O Japu
O Japu carrega mil sois nas tuas penas douradas

Canta as dores de muitos que pisaram nesta terra.
Quando o sol descansa, ele também descansa,
Encobre com teu manto negro os sonhos estéreis desse chão.
O Japu atravessa épocas, tempos de tudo e nada,
Sabe que os sonhos da noite é o sonho de poucos.
No teu primeiro canto,
Mil sois se levantam, utopias de vida se encontram,
Balançam juntas com árvores e o alimento.
As utopias de vida se encontram
Com os filhos e filhas do futuro.
As utopias de vida é o sonho de muitos que acordam para pintar o sol
O Japu canta sobre as árvores, sente e é o sol.

Ainda não é possível avaliar os impactos da pandemia causada pela Covid-19. Economistas do mundo inteiro apontam para um cenário de recessão sem precedentes na nossa história. Segundo a Organização das Nações Unidas a economia global poderá perder US$ 8,5 trilhões em produção nos próximos dois anos. Em consequência dessa hecatombe econômica 34,3 milhões de pessoas poderão ficar abaixo da linha da pobreza. Esse cenário desencadeará um deslocamento dos impactos do capital central para os países do capitalismo periférico, estes países terão maior dificuldade de enfrentar a crise abrindo ainda mais suas economias para multinacionais que pretendem obter lucros extraordinários saqueando os bens naturais para a sua base produtiva.

No Brasil temos um quadro devastador. De acordo com o Ministério da Economia o PIB, provavelmente, terá uma queda de -4,7% no presente ano. Segundo o Ministério da Economia, o custo da paralisação econômica semanal é de R$ 20 bilhões, e o esforço fiscal para combater o Covid-19 tem sido próximo de 5% do PIB. Para o DIESE a situação brasileira ficará ainda mais drástica, a queda do PIB ficará na margem dos 8,5%. O número de desocupados chegará a 4,4 milhões até o final do ano, chegaríamos assim a um montante de cerca de 17 milhões de trabalhadores e trabalhadoras desocupadas. No mais, aumentará o número de trabalhadores e trabalhadoras subocupadas e perda expressiva de renda.

Segundo o IBGE a Bahia tem 1,2 milhões de trabalhadores e trabalhadoras na informalidade. Em pesquisa de 2019 eram mais de 1 milhão de desempregados. A pandemia aprofundou uma crise econômica no nosso estado que tem na sua estrutura o setor de serviços. Setor que necessita de uma planta industrial pujante para manter-se firme sem deterioração dos postos de trabalho. Marcio Pochmann aponta que a Bahia teve uma diminuição 2,2 % referente à média nacional no setor da indústria de transformação entre 2002 e 2015, os desafios apontados na Comemoração de 40 anos do Polo Industrial de Camaçari na Bahia em maio de 2018 demonstram que a problemática continua – falta de investimento em tecnologia e inovação, logística e a dificuldade de competir com outros países foram apontadas como questões centrais. Diante deste cenário o projeto de desenvolvimento do estado da Bahia fica cada vez mais a mercê das frações de classe que articulam os interesses das multinacionais internacionais. Fortalecendo o saque dos nossos bens naturais em nome de efêmeros empregos que surgem na construção logística dos projetos de mineração, agronegócio e energia.

A crise de desenvolvimento do estado da Bahia aprofunda e é aprofundada pela crise de destino que enfrenta a região cacaueira. Da última quadra do século XX para cá a região vem sofrendo uma transformação na sua estrutura econômica passando do setor agroexportador para setor de serviços. Se analisarmos os PIBs, entre 1999 e 2012, de cidades como Itabuna, Ilhéus, Ipiaú, Gandu e Camacan veremos que o setor de serviços foi o maior responsável pela produção de capital e o que concentra a maior parcela da população economicamente ativa ocupada em alguma atividade econômica em empregos formais ou informais. Em todos os casos a administração pública é quem garante o fortalecimento do setor.

A crise de desenvolvimento é apenas mais sintoma da ausência de um projeto político popular que fortaleça a região. Enquanto não enfrentarmos esse problema utilizando nossas potencialidades continuaremos a mercê de um setor de serviços condicionado majoritariamente a políticas associadas as multinacionais e dos cabides de emprego da administração pública.   Tal caracterização continuará empurrando os trabalhadores e trabalhadoras da região cacaueira para o subemprego, a terceirização e a informalidade.

