No universo da mineração, os crimes contra os direitos humanos não se restringem aos rompimentos de barragens: a cadeia de exploração mineral mata todos os dias a população das mais diversas formas
Por Ananda Ridart, da página do MAM
No país em que ocorreram crimes como os de Mariana (MG), em 2015, com 19 mortes, e o de Brumadinho (MG), em 2019, que resultou na morte de 272 pessoas, as comunidades localizadas próximas às barragens sofrem as mais diversas formas de consequências desse modelo, entre eles o que chamamos de “terrorismo de barragens”, ou o medo por estar sempre em estado de alerta com medo de que um outro acidente desses aconteça.
A legislação é, então, um passo importante para a garantia dos direitos e a proteção dessa população, para que crimes como esses não voltem a acontecer. O Projeto de Lei nº 2.788/2019, que tramita na Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado Federal, por exemplo, tem a pretensão de criar uma Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). Em caso de aprovação do PL 2.788/2019, será a primeira legislação no país voltada para a defesa das populações impactadas pelas barragens de rejeitos de mineração e hidrelétricas.
Apesar do avanço que a aprovação pode trazer para a população brasileira, só isso não basta. É necessário debater outras formas de impactos da mineração para além das barragens. A mortalidade e a violência não são exclusivas para a população que vive nesses territórios. Não à toa, o Dia Internacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho foi escolhido na data de 28 de abril, em razão de uma explosão em uma mina de carvão em Farmington, no estado da Virgínia (EUA), em 1969, que matou 78 trabalhadores.
O Brasil é o país com a maior taxa de mortalidade na mineração, de acordo com estudo conduzido pelo Conselho Internacional de Mineração e Metais (CMM), foram 27 mortes de trabalhadores do setor em 2020, 287 mortes no trabalho em mineradoras em 2019, contra 50 mortes registradas em 2018 e 51 em 2017. Explosões, choque elétrico, esmagamento por rocha, fraturas graves, incêndio, atropelamentos por caminhões e máquinas de equipamentos são alguns dos acidentes de trabalho típicos da mineração, e que causam mortes, além de doenças ósseas, musculares, respiratórias e muita contaminação.
Para Larissa Santos, advogada e coordenadora política do Justiça nos Trilhos (JnT), organização que atua ao longo do chamado Corredor Carajás, eixo da ferrovia Carajás, que vai de Parauapebas (PA) até São Luís (MA). O JnT atua em defesa dos Direitos Humanos das populações afetadas pela mineração, pois a cadeia produtiva mineral causa impactos sociais e mortais em todas as etapas, desde a extração até a exportação do minério.
O próprio trajeto do mineral para exportação via ferrovia é causa de óbitos nos territórios minerados. Em Carajás (PA), está a maior mina de ferro a céu aberto do mundo, e através de uma ferrovia com 900km de extensão é escoado 120 toneladas ao ano de minério até o Porto Madeira, em São Luís (MA). Esse trajeto oferece riscos para comunidades de 27 municípios, pois não há proteção ou meios de travessia seguros para essa população.
“Nós trabalhamos com os impactos da Vale ao longo da estrada de ferro Carajás, buscamos reparação integral aos impactos que ocorrem ao longo desse caminho até o Porto. O minério é transportado a céu aberto nos vagões, contaminando os municípios que estão no caminho. A estrada de ferro duplicada separa as cidades e obriga a população a atravessar constantemente a ferrovia, ocasionando atropelamento de pessoas e animais”, comenta a advogada.
Diante das mortes, seja por atropelamento, contaminação ou por outros tipos de acidentes, as mineradoras culpam as vítimas pelos seus crimes. Marta Freitas, engenheira do trabalho, comenta que de maneira geral o discurso é que a população é relapsa, descuidada e acabam cometendo um ato inseguro.
“As empresas são capazes de alegar que as pessoas morrem porque são suicidas ou qualquer coisa do tipo. Pode até ser que o trabalhador tenha apertado o último botão, mas acidente de trabalho não é isso, são vários os fatores que sinalizam, como uma instalação elétrica que não foi bem realizada, por exemplo. As empresas não culpam apenas os trabalhadores, mas culpam também a população que está ali: são as pessoas que moram no caminho das ferrovias e dos caminhões, é o maquinista que podia ter feito algo”, explica a engenheira.
Edição: Coletivo Nacional de Comunicação MAM
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