As organizações assinantes desta carta vem a público manifestar-se contra o início do projeto da Bahia Mineração (BAMIN) na Mina Pedra de Ferro. A empresa possui várias pendências com a população da região e, inclusive, com o Ministério Público, além de pretender iniciar atividade em um período de pandemia mundial e sem diálogo algum com a população no sentido de resolver antigos problemas e apresentar novos impactos.

A projeção da BAMIN é de iniciar em novembro do presente ano a exploração do minério de ferro no município de Caetité, produzindo 800 mil toneladas em um ano. Com as obras da ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) inconclusas, a empresa pretende escoar a produção através de caminhões até o terminal de transbordo em Licínio de Almeida, onde o minério será transportado pela ferrovia Centro Atlântica (FCA) e depois por caminhões, até o porto da Enseada, em Maragogipe. O problema é que a BAMIN anuncia essa nova forma de exploração como se não houvessem problemas pendentes na região.

A Bahia Mineração foi formada em 2006 após a descoberta, em 2005, da mina Pedra de Ferro. Desde de que chegou na região a empresa provocou diversos conflitos com a população e causou uma série de problemas em torno do acesso à terra, à água e em relação à segurança de seus empreendimentos. Já em 2008, a empresa iniciou um processo de desapropriação de 18 famílias (52 pessoas), nas comunidades de Antas e Palmito, nos municípios de Caetité e Pindaí, cuja ação foi efetuada de maneira inadequada, pois não considerou o direito de povos tradicionais dessas famílias que passavam por um processo de reconhecimento oficial enquanto quilombolas, processo que foi interrompido com o início da desapropriação.

Essas famílias, além do já exposto, ficaram em situação de miserabilidade após a saída de suas terras, pois a empresa Bahia Mineração não cumpriu as condicionantes contidas no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), indicando a realocação das famílias para área igual ou melhor que o local onde viviam antes, além de assistência técnica para produção agrícola, assistências de enfermagem e psicológica, além de materiais de trabalhado agrícola, como irrigação, ferramentas, sementes, entre outras obrigações registradas nas condicionantes. Porém, até hoje não foram cumpridas.

Além disso, a BAMIN adquiriu de forma duvidosa o local onde pretende construir a barragem de rejeitos, pois se trata de uma área pública, historicamente utilizada pela população do entorno para soltar gado nos períodos de estiagem, como também para coleta de cascas e folhas de plantas medicinais e de frutos nativos, constituindo-se numa atividade decisiva para a economia local e sobrevivência das famílias. Apesar da BAMIN ter cercado mais de 700 hectares somente para barragem de rejeitos, os moradores testemunham que a empresa adquiriu apenas uma pequena área de uma única pessoa, mesmo as terras sendo coletivas.

A região vinha passando por um processo de reconhecimento enquanto comunidade tradicional de Fecho de Pasto, acompanhadas pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (SEPROMI) que, de forma omissa, enquanto órgão de Estado, não fez o reconhecimento do território e, posteriormente, a Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA) não concluiu o processo de regularização fundiária.

Ressalte-se também que a área é rica em nascentes e possui um riacho, do qual mais de mil famílias dependem diretamente e, nos períodos de estiagem, cerca de três mil famílias são abastecidas dessas fontes, inclusive em carros pipas. Como a barragem de rejeitos está projetada para ocupar o espaço onde há essas nascentes e o riacho, toda essa população terá sua água ameaçada, caso o projeto se concretize.

Desde 2010, a população resiste à essa tentativa de construção de barragem de rejeitos sobre as fontes de água. O próprio Ministério Público, após as comunidades manifestarem-se diante do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) para questionar as licenças concedidas à empresa pelo órgão, recomendou à BAMIN a não construção da barragem de rejeitos no local e a suspensão de qualquer atividade na Área de Preservação Permanente (APP) que formam as nascentes do Riacho Pedra de Ferro. O Ministério Público ainda exigiu novo EIA/RIMA da empresa e visita técnica do INEMA.

