No ano passado, as mineradoras lucraram cerca de 281 milhões de dólares em todo Estado do Mato Grosso do Sul; só em Corumbá foram 184,1 milhões de dólares

Por Ananda Ridart, da página do MAM

A região do Pantanal fica localizada em parte do Estado do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul, do leste da Bolívia e do norte do Paraguai. Ela é formada por uma planície arenosa e, em suas bordas, é possível observar a produção de calcário, argila, ferro e manganês. Mato Grosso do Sul, por exemplo, possui a terceira reserva de ferro do Brasil, com produção girando em torno de 10 milhões de toneladas ao ano. As principais jazidas estão localizadas nos municípios de Corumbá e de Ladário.

Corumbá abrange 60% do Pantanal sul-mato-grossense, 37% do Pantanal brasileiro, 30% do Pantanal sul-americano e algo em torno de 10% do Chaco sul-americano. Município que faz fronteira com a Bolívia, é lá onde operam cinco empresas mineradoras e 20 barragens de rejeitos, e a produção mineral gira em torno de 200 mil toneladas de minério de ferro ao mês.

Segundo o ComexVis do Ministério da Indústria, em 2020, as mineradoras lucraram cerca de 281 milhões de dólares em todo Estado do Mato Grosso do Sul. Só em Corumbá foram 184,1 milhões de dólares. A 45 km de sua área urbana fica a comunidade de Antônio Maria Coelho, região outrora abundante em fontes de águas minerais, cachoeiras e balneários – é lá onde estão instaladas uma usina de ferro e três dessas mineradoras, que operam desde 2005.

Entre a Morraria do Urucum e a antiga Rede Ferroviária Federal S/A – Noroeste do Brasil, a comunidade possui também a atividade econômica da produção artesanal de farinha bocaiuva, cuja polpa seca pode ser triturada em uma máquina de moer arroz feita na Casa do Artesão, em Corumbá. Porém, a população local sofre com os impactos da mineração, visível na degradação ambiental, no adoecimento da população e no esvaziamento da comunidade.

A aquisição do terreno dos moradores, a poluição dos córregos, da terra para plantio, do ar e a poluição sonora são alguns dos motivos da saída de parte dessa população para cidades próximas. “O barulho é constante. As vezes nem consigo dormir a noite. Nos dias que têm descarregamento do forno voam faíscas, fica essa fumaça de carvão o tempo todo e a gente respirando. A poluição aumentou muito, respiramos só carvão e nenhuma casa consegue ficar limpa. Aqui era um lugar bonito, um verdadeiro paraíso, hoje não tem mais nem como plantar” afirma Edil Oliveira, moradora de Antônio Maria Coelho há mais de 40 anos.

Edil conta que antes da expansão das mineradoras na região, a população tinha uma vida tranquila, praticava o extrativismo e a agricultura familiar. Com a chegada das mineradoras, o uso da ferrovia tornou-se constante, provocando barulhos perturbadores em todos os horários, devido ao tráfego intenso de caminhões com carregamentos de minérios.

“Não existe comunicação com as mineradoras. Pelas empresas, a comunidade não existiria mais. Elas trouxeram doenças e medo, não conseguimos mais coletar frutos e não temos perspectiva de melhoras por aqui. Queríamos que ficasse algo para o futuro, para as novas gerações, mas ficamos preocupados com a sobrevivência dos jovens nesse lugar”, desabafa.

Muitas das famosas nascentes de água mineral da região secaram, com suas fontes soterradas com a poluição mineral. Segundo Edil, a população de Antônio Maria Coelho sofre com doenças respiratórias e dores constantes e não há nenhum tipo de amparo pelas empresas ou poder público, nem mesmo diálogo.

Os minérios de ferro que são extraídos em Antônio Maria Coelho seguem pela ferrovia até o sul do município, ainda em Corumbá, para o distrito de Porto Esperança, onde são colocados em embarcações para a exportação. O distrito é formado por uma comunidade tradicional ribeirinha no rio Paraguai, ocupada desde 1900. Porém, com a chegada das grandes empresas de mineração e do agronegócio, a população foi afetada pelas mazelas do impacto ambiental.

Hoje, a rotina é de constante conflito com as empresas. De acordo com Natalina Mendes, liderança da comunidade e presidenta da Associação de Mulheres de Porto Esperança, os maiores impactos na comunidade são causados pela poluição da poeira de minério e inundações das casas, promovidas pela velocidade das embarcações carregando minérios pelo rio Paraguai.

“A partir do mês de junho, que começam os ventos do sul, as pessoas aqui ficam com problemas de bronquite, as plantações ficam cobertas de poeira de minério nas folhas e acabam morrendo”, explica a presidenta. Além das inundações nas comunidades, a beirada do rio Paraguai vai sendo destruída aos poucos, com sua vegetação sendo afetada, a pescaria torna-se difícil e, apesar da comunidade propor alternativas, não há iniciativa das empresas para diminuição dos impactos.

“Já propomos várias coisas como irrigação para tentar diminuir a poeira, mas até agora nada. Já são mais de 20 anos, pedimos para diminuir a velocidade das embarcações, mas não adianta. Tem uma ilha que ficava aqui na frente que já sumiu de tanto que já foi alagada”, desabafa Natalina.


A falta de responsabilidade socioambiental

De acordo com o Geólogo Paulo Boggiane, professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP), as mineradoras deveriam ter uma responsabilidade socioambiental, mas como buscam alcançar um lucro exagerado, algumas não querem amenizar ou reparar esses impactos nas comunidades em que se instalam.

“Apesar dos bens minerais pertenceram à União, há um afrouxamento das entidades de fiscalização com essas grandes empresas. A Lei n.º 6.938/81, os Decretos Regulamentadores nº 97.632/89 e nº 99.274/90 determinam que as mineradoras restaurem o ambiente degradado”, comenta. “Isso é o mínimo a ser feito diante do baixo custo da exploração e da alta lucratividade das empresas, a compensação financeira para a população da região é muito pequena”, conclui.

Para os moradores dessa região do Pantanal, a chegada das mineradoras significa a perda de seus modos de vida, da sua história, da saúde e do futuro que vislumbram. “Eles falam que é a chegada do progresso. Mas eu pergunto: de que tipo de progresso eles estão falando? Um progresso que nos atropela, que não pensa na comunidade e não conversa com a gente. Tem sido muito triste ver o que amamos ser destruído e não conseguir fazer nada”, desabafa a liderança comunitária.