Créditos: Mayra Corleonne sobre foto de Tuane Fernandes/Greenpeace
Segundo pesquisador, não há interesse político em regular o ouro no Brasil porque ele acaba sendo incorporado à economia do país através do mercado informal
Por Ananda Ridart, da página do MAM
Depois do escândalo de que o ecossistema que sustenta o esquema de garimpos ilegais conta com mais de 362 pistas de pouso clandestinas no meio da floresta amazônica, todas para alimentar o garimpo que leva ouro ilegal até grandes empresas de tecnologia como Apple, Microsoft, Google e Amazon, o questionamento que segue no nosso título reflete bem em que pé estamos com a falta de soberania popular na mineração.
Com a guerra na Ucrânia e a subida do valor do ouro, o garimpo ilegal na Amazônia avançou a todo vapor para alimentar o mercado internacional. Só de 2018 até o fim de 2021, a área destruída pelo garimpo ilegal quase dobrou de tamanho, ultrapassando 3,2 mil hectares, segundo relatório da Hutukara Associação Yanomami: foi um aumento de 46% no desmatamento, na comparação de 2021 em relação a 2020.
Mas se não é de hoje que os crimes cometidos por garimpos ilegais na região refletem na produção de grandes multinacionais, qual a dificuldade que o Estado Brasileiro tem de fiscalizar todo esse ouro? Há que se saber, primeiro, que o controle do ouro não é algo fácil e que o tamanho continental do território brasileiro dificulta o rastreamento do minério após sua saída dos garimpos. Além da dificuldade operacional no país há, também, o interesse de determinados grupos para que o controle não seja efetivo, para que o ouro seja facilmente legalizado.
Para o pesquisador Luiz Jardim, Professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense – UFF, seria mais fácil controlar diretamente as áreas de extração através de satélite e inutilizar os equipamentos e a mina, visto que, após a saída do ouro do garimpo, é difícil seu rastreamento.
“Há diversos caminhos para o ouro ilegal, tem a evasão pelas divisas do país, o uso de cooperativas para lavar o ouro, as Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM’s) que declaram o ouro de origens fictícias e a lavagem por meio de joalharias de pequeno, médio e grande porte. Ou seja, são muitos os caminhos que dificultam o controle do ouro após sua extração. Ao meu ver, o melhor e mais eficiente seria inutilizar as minas e responsabilizar as empresas que produzem retroescavadeira e outros equipamentos de garimpo, para que haja um rastreamento e uma posterior inutilização em caso de uso em território sem autorização”, explica o Geógrafo.
O que são DTVMs? As Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários atuam no mercado financeiro e acabam sendo uma brecha para a lavagem de ouro, já que aceitam formulários preenchidos por garimpeiros sobre informações sobre o ouro sem a necessidade de comprovação da origem do metal.
De acordo com Jardim, a falta de fiscalização não está ligada apenas às dificuldades operacionais e ao gasto de capital para isso: é que não há, atualmente, nenhum tipo de interesse político em regular esse ouro, já que ele acaba sendo incorporado à economia do país através do mercado informal. Ou seja, o ouro entra no sistema e paga os impostos no momento em que se torna legal, e do ponto de vista do Estado, é uma mercadoria que transita pelos municípios e é incorporado à sua lógica econômica.
“Há um factoide difundido, principalmente por esse governo, de que se liberarmos garimpo em terras Indígenas esse garimpo se tornaria legal e esse ouro não iria se perder. Bom, o que a sociedade precisa saber é que esse ouro não se perde e o que mais temos são áreas passíveis de legalização, mas que operam ilegalmente para não fazer compensação ambiental e não cumprir condicionantes”, comenta Luiz.
Legal ou ilegal?
O atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), tem demonstrado desprezo pelas leis ambientais e tem incentivado o avanço do garimpo em território amazônico através de políticas governamentais e declarações de apoio em toda mídia. O governo facilitou a construção das pistas de pouso clandestinas ao implementar a Medida Provisória 1.089/2021, tirando a necessidade de autorização prévia da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para construção de pistas, assinando um decreto de estímulo à “mineração artesanal” na Amazônia, além da PL 191/2020, que autoriza a mineração em terras indígenas e tramita atualmente no Congresso Nacional.
A Deputada Federal e vice-presidente da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (CINDRA), Vivi Reis (PSOL-PA), acusa o Governo Bolsonaro de fazer manobras para alterar a legislação brasileira e entregar a Amazônia para uso dos empresários. Para a Deputada, o ouro ilegal que sai da região está vinculado a uma política de devastação dos territórios, incentivada pelo Governo Federal, e é preciso impor outro forma de fazer política, e não aceitar que “a boiada” passe por cima dos territórios e dos direitos ambientais e humanos.
“Esse Governo quer transformar o ilegal em legal através da flexibilização das leis. Nós estamos na contramão disso! Apresentamos o Projeto de Lei 2159/22 no Congresso Nacional, que é uma iniciativa da sociedade civil e que foi protocolada por mim e pela Deputada Joênia Wapichana (Rede-RR) para combater essa política. A intenção é que seja monitorado todo o procedimento da venda de ouro para que se tenha ciência da procedência, já que são muito comuns práticas de notas frias e falsificadas, e que, com esse novo protocolo, seja possível que se faça o rastreamento inclusive por notas eletrônicas”, defende.
Edição: Raquel Monteath
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