O setor mineral neste momento comemora os lucros exorbitantes obtidos em meio a uma crise sanitária e um genocídio

Amanda Fabricia Leão Mota e Adonias Ribeiro da Silva
Publicado em Brasil de Fato | Recife (PE) | 20 de Agosto de 2020 às 20:01

A crise do coronavírus continua em alarmante ascensão no Brasil – já são mais de 100 mil mortos e 3,4 milhões de infectados pela covid-19. Os reflexos da pandemia na dinâmica social estão evidentes na superlotação do sistema de saúde e no aprofundamento da crise econômica. Neste momento, cientistas de vários países dizem estar próximos de uma vacina, porém muitas dessas pesquisas ainda precisam de fases de testes, o que deixa a população mundial sem muitas perspectivas concretas, a curto prazo, e convivendo com um sofrimento da incerteza diariamente.

Na contramão da defesa da vida, o setor mineral brasileiro segue sua marcha de exploração dos trabalhadores e trabalhadoras e da natureza. Apoiadas pelo governo Bolsonaro – que incluiu a mineração como “atividade essencial” por meio da publicação do Decreto nº 10.329, em 28 de abril 2020 – as empresas de mineração não paralisaram e nem mesmo flexibilizaram suas atividades, ignorando a  recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e dos especialistas em epidemiologia de que a prioridade é garantir o distanciamento social e evitar aglomerações.

Em plena crise sanitária, diversas famílias de trabalhadores do setor e das populações localizadas nos arredores das minas estão sendo expostas a graves riscos de contaminação, tanto pela possibilidade de contraírem o vírus, quanto pelos impactos à saúde gerados pela atividade. Dessa forma, tratar a atividade mineral como essencial, em meio a uma pandemia, tirando o direito ao isolamento social dessa categoria sem ao menos uma consulta e/ou diálogo democrático, impondo que estes se aglomerem e elevem os riscos para seus familiares e comunidades é uma medida  irresponsável e criminosa.

Ao longo do avanço e da interiorização da pandemia do coronavírus, a problemática da continuidade das atividades minerárias chega também ao Araripe, localizada na mesorregião do Sertão de Pernambuco. A região compreende os municípios de Araripina, Bodocó, Exu, Granito, Ipubi, Moreilândia, Ouricuri, Santa Cruz, Santa Filomena e Trindade. O estado de Pernambuco é considerado o maior produtor de gesso do Brasil, com mais de 90% da produção nacional, com grande concentração no Polo Gesseiro do Araripe, abrangendo os municípios de Trindade, Araripina, Bodocó, Ipubi e Ouricuri.

Os primeiros casos confirmados da covid-19 na região foram registrados no dia 13 de maio no município de Ipubi. No dia 17 de julho, foram contabilizados 1.179 casos confirmados e 45 óbitos. Nessa semana, o número saltou para mais de 2.907 casos no Sertão, com maior incidências de casos confirmados e óbitos nos municípios minerados.


Casos de Covid-19 registrados no Sertão do Araripe-PE até o dia 03 de agosto de 2020 / Reprodução

Dessa forma, é preocupante o aumento de casos confirmados nos municípios em que existe a atividade minerária de gesso. Tal atividade, além dos graves problemas ambientais, gera efeitos na saúde da população dos arredores e principalmente de quem trabalha no polo e seus familiares.

Nesse sentido, fica a pergunta: há condições sanitárias suficientes como água potável, materiais de uso pessoal, local para higienização adequado, EPIs, dentre outras para manter a atividade produtiva de gesso, em tempos de pandemia, sem colocar em risco a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras? Até onde a atividade gesseira é essencial neste momento? O objetivo e quantidade da produção gesseira é para responder os problemas fundamentais que está inserido o povo brasileiro neste momento histórico?

O setor mineral neste momento comemora os lucros exorbitantes obtidos em meio a uma crise sanitária e genocídio humano. Em contrapartida nossa política fiscal estimula o saque, como o caso da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) entre as menores alíquotas comparado com outros países minerados e mineradores, associado a Lei Kandir enquanto instrumento de legalização do roubo das nossas riquezas, quando isenta as mineradoras de  qualquer Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Na mineração, empresas superam seus lucros a cada ano, mesmo durante uma pandemia, com uma porcentagem cobrada pela CFEM que é considerada muito baixa, não chegando a 3% do lucro líquido das empresas que extraem no Araripe, o que explicita a necessidade de um debate democrático com a população, de popularização da CFEM e extinção da Lei Kandir.

No entanto observamos as empresas aumentarem seus lucros em meio a pandemia, enquanto o desemprego é crescente por não haver diversificação econômica em regiões de minério-dependência, como no Sertão do Araripe.

A indústria extrativa da mineração, para esconder a sua face perversa e trágica da história segue com ações de mídia e de propaganda para criar uma imagem de que se importam com a saúde da população e que têm responsabilidade social, porém os dados falam por si só. Nos territórios minerados existe uma intensificação de contaminação e mortes, como  acontece no Sertão do Araripe.

Enquanto corporações, empresas internacionais e o governo comemoram os bons números sobre vidas ceifadas pelo lucro, trabalhadores e trabalhadoras da mineração são expostos à péssimas condições de trabalho. Vivenciamos diariamente a expansão da mineração e, logo ao seu lado, a contaminação do coronavírus nas populações mais pobres que vivem nos municípios minerados, que consequentemente expõem as contradições do setor aumentando os conflitos nos territórios.


Valores de arrecadação da CFEM no Sertão do Araripe nos meses de janeiro a julho de 2020 / Divulgação/CFEM

Na tabela acima é possível verificar que os dados fornecidos pela Agência Nacional de Mineração (ANM) estão incompletos, o que deixa várias dúvidas e questionamentos: nos meses em que não estão apresentados os valores, não houve arrecadação ou extração? Os valores arrecadados nesses meses não foram lançados pelas prefeituras? Como é possível não haver valores de arrecadação se a mineração segue avançando com sua atividade?

Preocupa ainda o fato do município de Trindade não ter registro de atividade minerária, não apresentar arrecadação em 2020 e nem mesmo em anos anteriores, apesar de ser impactado de várias formas pela mineração. Com a manutenção da mineração na região ocorre a circulação de máquinas e caminhões; poeira; fortes explosões nas divisas com outros municípios minerados e a aglomeração de trabalhadores e trabalhadoras e da população que consequentemente leva o município a ser um dos mais afetados pela covid-19.

Com as contradições do capital mineral e as disputas capital x natureza, em uma sociedade globalizada e marcada pela violência, corrupção e o saque dos bens naturais e da vida, se faz urgente e necessário um debate do problema mineral de forma coletiva, popular e democrática. Os objetivos da construção de uma soberania popular na mineração, tendo como protagonista o interesse do povo brasileiro, são os caminhos de luta que devem ser percorridos e as utopias coletivas a serem alcançadas.

*Amanda e Adonias são militantes do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) em Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga

Extraído de: https://www.brasildefatope.com.br/2020/08/20/artigo-mineracao-e-contagio-por-covid-19-em-pernambuco