Por Laura Guido e Dioclécio Gomes, do Coletivo de Comunicação do MAM
O Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) completou 10 anos de muitas lutas e construções em todo o Brasil. Ao longo de sua jornada, se fez necessário entender de perto o problema mineral do país e quais são suas formas de afetação na sociedade e na natureza. Por isso, trazemos neste início de ano uma entrevista exclusiva com a pesquisadora Monaliza Antunes Ferraz, que se debruçou sobre nossa luta diária e destacou a importante atuação e papel do movimento no desenvolvimento de ações de promoção de saúde voltadas para as populações que vivem em regiões mineradas.
Monaliza teve interesse pelo tema após ter acompanhado os crimes que ocorreram em Minas Gerais em Mariana (2015) e Brumadinho (2019). “No meu entendimento, esses eventos chamaram atenção para a face destrutiva da cadeia da mineração”, afirma, e define o atual modelo de mineração como “causador de perversos efeitos ambientais, econômicos e sociais”.
Monaliza é mineira da cidade de Belo Horizonte (MG), e no ano de 2017 formou-se em Gestão de Serviços de Saúde pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em 2019, nesta mesma universidade, ingressou no Mestrado Profissional em Promoção de Saúde e Prevenção da Violência no qual, sob orientação da professora Jandira Maciel da Silva, desenvolveu estudo em linha de pesquisa sobre a Promoção de Saúde e suas bases: Cidadania, Trabalho e Ambiente.
Sua dissertação é intitulada Promoção de saúde em contextos de mineração: um estudo sobre ações realizadas pelo Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM) no estado de Minas Gerais.
O que te motivou a pesquisar essa temática no mestrado?
As imagens relacionadas aos rompimentos das barragens de Fundão e do Córrego do Feijão, e que foram amplamente divulgadas pelos meios de comunicação, desencadearam uma série de questionamentos e indignação naqueles que nunca tinham tido contato ou se atentado para a temática, que é o meu caso, por exemplo.
Você já tinha relação com o Movimento pela Soberania Popular na Mineração antes de começar a pesquisa?
Entrei em contato com o movimento quando decidi pesquisar sobre a atividade minerária e o modelo de exploração mineral brasileiro, a partir do estado de Minas Gerais, que se constitui historicamente com a marca da mineração e é considerado, até hoje, um estado estratégico para a atividade no país.
A escolha por essa temática e pelo MAM surge, então, em função das razões pelas quais se fundamenta sua existência: a necessidade de discutir o modelo mineral vigente, de seus efeitos degradantes e de uma nova proposição para seu formato. Os impactos da cadeia produtiva da mineração sobre os territórios e a saúde das populações afetadas são temas de destaque na sua pesquisa. Conta um pouco sobre esses impactos.
Tanto na pesquisa realizada a partir dos documentos disponibilizados no site do MAM quanto nas entrevistas com membros do movimento, os impactos da cadeia produtiva da mineração são enfaticamente abordados. No que diz respeito às regiões mineradas e suas populações, foi mencionada a intoxicação e o adoecimento devido à contaminação dos recursos naturais como água, solo e ar por metais pesados e pela poluição oriunda das atividades da cadeia de produção mineral, que acaba por ocasionar, também, doenças do sistema respiratório, câncer, problemas de pele, entre outros.
O consumo intensivo desses recursos naturais é outro aspecto mencionado e que, quando somado à sua contaminação, comprometem sobremaneira as atividades de subsistência e demais atividades econômicas, como a agricultura familiar, a pesca, a produção de alimentos livres de agrotóxicos, típicas dos modos de vida tradicionais que, quando não alterados, são totalmente desfeitos com a despossessão territorial das comunidades.
A precarização do trabalho no setor mineral também é tematizada. É citado o cenário marcado pela terceirização, pelo descumprimento das leis trabalhistas, por acidentes e mortes, adoecimento por exposição a metais pesados, afastamentos por invalidez, jornadas extenuantes, uso abusivo de álcool e drogas por parte dos trabalhadores… Nesta direção, outro impacto citado é o aumento da violência que incide sobre regiões mineradas e perpassadas pela cadeia produtiva da mineração devido ao processo de “masculinização” dessas regiões, ocasionado pela migração de trabalhadores da mineração e que afeta, em especial, as mulheres e o aumento nos casos de abuso sexual, assédios, estupros e gravidez precoce.
E quais seriam as formas de tentar reduzir esses danos?
O principal achado do meu estudo, no que concerne a relação entre a atuação do MAM e a promoção de saúde, está em duas ideias centrais que se apresentam, reiteradamente, como pano de fundo dos debates e discussões propostas pelo movimento: primeiro as causas da conformação do modelo mineral brasileiro analisadas, invariavelmente, a partir da posição periférica do Brasil na economia mundial; e, segundo, a proposição de um novo formato para esse modelo, tendo em vista a perspectiva da Soberania Popular na Mineração.
Ao propor esse debate, calcado nessas duas ideias, o MAM amplia seu discurso para além dos impactos da cadeia produtiva minerária sobre esses recursos e aspectos, considerados primordiais à saúde, e avança na discussão sobre as causas estruturais da degradação das regiões afetadas e das condições de vida e saúde de suas populações, qual seja o modelo de desenvolvimento econômico capitalista.
Como você analisa o projeto de Soberania Popular na Mineração enquanto pauta na nossa sociedade?
Ficou claro como todos os impactos negativos da cadeia produtiva minerária são oriundos do predomínio da economia de mercado sobre a atividade da mineração. Para o enfrentamento à essa dominação, o MAM propõe essa chave de pensamento, como a sua principal pauta mobilizadora, a Soberania Popular na Mineração e que se assenta no pressuposto da participação popular.
Temos aqui outro ponto de comunicação entre a perspectiva de promoção da saúde situada no âmbito da sua determinação social e a proposta política do MAM: a participação popular. Trata-se do mesmo pressuposto necessário à produção e promoção da saúde mediante a sua determinação, pois fomenta a potencialidade dos indivíduos e coletividades na luta pelos seus direitos; tornando-os capazes de análises e posicionamentos mais consequentes, mais livres, mais autônomos.
Edição: Coletivo de Comunicação do MAM
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