Baixa preocupação com rejeitos e distribuição- em dez anos -aproximadamente 66% do seu lucro liquido para acionistas mostra a receita de mais um crime

Uma das grandes indignações que pairam no ar, a poucos dias de se completar um mês do crime no Córrego do Feijão, em Minas Gerais, é como uma empresa mundialmente expressiva economicamente como a Vale pode proporcionar dois crimes com tamanha devastação humana, ambiental e trabalhista, ocorridos nos episódios Mariana e Brumadinho.

Fartos que levaram a uma série de análises no Brasil tentando dar conta das reais causas do crime de Brumadinho, entretanto, o cerne da questão pode estar em como a empresa lida com seus rejeitos no processo produtivo da mineração e a sua financeirização exacerbada.

“O grande problema da mineração não é especificamente a barragem de rejeitos, é para além disso. E as empresas da mineração, sobretudo a Vale, não têm compromisso, não pensam em uma mina de rejeitos como investimento. A barragem é encarada como um passivo, não faz parte do processo produtivo, é a parte final, o resíduo. Não há a preocupação em garantir segurança com algo que já vai ser descartado”, aponta o secretário de educação da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), José Reginaldo Inácio.

Além disso, o protagonismo do segundo grande rompimento de uma barragem após a do Fundão, em 2015, ganha outras proporções quando verificamos a financeirizada estrutura econômica da multinacional, e como os interesses de seus acionistas e da alta cúpula são protegidos enquanto vidas são massacradas nos mais diversos sentidos.


Fator Financeiro

Dados compilados recentemente pelo Observatório da Economia Contemporânea da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) apontam que a Vale adota uma estratégia empresarial de privilégios com relação a dividendos, ou seja, partes do lucro que são distribuídos entre seus acionistas.

Só entre 2008 e 2017 foram US$ 37,6 bilhões em termos nominais (sem considerar a inflação), o que corresponde a quase 66% do lucro líquido acumulado neste período.

“O estado brasileiro, com seu conjunto legislativo, não dá conta de ver isso. O próprio presidente da Vale disse que cumpriu todo o regramento possível das normas e leis vigentes – essas que são eles mesmos que fazem. Não é a classe trabalhadora, o terceirizado ou a comunidade, mas sim os políticos que são os lobistas dessas empresas dentro do Congresso Nacional. Eles não protegem a classe trabalhadora, e sim o lucro e a repartição dos dividendos para os acionistas e a grande direção da empresa”, aponta Reginaldo.

Entre seus diretores são pagos aproximadamente 75% da remuneração total da empresa. Esse número é tão expressivo quanto gritante, se compararmos a diferença entre os salários de chão-de-fábrica e os da alta gerência.

“O sistema produtivo na mineração são as commodities e você tem um conjunto de precarização ascendente no processo produtivo da mineração. A referência de salário hoje é que um terceirizado na mineração vai receber desde ¼ de salário-mínimo até um salário-mínimo e meio, e isso não é nem do corpo operacional da empresa principal”, diz o secretário da CNTI.

Segundo levantamento do Observatório, a diferença entre a remuneração média da diretoria e do menor salário administrativo chega a ser de 630 vezes.

Lacunas

De olho nessa lógica perversa de lucro, a mineradora reduziu pela metade seus investimentos no que chamam de “pilhas e barragens de rejeitos”, entre 2014 e 2017 – foram de US$ 474 milhões para US$ 202 milhões em investimentos. A mesma decaída é observada também com gastos em “saúde e segurança” – de US$ 359 milhões para US$ 207 milhões.

“Há alguma preocupação em preservar a vida das pessoas, por parte de gestores de uma empresa que tem como política fazer com que seus diretores se sintam donos da empresa? Se eles são os donos, efetivamente a prioridade não é a vida do trabalhador, mas sim o rendimento, o lucro”, alerta o secretário.

CPMI

A instauração de uma Comissão Mista Parlamentar de Inquérito tem sido apontada com ênfase pela classe política como um caminho possível de desvelamento de casos de corrupção e crimes no setor da mineração no país.

Porém, uma das preocupações legítimas do secretário da CNTI é sobre a autonomia na condução dessas investigações. “Vivemos um momento em que o processo de democracia participativa, com esse Congresso Nacional, não existe. Desde 2015 a classe trabalhadora não é mais ouvida no Congresso, no Judiciário nem no Executivo.

O sinal dado em 2018 para o setor de exploração mineral foi totalmente positivo para as empresas, e totalmente negativo para as comunidades envolvidas e para a classe trabalhadora. Os sinais foram de ampliar a exploração de terras, os licenciamentos, e tudo isso vai na contramão para que a gente possa enxergar que uma CPMI, hoje, possa ser algo conclusivo”.

Por Raquel Monteath/Coletivo de Comunicação do MAM