Encontro realizado em Belém no início do mês contou com a presença de pesquisadores da Fiocruz, da UFPA, Unifesspa e militância do MAM.
Por Ananda Ridart e Mayra Souza
Entre os dias 09 e 10 de março, a Universidade Federal do Pará (UFPA) recebeu pesquisadores, estudantes, indígenas, quilombolas, população ribeirinha e comunidade paraense em geral para o I Encontro Saúde, Mineração e Comunicação, promovido pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), através do projeto da Fiocruz “Mineração e Impactos Socioambientais”. O evento contou com diversos debates sobre os impactos da mineração industrial e do garimpo ilegal na saúde da população amazônida e os impactos sociais na região. Um dos focos do encontro foi a importância da comunicação como uma ferramenta aliada na luta pela soberania das populações que sofrem diretamente os impactos socioambientais da atividade mineral.
A região se tornou essencial para os debates em torno do problema mineral, já que é na região amazônica que está localizado o maior projeto minerário do país, o Projeto Grande Carajás. Durante a mesa de abertura “Conjuntura Mineral na Amazônia” composta pelo geógrafo João Márcio Palheta e o dirigente nacional do MAM, Charles Trocate, como a exploração mineral na região é peça chave dentro do modelo de desenvolvimento predatório no país e não há políticas de defesa para preservação de sua população.
“A Amazônia está no centro da rolagem perpétua do capital, e nós temos como inimigo permanente o Estado. O Estado Brasileiro nasceu sem Amazônia e contra a Amazônia”, afirma Trocate durante sua participação.
Reprimarização da economia
Na mesa “Panorama sobre a reprimarização da economia: O que o genocídio Yanomami tem a nos dizer?”, Ary Miranda, médico sanitarista e professor da Escola Nacional de Saúde Pública – Fiocruz, avalia a importância de se compreender a mineração num contexto mais global da lógica da inserção do Brasil na ordem capitalista internacional, tal como a atividade tem sido acentuada como parte do projeto de reprimarização da economia brasileira. O enfraquecimento das relações de trabalho e legislações trabalhistas frente às novas formas de exploração também foi pontuado, uma vez que dentro e a partir desses processos de exploração do capital, se criam as terceirizações e quarteirizações, os trabalhos sazonais – que ocorrem de acordo com a demanda, o teletrabalho – que isola as pessoas do conjunto social e mais recentemente a pejotização e uberização que trazem a lógica do algoritmo como validador do valor do trabalho. “A classe trabalhadora não tem mais memória social, fraternidade e planos de carreira, e a perspectiva de luta política fica prejudicada”, pontua Ary.
“A gente não pode pensar a mineração de forma isolada como não pode pensar o agronegócio, o madeiramento ou a extração ilegal de ouro de forma isolada. Isto tudo está dentro desse contexto da concepção neoliberal que se não for enfrentada, a gente não consegue resultado lá na ponta, então é fundamental que esse movimento aconteça agora para ele ter uma perspectiva e realmente conseguir avançar para garantir o direito aos trabalhadores, é preciso mobilização social forte”
Genocídio Yanomami
“A questão dos Yanomami é meio que a ponta do iceberg. Ela ganhou essa dimensão pela tragédia genocida e que significou a extração de ‘ouro inclusive legal naquela região’. Ilegal entre aspas né, porque obviamente que o governo sabia de tudo isso.”
Ary destaca que a mineração, dadas as características de como a atividade se executa no país, principalmente a mega mineração em todas as grandes empresas como a Vale, é o setor produtivo que mais mata no Brasil e que os processos produtivos da mega mineração são extremamente deletérios ao trabalhadores do setor e às comunidades no entorno, que sofrem com a degradação por rejeitos e substâncias químicas despejados nos rios, levando à contaminação da água, matança de peixes e esterilidade de ecossistemas próximos, o que inviabiliza a atividade produtiva dos pescadores ou mesmo pequenos agricultores da região, que necessitam da água do rio para irrigar sua terra e que o seu uso passa a não ser mais é possível, além de uma contaminação gigantesca no meio ambiente de uma maneira geral.
O processo de destruição ambiental inviabiliza o autossustento das comunidades tradicionais e os processos de extração ilegal de ouro causam contaminação e devastação gigantesca, principalmente pelo Hg mercúrio, utilizado no processo para amalgamar e separar o ouro mas que é despejado diretamente nos rios e se incorporar aos peixes. O consumo desse alimento contaminado pode gerar problemas de saúde como a intoxicação por chumbo, também chamada de saturnismo, que a longo prazo pode ser responsável por doenças crônicas de caráter irreversível, além de provocar a diminuição da natalidade das comunidades atingidas. De acordo com a Avaliação Global do Mercúrio de 2018, só em 2015 o garimpo ilegal e em pequena escala lançou cerca de 800 toneladas de mercúrio no ar, aproximadamente 38% do total global, e cerca de 1.200 toneladas na terra e na água. O envenenamento por mercúrio também representa uma ameaça grave e direta à saúde dos 12 a 15 milhões de pessoas que trabalham no setor em todo o mundo.
