Nas últimas semanas circulou pelas redes sociais e também através de um portal jornalístico local, notícias fazendo apologia sobre atividades mineradoras, em especial de uma empresa que pretende se instalar na região de São Raimundo Nonato e nos municípios vizinhos de Dirceu Arcoverde, São Lourenço, Bonfim do Piauí e Fartura do Piauí.
A matéria veiculada no portal, que não é assinada por ninguém, busca através de argumentos frágeis e que não se sustentam diante de uma rápida pesquisa, convencer aos leitores de que “a mineração colabora para o desenvolvimento da região da Serra da Capivara”.
A primeira análise a ser feita sobre essa matéria é questionar por qual motivo, uma pessoa que defende a ideia de que a mineração gera desenvolvimento, se esconde por trás do anonimato? Por acaso não acredita realmente no que diz ou, diante da já manifestada insatisfação das comunidades que serão diretamente atingidas caso esse empreendimento saia do papel, preferiu se esconder? Em audiência pública realizada em 9 de dezembro de 2019, os moradores do Quilombo Lagoas e áreas adjacentes foram enfáticos ao demarcarem posicionamento contrário ao empreendimento sobre seu território.
Importante lembrar que a referida audiência pública ocorreu mesmo após recomendações da sua suspensão, emitida pelo Ministério Público Federal no Piauí — MPF-PI, devido, entre outros fatores, a falta da consulta prévia nas comunidades afetadas, uma dívida de 10 anos da empresa com o território, que implica em infração da legislação. Por esta razão, as comunidades só aceitaram a audiência como sendo de caráter meramente informativo, sem efeito jurídico.
A matéria inicia afirmando que “a prática da mineração vem colaborando de forma significativa para o desenvolvimento da região da Serra da Capivara”, querendo passar uma falsa informação de que a região colhe algum fruto dessa atividade, o que não é real. Ao consultarmos o sistema de arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais — CFEM, no site da Agência Nacional de Mineração — ANM, observamos que desde o ano de 2004, quando os dados são disponibilizados, do total de 18 municípios que integram o território de desenvolvimento da Serra da Capivara apenas 09 deles receberam algum valor referente à compensação financeira. Em 16 anos, esses 09 municípios arrecadaram juntos um total de R$ 213.974,16
O município que mais arrecadou foi Caracol que, em 2015, recebeu o valor de R$64.106,18 pela exploração de fosfato. Com exceção desse repasse, não há registro de nenhum outro realizado entre 2004 a 2020 para esse município. Se pegarmos esse dado e fizermos uma média aritmética, é como se ao longo de 16 anos o município de Caracol tivesse recebido um valor anual de R$ 4.006, 63 (quatro mil e seis reais e sessenta e três centavos) por ano, o que daria um repasse mensal de aprox. R$ 333,89 ao mês, ao longo de 16 anos.
Já o que arrecadou menos foi Anísio de Abreu, que em 16 nos recebeu R$ 301,30 referente a CFEM pela extração de argila, sendo R$108,1 em 2018, R$34,28 em 2019 e 158,92 em 2020. Outro exemplo, o município de Capitão Gervásio Oliveira, onde desde a década de 1970 teve início as pesquisas para a extração de Níquel, recebeu em 2017 a quantia de R$ 3.322,10 (três mil trezentos e vinte e dois reais e dez centavos) referente à compensação por extração de níquel, não constando nenhum outro repasse de 2004 a 2020. Nove municípios do território Serra da Capivara não arrecadaram CFEM de 2004 até o presente. Como esses dados mostram, a mineração não vem colaborando com o desenvolvimento econômico da região, diferentemente do que a matéria publicada no portal busca convencer.
A nota afirma ainda que “algumas empresas de mineração têm se instalado na região da Serra da Capivara, o que é significativamente importante para o desenvolvimento da região, pois além de gerar emprego e renda, reflete positivamente na qualidade de vida dos cidadãos”. Trata-se de outra afirmação que não condiz com a realidade. Quem escreveu a nota parece não ter dedicado tempo a leitura do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da empresa que defende.
No RIMA da empresa SRN Mineração, consta que na fase do planejamento a empresa emprega(rá) 06 pessoas, que na fase de implantação a demanda será de 28 pessoas e que, quando estiver em operação, a demanda será de um número de apenas 34 empregados. Esse baixo número de empregos diretos gerados pelo empreendimento nos leva a outras indagações: nas áreas atingidas pela mineração quantas famílias vivem de atividades como apicultura, criação de caprinos, entre outras? De que maneira a mineração irá impactar no modo de produção e na qualidade de vida das famílias atingidas?
