Após quase um mês do crime do rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho/MG, as comunidades de Besouro e Bandarro em Quiterianópolis/CE vivenciam as consequências de um crime bem parecido em relação aos rejeitos de mineração de ferro da empresa Globest Participações Ltda, que estão sendo erodidos das pilhas e arrastados para o leito do Rio Poty.
As fortes chuvas que caem no semiárido do Sertão dos Inhamuns que poderia ser motivos de alegrias para as centenas de famílias sertanejas que moram na comunidade de Bandarro (mais atingida), se tornou uma grande preocupação porque elas tiram seus sustentos das terras férteis e água que fica nos solos de aluvião do Rio Poty que são utilizadas pelos camponeses durante todo ano. Na madrugada do dia 17 de fevereiro choveu 130 mm e os rejeitos que estão empilhados a 300 metros na margem direita do Rio foram arrastados pela força da água para dentro do leito ou curso principal da bacia do Poty.
As famílias denunciam que não dar nem para tomar banho ou pescar no Rio como era rotina há anos atrás, pois temem o adoecimento que pode surgir ou veiculado pela água que está bastante turva e com tonalidade avermelhada. Outra reclamação é que o assoreamento causado pela empresa provocou mudanças no curso principal do Rio que agora corre onde outrora era utilizado para a plantação de legumes e frutas, principalmente no período invernoso. Os rejeitos estão assoreando a bacia do Rio e a própria correnteza os carrega para outras comunidades que estão no curso do Rio até chegar no Açude Flor do Campo (capacidade de 111 milhões m3) que abastece o município vizinho de Novo Oriente. Uma grande preocupação é a falta de informações sobre que metais pesados podem estar presentes na água que se misturou com os rejeitos, já que, para além do alto nível ferrífero, também poderá ter outros metais e produtos químicos oriundos do processo industrial que estejam acima dos níveis permitidos.
A empresa utilizou durante os sete anos de extração de minério (2011 a 2017) a tecnologia a seco para separar o ferro do rejeito, ou seja, não foi utilizado água e nem construído barragem para depositar os rejeitos. Perto de onde o minério de ferro era processado, foi também empilhado os rejeitos que formaram pilhas no entorno de 30 metros de altura que fica a uma distancia média de 300 metros do canal principal do Rio Poty. A Globest construiu canaletas para drenagem da água no período de chuvas diretamente para o Rio, desviando apenas a direção que está a comunidade de Bandarro, como se abaixo não tivesse outras comunidades que também dependem da terra fértil e da água do Poty. Vale dizer que as canaletas, como já era esperado, não suportaram a força da água e levou os rejeitos direto para onde está localizada a comunidade Bandarro.
Para termos uma ideia da quantidade do rejeito empilhado, segundo o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) apenas entre 2011 e 2015 a empresa Globest comercializou com a China mais de três milhões de toneladas de ferro entre minério bruto e contido e apurou mais de 106 milhões de reais. Em 2014, a Globest foi a primeira no Estado do Ceará no que se refere a extração de mais de um milhão de toneladas de ferro, o que rendeu um montante de mais de 36 milhões de reais. Então, se foi comercializado com a China mais de 3 milhões de toneladas de ferro no período citado acima, e que o teor era de 46,60%, significa que também poderá ter mais 3 milhões de toneladas de rejeitos empilhados e aos poucos irá assoreando ainda mais o Poty. A Globest, inclusive foi multada por construir diques de contenção de sedimentos em área de Área de Preservação Permanente (APP) a 30 metros do Rio Poty, o que dar a entender que a empresa agia para mitigar os impactos, principalmente dos rejeitos poderem chagar até o Rio.
Outro crime grave que a empresa juntamente com o poder municipal poderá ter cometido é em relação aos 2% (na época) da Compensação Financeira da Exploração de Minérios (CFEM), pois, quando questionados, os representantes do poder executivo municipal, dizem não saber informar sobre royalties da mineração e que nunca receberam os valores. Mas, no site oficial da Agencia Nacional de Mineração (ANM) tem contabilizado que entre 2011 e 2014 a empresa Globest repassou o CFEM que soma o valor de R$ 721.518,56. A pergunta é, porque a prefeitura de Quiterianópolis diz não saber nada sobe os repasses do CFEM? No site da ANM não constam repasses da empresa referente aos anos de 2015, 2016 e 2017, confirmando que a empresa funcionou, mas não repassou CFEM para o Poder Público, o que é confirmado pela existência de ação de execução fiscal pendente de julgamento no foro de Quiterianópolis.
