Por Coletivo de Comunicação MAM-BA

Desde 2005, a população do Alto Sertão da Bahia, mais especificamente das cidades de Caetité, Pindaí e Guanambi, vive um dilema – quando foi anunciada a existência de minério de ferro na região. Por um lado, a atividade mineradora promete desenvolvimento e progresso, com grande número de empregos e elevada arrecadação para os municípios mineradores. Por outro lado, sabe-se o quão destrutiva pode ser a mineração, contaminando a água o solo, o ar, rebaixando o lençol freático e interrompendo diversas outras atividades econômicas.

Se isso já era um conflito evidente na região durante todos os últimos anos, as contradições e a urgência de respostas a respeito dos rumos que deve seguir a sociedade e seus projetos no pós-pandemia do novo coronavírus aprofundam esse dilema. No dia 5 de janeiro deste ano, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou que teria sido procurada pela China, no dia 31 de dezembro de 2019, com relatos a respeito de uma “(…) pneumonia, ainda sem causa, [que] tinha registrado 44 casos: 11 pacientes em estado grave, enquanto os 33 restantes estavam em condição estável.” Em 09 de janeiro, a OMS informou que o vírus em questão se tratava do Covid-19, o novo coronavírus. Com alto nível de contaminação, em 11 de março de 2020 a doença já estava presente em 114 países e a OMS declarou o novo coronavírus como pandemia global.

A reação dos governantes, em sua maioria, foi a de tomar medidas de isolamento com o objetivo de reduzir a propagação do vírus, mas o presidente do Brasil destacou-se pela postura contrária às orientações da OMS, colocando em risco toda nossa população. Jair Bolsonaro negou a gravidade do vírus, inclusive referindo-se ao Covid-19 como um “resfriadinho”, uma “gripezinha”, em um de seus pronunciamentos semanais, defendo a continuidade das atividades econômicas a todos custo. Como se não bastasse, quando se viu contrariado por governadores e pelo Ministério da Saúde, que mantiveram a orientação de isolamento social, o governo federal, via Ministério de Minas e Energia, definiu a mineração como atividade essencial à cadeia econômica.

O setor da mineração já registra, entre os 20 municípios com maior exploração mineral do país, 253 casos de coronavírus e 16 mortes (sete em Parauapebas, quatro em Marabá, e um óbito em cada um dos seguintes municípios: Canaã dos Carajás, Itabira, Belo Vale, Mariana e Paragominas), segundo levantamento divulgado no final do mês de abril. O setor aglomera centenas de trabalhadores em transportes, nas minas e locais de trabalho da atividade, potencializando não só a contaminação do novo coronavírus entre os seus funcionários como na dinâmica dos municípios em que está instalado.


RISCO IMINENTE
Para a população do Alto Sertão da Bahia, onde a extração ainda não começou a operar, há ainda outras preocupações. Embora o projeto Pedra de Ferro da BAMIN (Bahia Mineração) seja propagandeado como progresso e desenvolvimento, a pandemia do Covid-19 deixou evidente os limites para a atividade. Isso porque, assim como regra do setor, a BAMIN é uma empresa controlada por capital estrangeiro, e visa extrair 470 milhões de toneladas de minério de ferro no município de Caetité em 30 anos, vendendo esse bem natural para a China pagando baixíssimos impostos.

O Pedra de Ferro já mobilizou e continuará mobilizando uma diversidade de recursos, estruturas e matérias-primas. Compõem o empreendimento, além da mina, entre os municípios de Caetité e Pindaí, a barragem de rejeitos com pelo menos 719 hectares, a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) e o Porto Sul. Ademais, a empresa possui outorga para retirar 1.620.000 litros de água por hora do Rio São Francisco, e toda a energia utilizada pela empresa será fornecida pelo Parque Eólico da Ronova Energia. Ou seja, um alto volume de recursos é mobilizado para garantir o funcionamento de uma atividade que destinará todos os seus lucros para fora do país, concentrando em uma única atividade o que poderia ser potencializado em uma diversidade de iniciativas locais e na criação de outras, mais eficientes na geração de empregos e menos danosas à natureza, à vida dos trabalhadores e trabalhadoras e à comunidade em geral.

O projeto da BAMIN pode rebaixar o lençol freático em até 400 metros de profundidade. Se comparado à profundidade dos poços artesianos, comuns na região como forma de apoio a agricultura familiar, significará uma redução drástica na produção de alimentos durante a operação, aumentando, consequentemente, o desemprego e a dependência da atividade mineradora. O poder público e a empresa justificam os chamados “impactos inevitáveis” anunciando o aumento da arrecadação de impostos para os municípios, responsável por impulsionar o desenvolvimento e ampliar os investimentos em outras áreas, além da mineração.

Mas, como as experiências mineradoras contam por si só, a arrecadação é, por um lado, muito baixa se comparada aos danos provocados pela atividade, por outro, não há destinação para essa arrecadação, ficando sujeito ao critério da gestão pública o uso do recurso. A CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) taxa o minério de ferro em 2% a 3,5% do faturamento bruto, e não há obrigatoriedade de aplicação do recurso em área específica – saúde, educação, por exemplo.

POR UM OUTRO MODELO
Essa dinâmica do atual modelo de mineração no Brasil é um conflito irrenunciável, pois onde ela se instala enquanto megaprojeto, com minas enormes e alto volume em recursos, a sociedade deve abrir mão de suas atividade produtivas locais. A pandemia do novo coronavírus torna mais urgente a discussão sobre qual o desenvolvimento capaz de resolver os problemas do povo e preservar a natureza, garantindo o cuidado com os trabalhadores.

Seja pela forma de sua barragem, pela ocupação das terras camponesas nos municípios de Pindaí e Caetité ou a desapropriação de famílias quilombolas, toda a população do Alto Sertão baiano se vê em contradição com o empreendimento, tendo como desafio se organizar para a discussão a respeito do projeto de ferro. A grande questão, neste momento, põe em dúvida se o empreendimento é viável ou não. Se for viável, abrirá questões como: em que condições se dá sua viabilidade? Será possível mobilizar 1.620.000 litros de água do Rio São Francisco apenas para a extração de ferro? Quais consequências a médio e longo prazo? A extração deve se dar ao longo de 30 anos, retirando 20 mil toneladas anualmente? Para onde serão revertidos os impostos nos municípios?

O grande potencial dessa região encontra-se em serviços e na produção e comercialização de alimentos, atividades cujas realizações se dão em âmbito local e podem ser qualificadas e potencializadas a partir de investimentos públicos e apoio institucional. Há, pois, uma disputa velada por trás do discurso de desenvolvimento e progresso – de um lado, a mineração com todo seu modo destrutivo de operação, beneficiando acionistas estrangeiros e grupos políticos específicos, e de outro, as atividades produtivas locais, especialmente a agricultura familiar, capaz de garantir a segurança alimentar da população da região e o desenvolvimento regional com autonomia e participação popular.