Por Coletivo de Comunicação do MAM Nacional

Mais uma redução orçamentária anunciada esta semana pelo governo Bolsonaro põe em risco funções básicas da Agência Nacional de Mineração (ANM), entre elas, a de fiscalização da situação de barragens aqui no país. O corte foi anunciado pelo Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2021, que irá destinar R$61,4 milhões para a ANM, recurso 8,9% menor que o destinado em 2020, que foi de R$67,5 milhões. Segundo afirmou o diretor-geral da ANM, Victor Bicca, o orçamento necessário para o desempenho adequado das atividades da agência, que surgiu em 2017, é de R$ 155 milhões, revelando a então insuficiência de recursos destinados ao principal órgão regulador da atividade minerária no país.

As falhas de fiscalização da ANM são agravadas pela falta de servidores e de infraestrutura para o desempenho de suas funções. “Lembro de uma nota da Associação dos Servidores da ANM, logo após o rompimento da barragem B1 em Brumadinho, que dizia que enquanto outros órgãos tinham até helicópteros para deslocar de Belo Horizonte para o local onde funcionava a mina Córrego do Feijão, a agência reguladora do nosso país levou até três dias após o rompimento para conseguir carro e gasolina”, conta Marta de Freitas, da coordenação nacional do MAM.

Segundo último relatório divulgado em abril deste ano, 47 barragens haviam sido interditadas pela ANM por falta da Declaração de Condição de Estabilidade (DCE), isso porque o regime que é adotado pela agência já é o da autodeclaração, ou seja, são as próprias mineradoras que contratam empresas para conceder essa declaração, o que inviabiliza a transparência de todo o processo. “Com uma legislação que continua a aceitar a autodeclaração de conformidade das barragens, sem uma auditoria independente e, com a falta de recursos anunciada para fiscalizar, o risco de rompimento dessas estruturas é quase uma certeza, tendo em vista as ações criminosas dessas mineradoras, que visam garantir o lucro acima da vida”, aponta Freitas.

Isso porque, segundo dados que constam em documentos e relatórios dos órgãos de fiscalização e do Ministério Público Federal e de Minas Gerais, as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton sabiam desde 2013 que a barragem de Fundão, em Mariana, poderia romper a qualquer momento, fato ocorrido em 05 de novembro de 2015. Além disso, documentos e relatórios desses mesmos órgãos e das Comissões Parlamentares de Inquéritos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e da Câmara Federal mostram que a Vale sabia que a barragem B1, na mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, estava com graves falhas de operação e que poderia vir a romper desde 2018, o que aconteceu mais uma vez de maneira criminosa em 25 de janeiro de 2019.

A Lei 13575/2017 traz as atribuições da ANM. Entre elas, no artigo 11, está o de “fiscalizar a atividade de mineração, podendo realizar vistorias, notificar, autuar infratores, adotar medidas acautelatórias como de interdição e paralisação, impor as sanções cabíveis, firmar termo de ajustamento de conduta, constituir e cobrar os créditos delas decorrentes, bem como comunicar aos órgãos competentes a eventual ocorrência de infração, quando for o caso”.

“Infelizmente a ANM é uma espécie de ‘caixa-preta’, ela está sofrendo uma série de mudanças de protocolos e de formas de atuação. Existem consultas pública virtuais, onde as pessoas, quando informadas, podem até enviar alguma contribuição. Mas como não há um debate transparente com a sociedade, não ficam claros os critérios de escolha das sugestões, nem como as decisões são tomadas. A própria ANM reconhece que ela não está realizando atividades como deveria”, conta Bruno Milanez, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Além deste ponto, está a criminosa prática do garimpo ilegal aqui no Brasil, que vai desde a compra de notas fiscais de uma empresa autorizada a explorar minérios no estado até “esquentar” esse ouro extraído ilegalmente, permitindo que ele seja vendido a preço de mercado, mais alto que o clandestino.

“O garimpo ilegal é uma realidade. Várias fraudes envolvem a mineração de ouro, por exemplo, como no estado de Roraima, no caso da exportação dos 194 kg de ouro para a Índia, noticiado em julho de 2019, sem ter nenhuma mina operando legalmente por lá. A ANM é responsável, deveria ter um desenho da capacidade histórica de cada mina, e a partir de qual mudança desse proceder deveria ser informada à Polícia Federal. Com uma agência precarizada, que já está aquém da sua capacidade, fica ainda mais difícil de controlar a evolução do garimpo ilegal na Amazônia brasileira, por exemplo”, pontua Milanez.

 

Conceição do Mato Dentro (MG) | Foto: Marcelo Cruz

Conceição do Mato Dentro (MG) | Foto: Marcelo Cruz


PLANO LAVRA
O Ministério de Minas e Energia lançou, no início deste ano, um conjunto de medidas e alterações normativas que desregulamentam a política nacional de mineração e aceleram os processos minerários para a implementação de novos empreendimentos. Entre as inúmeras medidas contidas no Plano Lavra do governo Bolsonaro, uma delas é a de permitir o processo de licenciamento ambiental concomitante à solicitação da Guia de Utilização, dando celeridade à aprovação de projetos minerários.

“A Agência permitir que a licença ambiental siga junto da guia de utilização é a legalização da irregularidade. O programa do governo é expandir, de forma rápida, a mineração no território nacional enfraquecendo os órgãos de controle e fiscalização do setor”, pontua Cláudio Scliar, professor aposentado de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-secretário nacional de mineração.

O processo de concessão de uma lavra, ato administrativo que concede o direito de aproveitamento de uma jazida, inicia ainda na pesquisa mineral e, nessa fase, pode ser solicitada um Guia de Utilização para sua extração. É muito comum a prática irregular de, ainda na fase da pesquisa mineral, empresas mineradoras extraírem como se fosse uma lavra já aprovada, realizando a retirada e a comercialização ilegal de minérios.

“O Plano já vem no espírito de simplificação da capacidade de atuação da agência, focado na redução do trabalho e em tornar os processos minerários mais céleres. O contexto de restrição de orçamento aumenta a pressão por essa simplificação. Numa leitura de redução de despesas, a pressão para diminuir o papel enquanto agência e fragilizar o controle, temos uma convergência do ideário do Plano Lavra, que é o de um estado mínimo, que não intervém em nada, junto a um estado pobre e miserável para exercer esse controle. A tendência é você ter cada vez menos regulação sobre o setor, e isso é uma combinação bem perigosa”, conclui Milanez.

A Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (AMIG) divulgou uma nota esta semana a respeito do assunto, alertando para o fato de que além de ferir a nova Lei dos Royalties do Minério de 2017 — por admitir contingenciamento dos 7% de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) que deveriam ser destinados à ANM–, o corte orçamentário coloca em risco a vida de milhares de pessoas que ficam sujeitas aos riscos da mineração sem fiscalização.

Além da AMIG, diversas organizações populares, pastorais e sindicais repudiam o corte orçamentário na ANM e exigem o alocamento de, no mínimo, o valor de 7% da renda recolhida nas contribuições do CFEM conforme exige a legislação federal.