O mais grave é que parte desses crimes foram cometidos depois que as licenças de operação da Empresa Globest estavam suspensas desde 2016 em razão do descumprimento do Termo de Ajuste de Conduta (TAC), assinado em 2014. Após as fiscalizações ambientais terem verificado in loco, em mais de uma ocasião, violações dos normativos ambientais como ausência de estudos e de monitoramento da dispersão das partículas sólidas oriundas da atividade mineral e corte irregular de vegetação nativa.
Mas, há outros casos bastante graves narrados pelos moradores em ralação as diversas doenças respiratórias (falta de ar, gripes, pneumonia) que surgiram depois da poeira que era rotina diária, doenças de pele (coceira, alergias), rachaduras nas casas pelos impactos de dinamites e carretas pesadas, diminuição da produção (legumes, frutas, verduras) devido a poeira atrofiar a plantação e o próprio solo, contaminação e disputa pela água do Rio Poty, problemas para a criação de animais que refugavam o pasto devido a poeira que se alojava nas folhas, entre outros. Todos estes exemplos contados pelos moradores, também são crimes, que inclusive são negligenciados pelo poder público local e pela empresa.
Portanto, faz-se necessária e urgente a realização de pesquisas sobre os impactos socioambientais, notadamente sobre a saúde humana e contaminação da água e do solo no território e que o Poder Público e a empresa apresentem um plano emergencial de medidas mitigadoras e compensatórias para contenção dos passivos ambientais que permanecem na região. Vale salientar que a SEMACE e outros órgãos estaduais como a Companhia de Gestão e Recursos Hídricos (COGERH) e Secretaria Estadual de Saúde, diz que não terem condições técnicas para fazer analises da água e do solo referente a metais pesados ou que identifique outros aspectos relacionados a mineração. E quem é responsável pelos crimes causados contra os modos de vida da comunidade Bandarro e Besouro? A empresa Globest ou o Estado?
A empresa Globest se instalou na região da Serra do Besouro, Quiterianópolis-CE, no final do ano de 2010 e ficou até final de 2017. Sem diálogo com as comunidades sobre a mineração, o único aviso do começo da atividade da mineradora foi dado com a explosão de dinamites, as máquinas e caminhões pesados que passavam no terreiro das casas e, principalmente, com a poeira que em forma de nevoeiro caia sobre as casas. Todas as iniciativas de diálogo entre a população atingida e a empresa partiu sempre das comunidades quando começaram a sofrer os impactos socioambientais do empreendimento. E, no final do ano de 2017, a empresa só deixou de operar depois da pressão e denuncias das comunidades e dos movimentos sociais junto aos órgãos públicos que embargou a unidade de processamento de minério. Atualmente a empresa desapareceu e não se sabe onde tem endereço fixo. No local na unidade de processamento ainda tem seguranças para fazer vigilância das maquinas e da propriedade.
Durante os sete anos em operação a empresa cometeu vários crimes socioambientais conforme documentado pela própria Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE), como por exemplo: instalar barreira de contenção de escoamento de contenção na APP do Rio Poty; executar extração de minerais sem licença da autoridade competente; lançar resíduos diretamente no solo; destruir floresta ou demais formar de vegetação natural com infringência as normas de proteção em área de preservação permanente; entre outras. Em razão dos crimes cometidos, em novembro de 2017, a empresa foi condenada criminalmente em processo que tramitou perante o juízo de Quiterianópolis pelo crime ambiental previsto no art. 38 da Lei nº 9605/98 por danificar vegetação em área de preservação permanente.
As comunidades apresentam ao longo dos últimos anos denúncias ao Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal, no entanto, ambos os órgãos se declaram incompetentes para atuarem na demanda. Diante dessa situação a quem o povo pode recorrer?
Enfim, os casos de rompimentos criminosos de barragens a exemplo de Mariana (2015), Brumadinho (2019) e diversos outros casos como o de Barcarena (2018) e agora o de
Quiterianópolis, correspondem e revelam o que historicamente o modelo mineral é genocida, violento e exterminador, pois desde o período colonial super-explorou os povos indígenas e africanos como ainda faz atualmente, e saqueia os nosso bens naturais para alimentar a ganancia na classe dominante internacional que não está nem um pouco preocupada com a periferia do mundo ou se está morrendo pessoas debaixo da lama.
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