Territórios minerados na América Latina são marcados pela presença de mulheres que resistem e lutam contra as atrocidades da mineração (Arte: Mayra Corleonne)
Por Ananda Ridart, da página do MAM
No último domingo (19), a advogada e ambientalista Francia Elena Márquez Mina foi eleita vice-presidente da Colômbia, marcando a história como a primeira mulher negra a ocupar o cargo no país. Nascida no município de Suárez, no departamento de Cauca, oeste do país, Francia foi líder de movimentos populares contra a mineração ilegal na região e teve que deixar sua terra por sofrer ameaças diante de sua trajetória de resistência.
Dedicada ao ativismo comunitário e ambiental, Francia recebeu, em 2018, o Prêmio Goldman de Meio Ambiente, após liderar a Marcha dos Turbantes contra a mineração de ouro ilegal no município de La Toma. Foram cerca de 100 mulheres que marcharam ao longo de 10 dias, por quase 600 quilômetros, do município até a capital Bogotá, resultando em uma vitória com a saída das mineradoras da região.
A luta das mulheres na mineração é contínua, mesmo diante de ameaças à vida, são elas, espalhadas pela América Latina, que têm levantado todos os dias, há pelo menos 500 anos, em defesa da comunidade e contra esse modelo predatório de exploração. Assim como Francia, por todo território minerado há mulheres na linha de frente do combate aos impactos da mineração na saúde da comunidade, no meio ambiente e na subsistência coletiva.
No Brasil, no território de Jambuaçu, município de Moju (PA), são as mulheres quilombolas que lideram o enfrentamento contra os impactos do mineroduto na região, que transporta bauxita para a cidade de Barcarena (PA) e atende as mineradoras Hydro e Imerys.
“Começamos a observar a mudança nas águas e o adoecimento dos nossos filhos no período de troca dos tubos do mineroduto. As águas dos igarapés, usadas por nós como fonte de subsistência, foram todas contaminadas pela lama”, conta a educadora popular e quilombola Dayane Ribeiro, pertencente à comunidade de Santana da Baixo Jambuaçu.
As mulheres das comunidades quilombolas de Jambuaçu se organizaram em um coletivo chamado Tucandeira, cujo embate é para enfrentar a mineração e o agronegócio na região. Em 2017, elas começaram a construir um protocolo de consulta, que é um documento elaborado por comunidades tradicionais para que a população seja consultada antes da instalação dos empreendimentos, assim como requer explicações sobre a forma e o processo que se dará essa instauração – baseado na Convenção 169 da OIT.
Durante o processo de construção do protocolo, as lideranças começaram a sofrer ameaças e a líder quilombola Maria Trindade, de 68 anos, companheira de luta de Dayane, foi assassinada em 2017. Em 2019, ao conseguirem marcar reunião com a empresa Hydro para abordar o protocolo de consulta, as ameaças voltaram.
Nos três últimos anos, as mulheres das comunidades de Jambuaçu começaram a sofrer ainda mais ameaças. A educadora comenta que a violência sempre existiu, mas parecia mais silenciosa.
“Sabíamos que estávamos correndo riscos, mas não era algo dito. Hoje a gente recebe ligações e mensagens falando que é bom a gente parar. A maioria das reuniões são as mulheres que estão puxando e são as que mais sofrem com violência. Já não basta a violência doméstica, ainda sofremos com a das empresas. Ligaram para o meu pai pedindo para ele me afastar (da luta), que era só um conselho, falaram que já tinha acontecido morte e que poderia acontecer outra também”, relata Dayane, que, mesmo diante das ameaças, se recusa a sair da luta.
A cerca de 60 km do município de Moju está Barcarena (PA), onde estão instaladas as mineradoras Hydro e Imerys, que possuem um longo histórico de crimes ambientais no município. Abilene Brito, morada da comunidade de Nova Canãa, em Barcarena, conta que desde 2011 os crimes socioambientais começaram a acontecer com muita intensidade. Nos últimos 10 anos, a contaminação dos rios e dos igarapés acabou com os peixes e o sustento da comunidade. As plantações começaram a ficar improdutivas. Eram mandiocas que apodreciam bem antes da colheita, além de frutas regionais como açaí e cupuaçu que perderam a qualidade – a perda foi de cerca de 60%, segundo Abilene e, por isso, a população local enfrenta dificuldades financeiras.