Quanto a questão da “melhoria da qualidade de vida dos cidadãos”, as experiências de conflitos entre comunidades e empresas na área do semiárido nos permite discordar dessa afirmação. Quem conhece de perto ou já ouviu relatos a respeito da mineração de fosfato no município de Campo Alegre de Lourdes, na divisa entre Bahia e Piauí, sabe dos sérios problemas enfrentados pela
comunidade de Angico dos Dias, devido, entre outros impactos, à poeira causada pela mineradora e ao trânsito de veículos pesados. O exemplo concreto do município de Campo Alegre de Lourdes, nosso vizinho de fronteira, mostra que se trata de um mito afirmar que uma região se desenvolve a partir da instalação de uma empresa mineradora.
Outros casos, ocorridos em outras partes do país e amplamente noticiados pela imprensa nacional dão conta de diversos impactos sociais e ambientais causados pela atividade mineradora, como, por exemplo, os crimes ocorridos em Minas Gerais pela Samarco, em Mariana (2015) e pela Vale, em Brumadinho (2019); da Hydro Alunorte em Barcarena, Pará (2018). Vários outros podem ser mencionados pelo país, em diversas proporções. No Piauí, há o impacto da contaminação do Rio Poti por rejeitos da mineração de ferro, realizada pela mineradora Globest Participações Ltda., localizada em Quiterianópolis, no Ceará, onde fica localizada a nascente desse importante rio.
Por fim, a nota apresenta o argumento de que os municípios onde se instalam empresas mineradoras passam por uma melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal — IDHM. Observados os valores que os municípios impactados têm recebido através da CFEM e os componentes do IDHM como educação, longevidade e renda, percebe-se que os mesmos não têm sido devidamente subsidiados por projetos dessa natureza, haja visto os exemplos de impactos negativos acima citados. Conforme o Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, o parco crescimento do Piauí nos últimos 07 anos, manteve o Estado em 24ª colocação na classificação do IDHM entre os Estados Brasileiros de 2010 a 2017, mesmo com todos os incentivos a grandes projetos econômicos.
Estes projetos dilaceram o Estado do ponto de vista ambiental, praticam deliberadamente relações precarizadas de trabalho inviabilizando a dignidade de renda, não melhoram a qualidade das instituições educacionais do Piauí, fragmentam as comunidades e municípios pelos sérios impactos em saúde pública, provocam a desterritorialização e desaculturação, logo comprometendo a qualidade e a expectativa de vida das populações impactadas. Portanto, ao contrário do que afirmam, esses projetos desintegram os componentes do IDHM. O mesmo atlas demonstra que, em 2019, o Brasil caiu cinco posições no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano — IDH, de 79ª para a 84ª colocação, apesar dos generosos incentivos aos grandes projetos econômicos, especialmente os de mineração.
Diante deste contexto, o Movimento pela Soberania Popular na Mineração — MAM, a Associação Territorial do Quilombo Lagoas e a Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato, denunciam a brincadeira de mau gosto e a pretensão teimosa e desprovida de responsabilidade das empresas, do Governo do Estado do Piauí e Gestões Municipais, que desconsideram o modo de vida das
comunidades impactadas, deixando-as, abandonadas ao sobressalto, a incerteza e ao medo pela total desinformação oficial e transparente em relação ao impacto previsto e o destino das mesmas. Isso exala, para nós, um mau cheiro de genocídio étnico-cultural a médio e longo prazo.
Toda essa drástica realidade depõe contra a teimosia dos governos em classificar a destruição ambiental, precarização das relações de trabalho, desenraizamento étnico, histórico, cultural e fragmentação de identidades territoriais como sendo o desenvolvimento. Essa atitude vem se mostrando potencialmente destruidora das garantias de vida e dignidade das populações tradicionais, da agricultura familiar, quilombolas e indígenas, em vez de lhes garantir políticas públicas efetivas e eficazes que lhes devolvam tudo o que lhes foi negado e roubado pelo Estado Brasileiro desde sua ancestralidade.
São Raimundo Nonato, março de 2021.
Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
Associação Territorial do Quilombo Lagoas
Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato
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