Por Erivan Camelo

O Brasil e o mundo desde os primeiros dias de 2020 se depararam com a escalada do novo coronavírus, que logo se transformou em uma das crises sanitárias mais agudas da nossa história. Os mais afetados pela crise pandêmica infelizmente são e/ou serão aqueles mais destroçados pela economia e política neoliberal, a exemplo dos milhões de trabalhadores desempregados, outros milhões que vivem na informalidade, mais os milhares que estão sendo demitidos e outros que estão sendo obrigados a trabalharem na indústria mineral que simplesmente resolveu não parar.

Um exemplo disso é o Ceará, o terceiro Estado mais afetado pela pandemia da Covid-19, que conta com 823 casos confirmados e 24 óbitos. Segundo as autoridades de saúde o Ceará poderá ser um dos lugares da federação que deverá entrar na fase de aceleração desenfreada, atingindo seu pico de contágio nos próximos 10 dias e, por isso, merece atenção redobrada.

O primeiro decreto de emergência da saúde para conter a disseminação do novo coronavírus, feito pelo governo do Estado, data de 16 de março de 2020, na qual ficaram estabelecidos o cancelamento de eventos, aulas, aglomerações de pessoas, bem como o fechamento de comércios, exceto supermercados, farmácias e demais serviços considerados essenciais.

Mesmo com a narrativa do isolamento social para combater a pandemia nos decretos posteriores, o governo do Ceará editou um novo decreto (33519/2020), no dia 19 de março, incluindo as indústrias e empresas que funcionam ou fornecem bens para a Zona de Processamento de Exportação do Ceará (ZPE), o Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP) e o próprio Porto do Pecém na lista de atividades essenciais. Só a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP) da qual tem a empresa Vale S/A como parceira no fornecimento de minério de ferro, tem mais de 2.500 trabalhadores. Segundo a própria CSP, que diz que em tempos de coronavírus a vida deve estar em primeiro lugar, mantém aproximadamente 50% dos trabalhadores dentro da usina com rotinas de aglomeração na atividade, proporcionado riscos da transmissão do coronavírus.

VOTORANTIM
Mesmo com um lucro líquido de quase 600 milhões de reais e com receita líquida de 13 bilhões em 2019, a mineradora Votorantim Cimentos, que atua em vários países e que tem uma mina e um complexo industrial na cidade de Sobral (a cerca de 230 km da capital Fortaleza), também não parou com a pandemia. Segundo a empresa, todas as medidas sanitárias necessárias para preservar a vida dos seus funcionários estão sendo tomadas, mas a pergunta que fica é: e porque ainda não parou? Será que existe algo que possa dar cem por cento de segurança à vida dos trabalhadores e demais pessoas que moram no entorno da mina e do complexo industrial? Vale ressaltar que a usina de produção de cimento está localizada no bairro Vila União, com 7 mil habitantes, o mais populoso da cidade de Sobral.

MAIS IRRESPONSABILIDADE
No Município de Independência, a 310 km da capital, existe informações de moradores das comunidades Santa Luzia e Várzea do Toco que funcionários da empresa C. Fernando R. da Paz e Cia Ltda. realizaram pesquisa mineral e continuaram mantendo contato com as pessoas entre os dias 12 e 20 de março, data que já prevalecia o isolamento social decretado pelo governo estadual. Também na cidade de Ipaporanga (390 km de Fortaleza), a mineradora Zeus Mineração escolheu o mês de março, em plena pandemia mundial, para entrar na Justiça contra o território que, há dois anos, expulsou a empresa de suas propriedades.

Esses e outros casos que estão acontecendo em outros estados só demostram o caráter irresponsável e destrutivo da indústria da mineração. A justificativa das empresas, assim como de toda indústria mineral, está pautada no decreto estadual (33519/2020) de 19 de março e na emissão da portaria (135/2020) de 28 de março/2020, assinada pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que atendeu a demanda do capital mineral brasileiro mantendo como atividades essenciais o beneficiamento e processamento de bens minerais, a transformação mineral, a comercialização de produtos, o escoamento de produtos gerados na cadeia produtiva mineral, o transporte e a entrega de cargas da cadeia produtiva mineral.

Tal portaria vai na contramão do que vem orientando a Organização Mundial da Saúde (OMS), de paralisação de várias atividades econômicas e isolamento social, como já foi atendido em países como Malásia e Canadá, onde as mineradoras interromperam suas atividades para não causar mais contaminação entre os trabalhadores e as comunidades ao seu redor.

*Erivan Camelo é militante do MAM no Ceará.