Por Ananda Ridart

A exploração de rochas ornamentais, como mármore e granito, tem custado a vida e a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras capixabas. O descaso das mineradoras no cumprimento das medidas de segurança do trabalho, o pouco investimento em tecnologia e a ilegalidade das pequenas empresas são as principais causas dessa insegurança trabalhista no cotidiano dos funcionários. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores do Mármore e Granito do Espírito Santo (Sindimármore), só nos últimos quatro anos foram registrados 40 acidentes fatais em jazidas minerais, que são locais que concentram um volume específico de material de ocorrência natural onde podem ser extraídos minerais de valor econômico com lucro.

O Espírito Santo é o maior produtor de rochas ornamentais do Brasil. Esse mercado marca seu início na descoberta de mármore na jazida da cidade de Cachoeiro de Itapemirim, no final da década de 1950, e desde então, o estado tem sido líder de exportações, produzindo cerca de 80% das rochas ornamentais do país. Com mais de 50 anos de exploração de minério, esse setor é um dos principais da economia do estado, e a cidade de Cachoeiro de Itapemirim é considerada a capital do mármore sendo o responsável pela maior produção do país.


Foto: Sindimármore/Divulgação

O estado possui cerca de 3.500 empresas que atuam no setor de exploração de mármore e granito, desde a extração (feita em reservas naturais rochosas), o beneficiamento e a exportação. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Rochas Ornamentais (ABIROCHAS), o país exportou 1.568,8 mil toneladas de rochas ornamentais no período de janeiro até agosto deste ano, o que equivale a US$ 831,8 milhões marcando um crescimento de 30% nas exportações.

O Espírito Santo continua como o principal exportador desse seguimento, sendo responsável por cerca de 79% do faturamento nacional. Os principais destinos da exportação são os Estados Unidos, a China, a Itália e o México. Em 2021, a demanda por rochas ornamentais cresceu e o faturamento do estado também teve um crescimento substancial em relação ao ano anterior.


Fonte: Sindirochas. Clique e acesse relatório completo de exportação. 

QUANTO VALE A VIDA DO TRABALHADOR?

As rochas ornamentais como o mármore e o granito são utilizadas para fins estéticos e de revestimento, e são consideradas itens sofisticados e exuberantes por suas placas de belas cores e grande resistência. Arquitetos utilizam esse material tanto para construções, como acabamentos e também decorações. No entanto, toda essa sofisticação consumida pelo mercado e refletida nos lucros exorbitantes das mineradoras são às custas da saúde dos trabalhadores do setor minerário.

No final da década de 1990 começou-se uma organização sindical para a denúncia das condições trabalhistas nas jazidas do estado. Além de ser um trabalho de alto risco, os funcionários não tinham condições adequadas de segurança, havia pouco investimento em tecnologia e muito trabalho manual de alto risco. Problemas como a exposição ao calor, aos altos ruídos devido à explosão de dinamites artesanais, os esmagamentos causados por quedas de blocos ou placas e o desenvolvimento de silicose, uma doença pulmonar causada por acúmulo de poeira de granito no pulmão, também são problemas que foram surgindo ao longo do tempo.

Algumas mudanças vêm ocorrendo no setor desde a organização do sindicato resultando na adoção de algumas práticas de segurança por parte das empresas para evitar a silicose, por exemplo. “De início, as perfurações e os beneficiamentos eram feitos à seco e foi uma conquista ter a perfuração úmida, principalmente no granito, porque o pó provoca o pulmão de pedra, o pulmão petrificando pela silicose e não tem como respirar. De uns 10 anos para cá que ‘descobrimos’ a doença, porque antes os médicos não viam como algo provocado pelo granito ou mármore e recebíamos laudo de pneumonia. Hoje em dia não, os médicos conseguem relacionar claramente a doença ao pó”, explica Amarildo Oliveira, sindicalista e ex-diretor do Sindimármore.

Apesar das melhorias em tecnologia para a segurança do trabalho, os riscos atuais não são muito diferentes do passado. Ainda há a ocorrência de muitos danos à saúde, já que as melhorias não são efetuadas de forma coletiva. Verificam-se muitos acidentes na retirada dos blocos e no setor da serraria durante o processo de transformação em chapa. Oliveira confirma que nesse ano aconteceram duas mortes em uma mesma empresa, quando um bloco trincado caiu e matou dois trabalhadores.