Um estudo da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), juntamente com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Caetité, identificou uma série de irregularidades no EIA/RIMA da BAMIN, apresentado ao INEMA para receber as licenças. A mineradora omitiu a existência da maior parte das nascentes do riacho Pedra de Ferro e fraudou a informação sobre o papel da fonte de água para a população, afirmando existir apenas três famílias dependentes da água, quando na verdade, entre usuários diretos e indiretos, o número chega a três mil. Além disso, a BAMIN excluiu do relatório famílias da zona de impacto, que serão, na realidade, atingidas pela empresa. Isso motivou o MP a emitir uma recomendação à BAMIN para apresentar novo estudo, que até hoje não foi feito.

Ademais, com o anúncio de uma nova forma de exploração do minério, utilizando nova rota de escoamento, colocará outras áreas e pessoas na zona de risco e impacto do projeto, porém, sem apresentar novos estudos deste impacto e sem resolver os problemas já pendentes com a população do entorno do projeto Pedra de Ferro. Acrescente-se ainda que a empresa visa operar em meio a pandemia mundial do novo coronavírus.

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou estado de pandemia da infecção pelo coronavírus, tendo em vista o crescimento exponencial de casos de contaminação em um curto espaço de tempo. Atualmente, mais de 4.162.073 pessoas foram ou estão contaminadas pelo coronavírus e 127.464 pessoas no Brasil perderam suas vidas. Na Bahia, de acordo com dados da Secretaria da Saúde do Estado (SESAB), 272.814 casos foram confirmados e 5.734 pessoas perderam suas vidas em decorrência da Covid-19.

Neste sentido, dada à gravidade da crise sanitária, órgãos internacionais, estatais, organizações e toda a sociedade estão empenhados no combate e, sobretudo, em implementar meios de prevenção ao coronavírus. Medidas excepcionais e emergenciais – como a decretação de lockdown, o fechamento de fronteiras, a interrupção de transportes intermunicipais, a paralisação de aulas, entre outras – têm sido adotadas pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário visando garantir o direito ao isolamento social, principal forma de prevenção ao coronavírus, e controlar o avanço da contaminação. Portanto, o início de uma atividade mineradora pela BAMIN, no Projeto Pedra de Ferro, pode colocar em maior risco de contaminação a população local e os trabalhadores.

Por fim, saliente-se, as organizações assinantes desta carta defendem que a população tenha acesso ao trabalho, renda e à dignidade humana. Para isso, defendem a criação e o investimento em políticas para auxiliar a produção agrícola familiar, para reservas de água da chuva, considerando a condição semiárida do território, potencializando as atividades econômicas já existentes. Na contramão desse caminho, a mineração utiliza exagerada quantidade de água, polui o ar, o solo, a água – em síntese, inviabiliza as atividades econômicas já existentes nos territórios, além de submeter os trabalhadores a péssimas condições de trabalho, sujeitando-os a acidentes ou a obtenção de doenças de longo prazo, ou seja, pulmonares, de coluna, e toda sorte de desgaste físico e psicológico.

 

Em vista disso, manifestamos desacordo com o início da operação da BAMIN, e exigimos:

  • A resolução, antes de qualquer nova atividade da empresa, de todas as condicionantes e pendências com as famílias já atingidas;
  • Exigimos a apresentação de um novo estudo de impacto ambiental, que seja amplamente apresentado e debatido com a população, e que leve em consideração os novos sujeitos na rota de impacto do empreendimento, principalmente na rota de escoamento, tudo isso antes do início de qualquer operação;
  • Exigimos que o Estado, por intermédio da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (SEPROMI), reconheça a comunidade de João Barroca entre outras na área do empreendimento como comunidade tradicional de Fecho de Pasto;
  • Por último, exigimos a não realização de qualquer ação antes do fim da pandemia da Covid-19, de maneira a possibilitar a ampla participação popular e evitar os riscos de contaminação.

 

ASSINAM ESSA CARTA:
Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM)

Comissão Pastoral da Terra – Equipe Sul Sudoeste da Bahia (CPT- Sul Sudoeste)

Cáritas Diocesana de Caetité


Associação dos Pequenos Agricultores do Taquaril dos Fialhos (ASPAT)


Associação do Pequenos Agricultores da Comunidade da Cachoeira e Recanto (APACR)


ONG Prisma


Levante Popular da Juventude


Consulta Popular

Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Guanambi

Polo Sindical da Região de Guanambi