Essas dificuldades enfrentadas pela população fizeram com que a organização política se tornasse necessidade em Nova Canãa. Abilene construiu, junto com outras mulheres, um coletivo de combate aos impactos da mineração e pelo resgate financeiro. Sabendo que as empresas não empregam as pessoas da região, alegando que não são capacitadas, as mulheres começaram a trabalhar com artesanato e produção orgânica de cacau em pó e em barra.
“A gente vem lutando da forma que pode dentro da nossa comunidade. O nome do nosso grupo é Direito de Viver e é de iniciativa das mulheres. Eu comecei a conversar e a pensar em ter algo para ajudar nas nossas despesas, a gente vem desenvolvendo e usando a criatividade como pode através da economia solidária”, relata Abilene.
Do Norte ao Sudeste do país
Em Catas Altas (MG), a servidora pública Sandra Santos luta contra as mineradoras desde 2013, quando ela e outras mulheres fecharam a rodovia estadual MG-129 na entrada do distrito de Morro da Água Quente (https://www.mamnacional.org.br/2017/03/09/mulheres-atravessadas-pela-mineracao/). Elas reivindicavam melhorias na qualidade de vida, a poeira e os sons dos explosivos foram a motivação para fechar a principal via de acesso das empresas.
Os resultados dessa manifestação foram acordos com a Vale sobre tipos de detonação e horários, mas esses acordos foram cumpridos pela empresa por apenas alguns meses. “Desde esse dia nunca mais saímos da luta. Até porque a luta é todo dia, quando a gente lava uma roupa e ela fica amarelada por causa do pó que invade nosso espaço. Somos mulheres que possuímos várias jornadas de trabalho, a limpeza da casa nunca acaba devido ao pó de minério. Somos nós que puxamos a luta porque lidamos com isso o tempo todo. Não é fácil lutar com um monstro chamado Vale e ter todos os dias os mesmos problemas. Todos os dias convivemos com os mesmos desmandos e violações de direitos”, conta Sandra.
Para a fotógrafa mineira Júlia Pontés, a semelhança nessas histórias não está apenas no sofrimento causado pelas mineradoras, mas também na capacidade de organização política e de resistência das mulheres desses territórios. “O que é claro é que quem para a estrada é mulher, seja em Minas ou em qualquer lugar. São elas que realmente levam a luta adiante e, principalmente, são as que tem mais respeito pela luta. Eu acho, honestamente, que existe na mulher uma empatia e uma sensibilidade, talvez uma capacidade de conexão muito maior com outras pessoas, com a terra, o lugar e com as raízes”, afirma.
Júlia tem feito pesquisa fotográfica sobre mineração, documentando a atuação das mineradoras desde 2014. Em sua prática, tem observado e registrado a expansão dos complexos minerários e os impactos na vida das pessoas. A fotógrafa relata que é uma atingida pela mineração em uma de suas facetas: sua família tem o histórico de sofrer de Hemocromatose, condição de sobrecarga de ferro no corpo, provavelmente consequência de anos no ramo da siderurgia.
“Eu sou uma atingida pela mineração em uma espécie de ‘camarote VIP’. Tive muitos privilégios como uma mulher branca de classe média de uma capital, Belo Horizonte, apesar de estudar dois quarteirões de uma mineradora gigante. O que eu tento fazer é usar meus privilégios a favor do diálogo e fazer a voz dessas pessoas chegarem ainda mais longe, em espaços que pouco se fala sobre isso. Estou tentando ‘hackear’ o sistema”, diz a fotógrafa.
Edição: Raquel Monteath, do Coletivo Nacional de Comunicação MAM
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