Com o apoio de ANAB, CASEC, PSOL e PT, ação reivindica escuta e reparação integral dos danos na bacia do rio Paraopeba
Nesta quarta-feira (10), comunidades atingidas pelo crime socioambiental da Vale em Brumadinho acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo a suspensão da homologação do acordo de reparação celebrado na última semana entre a empresa e o governo de Minas Gerais. O documento tem o apoio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e é assinado por um conjunto de entidades, partidos e parlamentares: Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (ANAB), Centro de Alternativas Socioeconômicas do Cerrado (CASEC), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido dos Trabalhadores (PT), deputada federal Áurea Carolina (PSOL/MG), deputado federal Rogério Correia (PT/MG) e deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT/MG).
Trata-se de uma Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF), ação passível de análise pelo Supremo em casos de violação da Constituição Federal. O grupo reivindica o direito das pessoas atingidas de participar, de modo direto e em igualdade de condições, das negociações sobre a reparação dos danos socioambientais e socioeconômicos decorrentes do rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho.
Reparação sem escuta às vítimas
Em negociação desde outubro de 2020, o acordo de reparação foi discutido sob sigilo, em audiências confidenciais entre a Vale, o governo de Minas Gerais e as instituições de justiça do estado. Embora tenham se organizado junto às Assessorias Técnicas Independentes e produzido documentos como a Matriz de Reparação de Danos Urgentes, as pessoas atingidas foram impedidas de participar do processo e só tiveram acesso aos termos após a assinatura, celebrada na última quinta-feira (4).
A ação destaca ainda a violação da Convenção nº. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, que determina que povos e comunidades sejam consultados em relação a qualquer projeto que afete seus modos de vida. O rompimento da barragem gerou impactos para povos indígenas na Bacia do Paraopeba, além de comunidades quilombolas, pescadores artesanais, agricultores familiares, coletivos tradicionais de extrativistas, geraizeiros, benzedeiras e povos ciganos, todos excluídos dos processos de negociação.
De acordo com Joceli Andrioli, da direção do MAB, “é um absurdo que após um crime que matou 272 pessoas, destruiu modos de vida de milhares de pessoas e deixou comunidades sem água e em um profundo processo de adoecimento, um acordo seja realizado sem a participação dos atingidos”. Joceli explica ainda que “nos recursos previstos no acordo deve ser garantido ações emergenciais pelos próximos quatro anos, no mínimo, além da reparação integral da vida de todos os atingidos, isso só é possível com a participação livre e informada dos atingidos”, completa.
Termos do acordo
A partir de dados produzidos em estudos técnicos, a ADPF demonstra que o valor de R$37,6 bilhões é insuficiente para assegurar o financiamento de todas as medidas de reparação. Estudos técnicos produzidos pela Fundação João Pinheiro e pelo Ministério Público de Minas Gerais estabeleceram o valor de R$54,6 bilhões, apresentado pelo governo do estado em audiências preliminares. Descontado o que já foi desembolsado pela Vale em ações emergenciais, que foi incluído no acordo, a cifra acordada não chega à metade desse valor.
Entidades que apoiam as famílias atingidas fizeram um levantamento de sete pontos centrais que são prejudiciais para as comunidades impactadas pela tragédia:
- Não houve participação das comunidades atingidas na construção do acordo;
- Os valores previstos para os atingidos são bem menores do que o que será destinado ao Estado. Apenas R$7,4 bilhões do acordo serão direcionados para os atingidos em toda a bacia do Paraopeba.
- O dinheiro previsto para ações emergenciais e distribuição de renda não é suficiente para apoiar todas as comunidades atingidas pelos quatro anos propostos.
- O auxílio emergencial pendente, negado para mais de 20 mil atingidos, não foi incluído no acordo.
- O valor do acordo inclui R$1,7 bilhão que já foi pago em ações emergenciais.
6. A maior parte do dinheiro que será destinado ao Estado não será investida na região atingida, mas em obras de infraestrutura viária, como a construção do Rodoanel e do Metrô na capital. - Ao fim das negociações, a Vale teve um desconto de quase R$20 bilhões em relação ao que havia sido previsto.
