Por Coletivo de Comunicação MAM-BA

Distante 3 km da Bahia Mineração (BAMIN), que fica em Caetité, no sudoeste baiano, a comunidade de Açoita Cavalo carrega no próprio nome uma história vinculada ao passado de gado e dos vaqueiros. Comenta-se que a origem se deu quando a comunidade era apenas uma trilha em que os pastores de gado faziam o transporte da província para outros Estados. Um dia o gado se alvoroçou em disparada e os vaqueiros saíram gritando, em busca dos animais: “Açoita Cavalo!” para dominar sua fuga em massa.

Dona Antônia lembra com muita doçura os anos de sua mocidade no local. Mesmo em tempos difíceis, em que o dinheiro era para poucos, a terra, o trabalho, o pão e a paz, em compensação, nunca lhe faltaram. Mãe de nove filhos, todos paridos em casa e alguns acompanhados pela tia doula, a família de Dona Antônia foi nascida e criada na comunidade plantando milho, feijão, mandioca, e tendo como prática de subsistência a comercialização do excedente da produção em feiras locais. “Além de trabalhar nas roças, cuidar das crianças, fazia panos de renda e colchas riscadas sob encomendas para as senhoras em Caetité e Pindaí”, relembra.


‘’Antigamente eram tempos de muita dificuldade, mas era um ambiente tranquilo. Agora tem essa empresa todos os dias estrondando, passeando dentro da comunidade e ignorando nosso sossego’’ (Dona Antônia, moradora da comunidade de Açoita Cavalo – Foto: Ione Rochael/MAM)

Histórias como a de Dona Antônia, repletas de memória e respeito pela ancestralidade, se veem ameaçadas pelo avançar da mineração na região. Nas cinco comunidades de João Barroca, que agregam 250 famílias, a luta pela defesa das 28 nascentes de água é árdua, visto que é neste local, entre duas serras, que a BAMIN, visando baixo custo, pretende implantar sua barragem de rejeitos úmido condenando as fontes de água no local. A falta de cuidado e fiscalização de um tesouro hídrico potencializa o desperdício cometido diariamente pela empresa. Seu Edsom, morador da Comunidade de João Barroca, vê a situação de completo descaso como “um absurdo”.

‘’Água é vida. Temos de cuidar dela pra nós usarmos, e também os bichos e as plantas’’, diz Seu Edsom, agricultor, levando para casa um fardo de feijão andú. Foto: Ione Rochael/MAM)

 

POEIRA PRETA – A CULPA É DE QUEM?

Tanto em Açoita Cavalo quanto em Cachoeira e nas demais comunidades que ficam no entorno da mina de ferro, os processos de explosões seguem a todo vapor, o que aumentam os impactos já sofridos pelas famílias principalmente para as pessoas idosas, com problemas cardíacos, que se assustam com as detonações recorrentes de segunda a sábado. A empresa não cumpre os horários de aviso das explosões nos boletins informativos, o que oferece alto risco para os moradores e moradoras da região, que podem ser a qualquer momento atingidos dentro de suas próprias casas. Além disso, há registro do comprometimento na estrutura das casas e rachaduras profundas, situação que antes da chegada destas obras, não era uma realidade.

Além de não se responsabilizar pelos danos patrimoniais, encarregados de empreiteiras da obra da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) afirmam que estas rachaduras são decorrentes da fragilidade das estruturas das casas, ou seja, eles culpabilizam os moradores pela destruição de seus próprios lares.

Outro agravante é a questão da poluição do ar na região. “A poeira tem aumentado e as explosões jogam essa poeira para dentro de casa e suja tudo”, diz Dona Alzira, moradora da comunidade de Açoita Cavalo. A expectativa da BAMIN é explorar, dentro de cinco anos, ainda mais toneladas de minério, o que dá para imaginar a dimensão dos impactos na agricultura e na saúde das mulheres, homens, crianças e idosos destas localidades.

O pó preto tem deixado rastros de preocupação tanto no entorno das comunidades, a 6 km da mina, como também nas cidades por onde os carregamentos passam causando problemas na plantação e no ar contaminado, comprometendo a saúde da população pela falta de assistência médica, minimamente suprida por um Sistema Único de Saúde (SUS) que vem sendo sucateado desde o golpe que retirou a presidenta eleita Dilma Rousseff do Poder Executivo, dando vez ao projeto de governo que não respeita a vida, representado pelo atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e sua equipe ministerial.

QUESTIONANDO O MODELO

Vivemos um período de crise profunda no sistema econômico, porém a mineração é um setor que gera lucros exorbitantes ao capitalismo e, neste momento, as soluções apontadas são as mais cruéis possíveis apenas para a classe trabalhadora urbana e rural. É do feitio capitalista a superexploração do meio ambiente, a transformação dos bens naturais comuns em bem particulares, ou seja, em mercadorias, para a venda.

Assim, a água e a terra são transformadas em mercadoria para o agronegócio, as grandes plantações são envenenadas, o minério é transformado em mercadoria para venda no estrangeiro e, quando volta para o Brasil, é em forma de produto com um valor absurdo para consumo.

Enquanto isso, subsídios incontáveis são cedidos e pensados para as empresas multinacionais, principalmente mineradoras desde tempos muito antigos. A falta de transparência, e do acesso às informações, característica de nosso Estado brasileiro de coronéis e empresários políticos, faz com que as compensações financeiras pelas atividades minerárias sejam ocultadas e desconhecidas por toda a população.

A mineração foi estabelecida como atividade essencial num momento de crise sanitária mundial em que há riscos de morte pela contaminação de um vírus que, até o presente instante, ainda não foi controlado. Pelo contrário, há um governo federal que incentiva as mais absurdas ideias de negação dos riscos de uma pandemia e não promoveu a compra de vacinas na hora certa, que atendesse uma população numerosa como a brasileira.

As atividades da mineração e a logística da construção da FIOL não cessaram um só instante desde sua implantação e desde o inicio da pandemia, causando severos impactos nas comunidades, como o alto tráfego de trabalhadores das empresas vindos de outros estados. Entre muitas razões é possível atrelar a logística da mineração aos casos de contaminação pelo vírus da Covid-19. É necessário ressaltar, também, a responsabilidade do Poder Municipal com casos e mortes consequentes deste vírus, pela desorganização no processo de vacinação da população local e das comunidades rurais.

Pilhas de rejeitos à seco da BAMIN. Foto: Ione Rochael/MAM

Logo, para que as comunidades rurais e o povo brasileiro tenham soberania tanto na mineração quanto na agricultura familiar e em todos os setores essenciais a vida, é necessária a luta incessante por outro projeto de sociedade, um projeto que seja construído para o povo e com o povo.

Este projeto não diz respeito à BAMIN, e sim ao povo trabalhador do Brasil, ao povo do campo, compreendendo suas necessidades, que não possuem outras perspectivas de futuro justamente porque esse futuro ser negado em detrimento ao lucro. Ou seja, a construção deve partir de nós, trabalhadores e trabalhadoras, apesar de toda dificuldade e desesperança.

Por um país soberano e sério! Contra o saque dos nossos minérios!
Mátria Livre! Venceremos!