Com reunião deliberativa extraordinária marcada para esta quarta-feira (01), alterações no Código favorecem a instalação de novos projetos no Brasil legitimando danos socioambientais irreparáveis

*Por Ananda Ridart, da página do MAM
*Atualizada às 18h07

Nesta quarta-feira (01), o Grupo de Trabalho que discute a reformulação do Código de Mineração Brasileiro se reúne para discutir a votação do parecer preliminar com a minuta da proposta do relatório que reformula o Código. Apresentado pela Deputada Greyce Elias (AVANTE/MG), relatora do GT e cujo marido, o ex-vereador Pablo César de Souza possui ligações com três mineradoras, reveladas em recente coluna da jornalista Cristina Serra à Folha de S. Paulo, as alterações propostas ao referido Decreto-Lei 227/67 na Câmara dos Deputados estão alinhadas com a agenda do Governo Federal, beneficiando o empresariado e sobrepondo a mineração e o capital financeiro sobre os direitos socioambientais.

Através de manobras de parlamentares comprometidos com a expansão das mineradoras, as alterações do Código não apresentam quaisquer mudanças na forma de arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), mas propõem um aumento na segurança jurídica das empresas, a abertura para o capital financeiro internacional, a flexibilização ambiental e um ataque às comunidades tradicionais.

Logo no Artigo 1° do relatório, que indica a impossibilidade de contestar a atividade de mineração no país, é dito que “o aproveitamento dos recursos minerais é atividade de utilidade pública, de interesse social, de interesse nacional e essencial à vida humana, na qual deverá sempre se observar a rigidez locacional das jazidas”.

Neste ponto, são apresentados os princípios que norteiam a legislação e o peso jurídico que a mineração deverá possuir como política pública de um projeto de desenvolvimento predatório, ou seja, que expulsa populações inteiras de suas terras, destrói seus modos de vida comunitário e tradicional, seus meios de sustento, desmata e aumenta o desequilíbrio ambiental como um todo.

O conteúdo apresentado pela relatora apresenta alterações estruturais do atual Código de Mineração elaborado em 1967. Dentre as principais mudanças está a retirada do papel ativo do Estado na administração dos bens minerais para se tornar um ator passivo em sua relação com as empresas, apenas organizando os interesses empresariais e permitindo a atuação do mercado financeiro como administrador desses bens.

Para Jarbas Vieira, da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), outra mudança preocupante é a retirada da anuência dos Estados e Municípios do processo de instalação de um empreendimento minerário, fazendo com que os projetos de exploração de uma localidade não precisem de aceitação das esferas municipais ou estaduais para atuar em um território.

“É inconstitucional. Então os prefeitos e governadores receberão máquinas dentro do seus territórios sem ter conhecimento sobre os projetos? Isso fere o Pacto Federativo Brasileiro. É uma aberração”, rebate.

O relatório também ataca os direitos das populações tradicionais e as legislações ambientais ao retirar os impeditivos de instalação de um empreendimento minerário em áreas protegidas, como terras indígenas, quilombolas e assentamentos de reforma agrária.

Todo e qualquer impedimento do uso do solo para a mineração deve ser avaliado pela Agência Nacional de Mineração (ANM), tendo em vista que a prioridade nacional é a exploração mineral. Para Jarbas, retirar os impeditivos de instalação cria uma rigidez locacional para as mineradoras, pois que qualquer atividade exercida em um território com potencial mineral poderá ser realocada para outro lugar caso o setor mineral solicite.

De acordo com um estudo conduzido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a mineração em terras indígenas pode gerar perdas de US$ 5 bi em danos ecossistêmicos. “Isso representa a destruição de faunas, florestas e modos de vida. É inconstitucional, porque o habitat de animais e a utilização da água por comunidades também possuem rigidez locacional, e nós sabemos como essa realocação acontece: é militarizada e violenta. Na proposição nem está claro quem vai indenizar a população pela realocação”, pontua Vieira.