Se relacionarmos esses cenários numa totalidade veremos que as dificuldades não são poucas. Quais caminhos seguir? Responder essa pergunta em um momento de crise como este é muito importante porque nos obriga a analisar os desafios econômicos, políticos, sociais e ambientais para a nossa região. Concomitantemente nos deixa em alerta para sabermos identificar as armadilhas que se apresentarão como um presente de grego.

A Frente Política que governa a Bahia nos últimos 10 anos acredita que é possível enfrentar as consequências da crise mundial, o desemprego sistemático, a guerra fiscal entre os estados e a união fortalecendo a mineração. Apostam que o crescimento do setor mineral na Bahia gerará superávit, fortalecerá a integração entre as regiões e gerará empregos diretos e indiretos. Parecem desconhecer a natureza destrutiva desse setor e as suas características econômicas.

O pesquisador Tadzio Peters Coelho bem nos descreve essa natureza do setor mineral no Brasil. Segundo o pesquisador o modelo de mineração gera um fenômeno econômico e social denominado mineriodependencia tal fenômeno é altamente destrutivo para as economias regionais: “Esta relação de subordinação faz com que as decisões sobre o que ocorrerá na estrutura produtiva local sejam tomadas em centros políticos externos, tanto empresas multinacionais mineradoras e/ou mercados de commodities minerais, como centros consumidores dentro de um mesmo país ou a demanda internacional, sem se considerar, ou considerando de maneira periférica, os interesses de trabalhadores do setor e dos moradores das regiões mineradas”.

Diante desse cenário temos consequências graves: 1- A minério-dependência acarreta subordinação frente a mercados globais de commodities. 2- A Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) é refém das mudanças que acontecem no mercado internacional, da inadimplência das empresas e sem nenhum acompanhamento da sociedade civil. 3- Os postos de trabalho podem ser fechados de acordo com as quedas dos preços nos mercados globais, deixando as regiões a mercê das movimentações e inconstâncias do mercado financeiro. 4- A dependência econômica gera dependência política, os interesses locais são resolvidos em reuniões com CEOs de empresas, lobistas internacionais, financiamento de eleições, etc. 5- A dependência também é social, segundo Coelho: “A concentração dos empregos formais locais no setor extrativo mineral e os níveis salariais acima da média regional, por se tratar de modo geral de regiões com baixo nível de renda, compelem a população a desejar um posto de trabalho no setor, mesmo que os postos ocupados por esta mão de obra local, nos setores de limpeza, construção e manutenção, apresentem piores condições de trabalho, menores salários e menor necessidade de qualificação. Junto a isso, a arrecadação municipal também se concentra na atividade mineradora, levando a administração municipal a depender do ritmo de extração da mineração.”. Quando tratamos de mineração estamos considerando toda a logística, a saber: ferrovias, rodovias, hidroelétricas, hidrovias, barragens, portos e etc.

A Região Cacaueira é riquíssima e tem potencialidades para sair da crise sem cair na dependência econômica e social do setor mineral de grande porte. A agricultura, a pesca, o turismo, o setor da educação e saúde articuladas com indústrias regionais integradas garantiriam o fortalecimento da reprodução do capital aqui na região. O melhoramento da rede interna de transportes permitiria fortalecer a relação com o comercio. Desta maneira a cacauicultura, com base no sistema cabruca, e o setor de serviços complementar-se-iam e teriam um arsenal de possibilidades para responder as crises internacionais.

A minério dependência destruirá todas essas possibilidades, não podemos cair na escolha fácil e atender aos interesses de uma minoria em detrimento da maioria. Devemos nos antecipar a esse processo e qualificar a região cacaueira como área livre de mineração. Esse movimento só é possível com um amplo debate com a nossa sociedade. Que modelo de desenvolvimento queremos para a nossa região? Um modelo baseado na venda de commodites que em nada fortalece o mercado interno, que gera caos social, que destrói a natureza ou um modelo de desenvolvimento que fortaleça o turismo, a pesca, gere emprego, fortaleça o setor de serviços, agregue valor ao Cacau, fortaleça a agricultura familiar dentro dos pressupostos duma ecologia integrada?


* Poema de Magno Luis da Costa

Comunicação MAM-BA
Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM.