineração no país, marcado por injustiças e violações, relações de poder favoráveis à empresa mineradora, baixa transparência e criação de um contexto econômico de dependência.

MAM-   Em que consiste a mineração no Municio de Godofredo Viana?

Tádzio Coelho -A mineração de ouro no município de Godofredo Viana-MA é realizada pela empresa canadense Equinox Gold, no Projeto Aurizona. As empresas canadenses Trek Mining (até outubro de 2017, proprietária do Projeto Aurizona)NewCastle Gold e Anfield Gold passaram por fusão, formando a Equinox Gold Corp. O Projeto Aurizona teve sua instalação iniciada em 2008 e entrou em funcionamento em 2009. Atualmente passa por expansão a ser finalizada no primeiro trimestre de 2019. As três empresas anteriores e a empresa resultante da fusão fazem parte do grupo de mineradoras conhecidas como Juniors. As Juniors são pequenas e médias empresas mineradoras em sua maioria de origem canadense, concentrando-se na extração de ouro, que detém como fonte de financiamento operações na bolsa de valores de Toronto. No cenário de Pós-Boom das Commodities, percebe-se a tendência dessas empresas a adotar também uma estratégia de financiamento e operação baseada nas fusões, para a manutenção e expansão de seus projetos minerários. O termo Pós-Boom refere-se ao processo ocorrido após o Boom das Commodities, no período entre 2011 e 2016, no qual houve uma queda dos preços dos minerais nos mercados globais, incluindo os preços do ouro. Esta nova condição para as empresas incluía: situação de excesso de oferta e de retração da demanda; problemas de endividamento das empresas; resultados financeiros declinantes; mudanças nas estratégias corporativas.

MAM- No mês de novembro, completam três anos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). Essa será a tônica da indústria da mineração nos próximos anos?

Tádzio Coelho – As violações se reproduzem estruturalmente no modelo mineral brasileiro, isto é, não são eventos isolados, mas processos violadores e assimétricos reproduzidos cotidianamente nos vários contextos de mineração do país, resultado de uma estrutura. É bastante simbólico e sintomático que o desmoronamento do estéril em Aurizona tenha ocorrido um dia antes de completarem três anos do rompimento da barragem de Fundão, propriedade da empresa Samarco. Estas violações contínuas das vidas das populações e do meio ambiente são o sintoma da estrutura falha de fiscalização e monitoramento da mineração no Brasil. Pouco foi alterado na estrutura da mineração durante esses três anos. Pouco se avançou na reparação das populações atingidas pelo rompimento da barragem e o crime se reproduz como cotidiano; é um crime que já dura três anos.

As diversas organizações críticas à mineração têm acumulado conhecimento e propostas para transformar a mineração em atividade mais próxima e acessível às demandas dos povos. Entretanto, a conjuntura política é desfavorável à aplicação dessas medidas, e será marcada pela defesa da legislação ambiental existente. A tendência é de intenso embate entre os grupos a favor e contra o aprofundamento da flexibilização e destruição da legislação ambiental.