Alinhado à possibilidade de explorar minérios em todo território brasileiro, há ainda alterações na proposta do Código que aceleram a concessão de lavras e flexibilizam os procedimentos e as fiscalizações da ANM. A proposta exige que a Agência se pronuncie em um prazo de até 180 dias nos pedidos de licenciamento ambiental e projetos de mineração, caso contrário, haverá uma aprovação automática dos projetos e de lavras garimpeiras.

“Temos um cenário que é menos Estado, mais empresa e menos tributo em relação aos danos causados pela mineração. Ou seja, o povo brasileiro ficará somente com os prejuízos. Essa é a realidade”, desabafa Jarbas.

 

A conivência histórica do governo com os interesses das mineradoras
Historicamente, o setor mineral aspira o total controle sobre os bens minerais nacionais. Desde a década de 1990, com a onda neoliberal no continente, ocorrem investidas para a flexibilização de políticas ambientais e o aumento da autonomia das mineradoras no território.

Duas experiências marcantes nesse sentido foram a formulação da Lei Kandir, em 1996, que dispõe sobre a isenção do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre as exportações de produtos primários e semielaborados, e a privatização de empresas como a mineradora Vale, no ano de 1997.

A eleição de Jair Messias Bolsonaro (sem partido) serviu como o cenário ideal para o setor mineral implementar políticas de seus interesses. Apenas no ano de 2021, o atual presidente propôs Projetos de Lei (PL’s) com o intuito de “passar a boiada”, como nos casos do PL 191/20, que dentre inúmeros danos permite a prática da mineração em terras indígenas, o PL 3729/04, que facilita os trâmites do Licenciamento Ambiental e o PL 5518/20, que flexibiliza as Concessões Florestais, ou seja, que permite à União, estados e municípios concederam a uma pessoa jurídica o direito de manejar as florestas que são de domínio público.

Em julho de 2021, a base do governo no Congresso Nacional iniciou as discussões para modificar o Código de Mineração Brasileiro (Decreto-Lei 227/67). O Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), instituiu o Grupo de Trabalho (GT) de caráter “suprapartidário”, ou seja, que deveria reunir uma variedade de partidos políticos sem que a pauta seja subordinada a nenhum deles, para debater e elaborar proposição legislativa destinada à alterar o Código. Porém, do conjunto de membros que compõem o GT, apenas seis deputados são da Oposição ao governo.

A criação de um Grupo de Trabalho possui a intenção de acelerar a aprovação de uma legislação que beneficia ainda mais o setor mineral. Com um formato menos burocrático, o GT estuda e debate a formulação da nova política para que, depois, seja tramitada formalmente pelo legislativo.

“O governo está implantando tudo o que quer. Ele tem uma visão de que o Estado está à serviço do empresariado. O relatório apresentado expressa muito bem essas políticas neoliberais que já estão sendo implementadas. Temos que continuar destacando as aberrações que eles estão passando no meio da ‘boiada’ ”, aponta Cláudio Scliar, geólogo e ex-secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia.

Sob a coordenação do Deputado Evandro Roman (Patriota/PR) e relatoria já mencionada do Avante/MG, o GT tem por objetivo alterar cinco pontos da atual legislação através das cinco sub-relatorias (agregados da construção civil, minerais metálicos, rochas ornamentais, minerais não-metálicos e leilões de áreas).

A Oposição na Câmara articula a criação de um relatório alternativo através de um substitutivo, com um texto alinhado aos princípios da sustentabilidade. “A luta não é apenas contra uma ou outra empresa do setor, a mineração é muito maior que isso. Temos que unificar todos os que são impactados com essas empresas e os trabalhadores são os primeiros afetados. Temos que nos organizar para refutar os pontos mais centrais dessas propostas, esse processo de discussão deve ser colocado na mão de toda a população brasileira”, pontua Scliar.

Edição Raquel Monteath, do Coletivo de Comunicação do MAM.