Para integrantes do MAM, a conclusão do acordo concilia o interesse da Vale em manter uma boa imagem das pretensões eleitorais do governador do estado. “A preocupação da Vale é muito maior em dar respostas aos acionistas do que em reparar os danos em Brumadinho ou socorrer as comunidades atingidas”, avalia Marcelo Barbosa, coordenador regional do MAM e morador de Brumadinho. “Com essa entrada de recursos, Zema poderá fazer uma série de obras de infraestrutura no estado, a maioria em BH, já pensando num possível pleito eleitoral”, completa.
Extinção de perícias – risco ao devido mapeamento dos danos
Conforme a minuta de acordo divulgada, verifica-se que foram extintas a maior parte das perícias judiciais da UFMG, que tinham como objetivo mapear os danos ambientais à bacia e às comunidades atingidas. Foi definido, ainda, que o mapeamento dos danos e das ações de reparação ambiental serão definidos somente pelo plano de reparação integral, elaborado por uma empresa privada contratada diretamente pela Vale S/A (Arcadis). Essa situação é extremamente preocupante, pois o mapeamento dos danos que, inicialmente, seria feito por uma entidade acadêmica e independente, passará a ser feito por uma empresa privada contratada pela Vale. Entendemos que isso poderá gerar prejuízos irreparáveis ao meio ambiente e à bacia do Rio Paraopeba.
Reivindicações da ADPF
Em linhas gerais, a ação apresentada ao STF pode ser resumida em três pontos-chave:
1) Cassação da homologação do acordo, para que seja viabilizada a participação livre e informada dos atingidos, respeitando:
– Garantia mínima de implementação dos direitos já previstos no acordo pactuado entre a Vale e o Estado de Minas Gerais que tenham sido destinados diretamente aos atingidos, bem como manutenção do sistema de governança já estabelecido;
– Possibilidade de incidência dos atingidos em todas as partes do acordo, incluindo a destinação e a repartição dos recursos;
– Manutenção do pagamento do auxílio emergencial às famílias enquanto durar o procedimento de consulta;
– Publicidade e transparência nos atos judiciais e administrativos durante toda a negociação dos termos do acordo;
– Legislação estadual que autorize a homologação do acordo.
2) Fixação, pelo STF, de critérios mínimos para o exercício da participação dos atingidos na elaboração do acordo.
3) Apreciação da ADPF com prioridade pelo Plenário do STF.
Repercussão institucional
Os deputados federais Áurea Carolina (PSOL/MG) e Rogério Correia (PT/MG), que integram a Comissão Externa criada na Câmara dos Deputados para acompanhar as negociações, reforçam que não são contrários à celebração de um acordo, mas ao autoritarismo na condução do processo. “Nesses dois anos, acompanhamos processos de adoecimento e morte decorrentes dessa tragédia criminosa. Desconsiderar as pessoas atingidas é seguir submetendo essas famílias a violações de direitos”, Áurea argumenta.
Rogério afirma que não há condescendência, já que a Vale é responsável pelos crimes em Mariana e em Brumadinho. “Na verdade não se trata de um acordo e sim da obrigação de pagar. A Vale está oferecendo muito menos do que deve a Minas Gerais e especialmente aos atingidos pelas barragens”, criticou. O deputado faz coro às expectativas dos atingidos pela ampliação do acordo, conforme reivindicado pelas comunidades impactadas pela tragédia.
A deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT/MG), titular da CPI da Assembleia de Minas que apurou o rompimento da barragem, denúncia que a empresa segue violando direitos em outras cidades do estado: “Estive em Citrolândia (Betim), Mário Campos e Juatuba e a Vale continua com seus crimes. Há comunidades que tiveram seus modos de vida totalmente destruídos”. Ela reforça que o acordo não pode passar por cima da dor das pessoas para virar plataforma eleitoral. Os parlamentares apoiam a iniciativa para que as famílias atingidas sejam protagonistas nesse processo.
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