Foto capa: Matheus Veloso/Mídia Ninja

[Conflito Territorial] O debate tem movimentado o país nas últimas semanas, desencadeado no maior acampamento indígena da história, com mais de 6 mil indígenas de 170 povos

Por Ananda Ridart

O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu novamente a sessão plenária que tratava do julgamento do Marco Temporal, para a demarcação das terras indígenas. A sessão será retomada nesta quinta-feira (09). O debate tem movimentado o país nas últimas semanas, desencadeado no maior acampamento indígena da história, com mais de 6 mil indígenas de 170 povos. Trata-se de uma tese jurídica que defende que indígenas só podem ter suas terras demarcadas caso consigam comprovar que já eram ocupadas por eles até a data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

O Marco possui apoio do Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que, junto aos grupos ruralistas, enxerga na aprovação a oportunidade de avanço do agronegócio em terras protegidas. Além disso, segundo especialistas ouvidos pela reportagem do site do MAM, a aprovação do critério também irá contribuir para o avanço do garimpo ilegal e a atuação de mineradoras sobre áreas indígenas, além de avançar em territórios de outros grupos sociais.

“Há um lobby anti-indígena por trás disso, em tese, porque não se sabe o que o marco temporal quer dizer. E os efeitos são muito maiores, não se restringem apenas aos indígenas. A partir disso, abrem-se precedentes para serem aplicados contra as populações tradicionais, como os quilombolas. Isso é contra todos os direitos coletivos, é uma política racista e negacionista dos direitos fundamentais”, afirma Felipe Milanez, professor da Universidade Federal da  Bahia (UFBA) e, atualmente, visitante da Clark University em Nova York.

Milanez acredita que essa situação não passa de uma aliança anti-indígena. Conforme explica o advogado Diego Vedovatto, que é consultor de direitos humanos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), se o critério for aprovado, as áreas destinadas para a reforma agrária ou que estão em posse de famílias camponesas também poderão ser pleiteadas pelo agronegócio e mineração. “As comunidades de agricultores familiares podem também sofrer com essa aprovação, pois os territórios poderão ser também contestadas pelo mesmo viés do Marco Temporal”, alerta.

O AVANÇO DO GARIMPO

Entretanto, em meio à esse imbróglio jurídico, o que vem se aprofundando na Amazônia são os garimpos ilegais em terras indígenas. Nos últimos dois anos, diante da crise econômica mundial e a alta do valor do ouro, foram 174 toneladas retiradas do minério e 21 mil hectares da Floresta Amazônica desmatados para a mineração, além do aumento de 342% de pedidos para autorização de garimpos na região amazônica.

Garimpo ilegal na terra dos Kayapós no sul do Pará, 2019. Foto: Felipe Milanez

O Governo Bolsonaro tem contribuído para essa nova corrida do ouro. De acordo com a cientista política Eugênia Cabral, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), o lobby dos garimpeiros tem encontrado terreno fértil para influenciar políticas de acordo com seus interesses. Para Cabral, com o Marco Temporal não seria diferente. “A discussão e possível aprovação do Marco é a síntese da pressão política dos vários grupos econômicos, que encontraram no atual governo uma grande janela de oportunidade”, diz a pesquisadora, para quem a intenção do projeto é justamente atingir o limite máximo da insustentabilidade.

Para o advogado do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Ivo Macuxi, o que vem acontecendo nos últimos anos é o desmonte do direito mais sagrado indígena, o direito à terra.

“Para o governo, nós só seremos integrados à sociedade se formos iguais, é uma tentativa de homogeneizar e apagar a diferença. Nós somos brasileiros, mas não concordamos com esse padrão nacional de mineração e degradação ambiental”, reforça. Macuxi pontua, inclusive, que há uma perseguição evidente do governo federal com os povos indígenas e que o Presidente Bolsonaro difunde uma ideologia contra os povos originários.


Vista aérea da devastação na terra dos Kayapós no sul do Pará, 2019. Foto: Felipe Milanez

DESTRUIÇÃO X RESISTÊNCIA

A realidade das comunidades indígenas é marcada pela violência provocada por conflitos com garimpos ilegais e pelos danos ambientais causados pelas grandes mineradoras. Conforme um indígena Munduruku que vive na região, que não quis ter a sua identidade revelada, a invasão de garimpeiros nas terras próximas aos Mundurukus têm se intensificado desde 2017.

“Meu avô lutou muito para não deixar os invasores entrarem. A partir de 2017, começaram com as máquinas pesadas. Hoje, mesmo com a Força Nacional, eles parecem que não têm mais medo de irem para a prisão, dizem que se forem presos, vão sair e voltar. A gente se sente isolado no sentido de não termos apoio, principalmente da  Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que era um órgão que poderia estar nos ajudando”, pontua.

Há uma pressão para que as terras sejam cedidas, para que os garimpeiros exerçam a exploração ilegal. Mas os indígenas que resistem à esse avanço temem por suas vidas. “É triste ver o rio, parece que está vendo um leite com achocolatado na sua frente, aquele rio que fez parte da sua vida… Isso deixa a gente muito triste, antes dos invasores era tudo diferente”, lamenta o indígena.

Para Apeu Lobo, da etnia Apiaká, a relação de seu povo com a terra é muito forte e, por isso, vê-las sendo invadidas pela destruição do garimpo é muito difícil. “É a nossa história que é repassada por gerações e gerações e, para nós, a terra é a escola da vida”. Segundo Lobo, as tensões com garimpeiros e grileiros aumentaram bastante nos últimos três anos no Baixo Tapajós (PA), para além das ameaças constantes, e que o poder político local é conivente com as investidas dos garimpeiros.

“Caso o Marco Temporal seja aprovado, nós vamos continuar lutando para nos defender. É o que sempre digo: os não-indígenas não cuidam das coisas deles? Nós cuidaremos da nossa casa, garimpo nenhum vai invadir nossa casa”, afirma o indígena Munduruku.