Por Makota Célia Gonçalves Souza, no portal Brasil de Fato
08 de Outubro de 2019 às 18:00

Na semana passada, fomos a Brumadinho, precisamente à Aldeia Pataxó. Fomos ali levar solidariedade e afeto. Sabemos das dificuldades que nossos parentes estão passando, mas confesso que fui surpreendida com o que ali vi. Não estava preparada para revisitar uma página tão triste de nossa atualidade: o desprezo à vida e à dignidade das pessoas. Me deparei com uma aldeia onde residem 150 pessoas, entre adultos e crianças, mulheres e homens abandonados à própria sorte, pela irresponsabilidade de um Estado omisso e assassino de sonhos, de esperanças e da dignidade de seus cidadãos. Um Estado que não consegue punir os responsáveis por uma das maiores tragédias ambientais ocorridas em nosso país, o mar de lama que ceifou vidas, matou um rio e toda a biodiversidade. Uma tragédia sem precedentes, a não ser o do descaso com as vidas e os direitos das pessoas.

Levávamos alimentos, roupas, leite, fraldas e um pouco de água. Quando me falaram da falta de água potável, fiquei meio sem entender a extensão do problema. Fiquei chocada, entrei em pânico, tive muito ódio e me senti impotente, quando ouvi da boca do Cacique que o maior problema ali era o temor da sede, pois a água fornecida pela Copasa é altamente clorificada, e estava fazendo mal à saúde deles. Que algumas crianças tiveram que ser medicadas, que seus corpos coçam quando tomam banho, que têm diarreia quando consomem a água. Que a Vale matou o Rio e o solo da aldeia, que ali não há mais a possiblidade da realização de suas tradições, pois nem mesmo o aipim – que é tão comum na culinária e na tradição indígena – nasce ali, naquele solo morto, contaminado pela ganância de uns poucos poderosos, que os abandonou à própria sorte. Um velho companheiro de lutas foi buscar couve no acampamento Pátria Livre do MST, que fica ao lado da Aldeia, pois a horta e as plantações que ali haviam e que eram a subsistência da comunidade já não existiam mais. A alimentação na aldeia já não era mais a mesma.

Como doeu ouvir os relatos e imaginar que a principal dor ali era a da ausência dos direitos básicos à água e a terra. Aquela aldeia, caso não se resolva a situação, está condenada à morte lenta e gradual. Faltam-lhes o básico dos básicos, o direito a tomar água. A que ali deixamos é muito pouca, pensamos em paliativos, mas esses não resolvem o problema do desrespeito, da falta de compromisso com aquelas pessoas. Ali moram homens, mulheres e muitas crianças, sem contar os inúmeros cães, que segundo um morador também têm muita sede.

Proibição do artesanato indígena

E para completar toda essa rede de perversidade e irresponsabilidade, a Prefeitura de BH proibiu a comercialização de produtos indígenas, que ocorre todo domingo na Feira de Artesanato da avenida Afonso Pena. Com inúmeras justificativas, a PBH afirma que os indígenas Pataxós estão definitivamente proibidos de expor e vender seus artesanatos e produtos. Não basta negar a diversidade, é preciso matar as possibilidades.

Precisamos reagir a esse estado de coisas, de opressão e genocídio dos povos originários de nosso estado. Precisamos abraçar nossos parentes. Nesse momento é urgente a solidariedade de todas e todos comprometidos com a vida, a liberdade e os direitos inalienáveis à cidadania e à dignidade.

A Vale precisa ser responsabilizada pela vida daquelas pessoas, precisa garantir sua sobrevivência, dignidade e a qualidade de vida. É preciso compreender que nem sempre o que é bom para uns, o é para os demais. A água que hoje é servida a Aldeia dos Pataxós é tóxica para aqueles povos que ali habitam. É preciso buscar outras formas de atender as especificidades daqueles indígenas, devolvendo-lhes a dignidade que a lama da irresponsabilidade e ganância lhes tiraram.

Eles não querem a vida de pedintes, eles querem tirar da terra seu sustento, ter acesso a água com qualidade, querem poder expor e vender seus produtos artesanais. Por fim, eles querem e têm direito à cultura e às suas tradições.

Edição: Joana Tavares