Foto: Sindimármore/Divulgação

Marta de Freitas, engenheira de segurança do trabalho e atuante no setor da mineração, explica que além dos danos à saúde e perigo à vida do trabalhador, a mineração é uma ameaça à atividade da agricultura, em especial a familiar. “O avanço da extração de mármore, ou do granito, expulsa as comunidades do entorno, porque acaba com a condição de produção. Os prejuízos são, então, ambientais, sociais e fere os direitos humanos, porque quando você não respeita minimamente a vida das pessoas isso é uma violação”, reforça a engenheira.

Com o aumento da demanda este ano para o setor mineral, houve também um aumento na clandestinidade de pequenas empresas de exploração de mármore e granito. A informalidade vem acompanhada da baixa tecnologia aplicada, da falta de fiscalização, da prática de irregularidades trabalhistas, da falta de treinamento e de acidentes trabalhistas não computados nas estatísticas e taxas de mortalidade oficiais. As pequenas empresas repassam suas produções para empresas maiores, que as legalizam e as exportam.

“Continuam com essa mesma questão da clandestinidade, por exemplo. Oficialmente, sai do Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha (MG), uns 200 caminhões com granito, mas, na prática, a gente sabe que esse número é muito maior. São cada vez mais caminhões na clandestinidade, sem nota e sem pagamento de impostos, e isso é a reprodução do perfil que acontece também no Espírito Santo. A sublocação de uma atividade e uma indústria sonegadora de impostos e de direitos, o que é muito comum no setor mineral”, explica Marta de Freitas.

A baixa tecnologia gera acidentes muito graves através de lesões por quebra de rochas, fraturas, quedas de altas alturas e esmagamentos. De acordo com a engenheira, são muitas as condições de riscos, dentre elas o transporte do trabalhador que acontece nas carrocerias dos caminhões que levam blocos de mármore e granito, correndo o risco de acidentes de esmagamento de pessoas por essas placas.

Foto: Sindimármore/Divulgação

Para Amarildo Oliveira, os acidentes de percurso acontecem porque as empresas não adotam medidas coletivas de segurança, como um transporte coletivo dos trabalhadores da empresa. Os funcionários acabam indo com seus próprios veículos para as jazidas distantes, normalmente de moto, para cumprir uma jornada de trabalho exaustiva e sem um local de descanso adequado, o que eleva os acidentes na hora do retorno para casa.

Amarildo ainda aponta que a maior dificuldade para garantir a saúde e a segurança do trabalhador desse setor é, também, pela inflexibilidade dos empresários. “Parece que eles não enxergam que a saúde e segurança do trabalho não é gasto, é investimento. Não temos um plano de saúde e nem local adequado para comer, e não é por falta de colocar nas convenções. Todo ano isso é falado, mas eles não querem nem conversa. Há um tempo diziam que iam amadurecer essa ideia, mas acho que hoje já estão até com vergonha que nem falam mais nada”, pontua.

O sindicalista alega que as empresas fazem de tudo para esconder os acidentes de trabalho, chegando ao cúmulo de retirarem até o corpo do trabalhador que morreu no local para argumentar que o óbito teria ocorrido no caminho do hospital.

As mineradoras mascaram os números de acidentes para que a informação não chegue aos sindicatos, nem mesmo os próprios empregados têm iniciativa para falar com medo de sofrerem retaliações.

Em 2018 foram computadas seis mortes nas jazidas, já no ano seguinte esse número sobe para 10. No ano de 2020 foram 12 acidentes fatais e, nesse ano, até o fechamento dessa reportagem, já foram 12 trabalhadores mortos por acidentes no local de trabalho.

BOLSONARO E MINERADORAS LADO A LADO

Enquanto continua o descaso das mineradoras com os trabalhadores e o meio ambiente, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) continua sua tentativa de avançar em pautas que beneficiem esse empresariado. Só nesse ano, o atual presidente tem o objetivo de aprovar diversos Projetos de Lei (PL’s) com o intuito de “passar a boiada”, como nos casos do PL 191/20, que permite a prática da mineração em terras indígenas, o PL 3729/04 que facilita trâmites do Licenciamento Ambiental e o PL 5518/20, que flexibiliza as Concessões Florestais. Para além disso, ainda há o risco de aprovação do marco temporal, como foi tocado em recente reportagem do MAM, que só beneficiará a exploração de minérios em nosso país.