“O (Ricardo) Salles quando era Ministro do Meio Ambiente disse que era preciso aproveitar a situação para passar boiada. O que ele estava querendo dizer com isso é que era preciso desregulamentar tudo e deixar que o garimpo avance nas terras demarcadas dos indígenas, das comunidades tradicionais quilombolas, etc e liberar para que o capital acumule, logicamente ele tinha interesse nisso também, as consequências são essas”
Mineração e Saúde da população amazônida
A questão da contaminação e o impacto da saúde da população amazônida também foi discutida durante o encontro, a Dra. Simone de Fátima Pereira, coordenadora do Laboratório de Química Analítica e Ambiental e professora da UFPA, fez contribuições sobre os impactos da mineração na saúde hídrica do estado do Pará, expondo também os resultados que apontam alteração e alta concentração de elementos tóxicos assim como de doenças e patologias associadas à absorção desses elementos.
Em seu estudo mais recente, “Concentração de Cr, Mn, Ni, Pb e Zn em uma população que vive perto de uma área industrial no leste brasileiro da Amazônia”, publicado em 2022 no Jornal Internacional de Pesquisa – GRANTHAALAYAH, Simone avalia a exposição de uma população amazônica aos elementos Cromo, Manganês, Níquel, Chumbo e Zinco, utilizando o cabelo como bioindicador.
Os resultados mostraram que os teores médios dessas substâncias nos residentes estudados foram superiores às médias dos elementos na população de outros países.
Em estudo encomendado pelo MPF em 2018, realizado em 90 indivíduos de 14 localidades de Barcarena, polo industrial no estado do PA, onde diversas indústrias estão em operação, e algumas geram subprodutos altamente tóxicos, que acabam influenciando as condições sociais, econômicas e de saúde dos moradores, foram identificadas altas concentrações dos elementos: Alumínio, Cádmo, Cromo, Manganês, Níquel, Chumbo, Zinco entre outros. Nessa mesma população foram identificados casos de doenças de pele, queda de cabelo, saturnismo, diversos tipos de câncer e má formação congênita de fetos.
Comunicação é um instrumento de luta e informação
A comunicação popular acerca dos impactos socioambientais na região se tornou uma ferramenta necessária para informar a população das violações da mineração. Para Daniela Pantoja, jornalista e redatora do Podcast Raízes gravado do Baixo Amazonas, falar de quem vive e para quem vive na Amazônia não é uma tarefa fácil, mas é um desafio necessário.
“Nós estamos não somente nas rádios comunitárias, que acreditamos ser um importante espaço de incidência e ferramenta para a defesa dos territórios, mas também nas mídias sociais. Essa é a nossa proposta, fazer com que mais pessoas, dos campos, das florestas, das águas e das cidades tenham acesso a essas informações, que na maioria das vezes não são noticiadas na grande mídia. Queremos fazer nossos galhos crescerem e suas sementes serem partilhadas, regadas e colhidas nos quatro cantos do país e mostrar que mineração está destruindo sonhos e dilacerando vidas.” comenta a jornalista.
Dom Condeixa, Doutor em Comunicação e Informação em Saúde pelo ICICT/Fiocruz e professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), afirmou em sua participação que a comunicação é muito mais que a mídia impressa ou eletrônica, mas pode e deve ser usada como ferramenta de luta em defesa da população. Para o professor, aqueles que dão vozes aos impactados pela mineração, o fazem através de narrativas de superação, dessa forma não há um fluxo de informações, não estratégia nem continuidade sobre a temática.
“Comunicar é todo dia e estrategicamente. No meu ponto de vista, é necessário identificar entre os atingidos pela mineração, pessoas que possam se tornar porta-vozes, outros que criem e mantenham ferramentas de comunicação ativas. Levando de dentro para fora, as notícias relevantes, pautando a imprensa, pautando conversas com empresas, políticos, sociedade civil. Entretanto, é importante que tenham um Plano de Ação de Comunicação e um grupo de pessoas que falem, ainda que com um tom profissional, daquilo que vê, vive etc. A Soberania das comunidades atingidas só virá quando conseguirmos construir uma rede”
A mineração se apresenta como violenta em um território desde o momento de sua implementação, desde a retirada da população do local, as violações durante o processo de exploração e o abandono do território. De acordo com a engenheira e dirigente do MAM, Marta de Freitas, um projeto de mineração não traz o desenvolvimento prometido, em contrapartida adoece a população, os trabalhadores e o meio ambiente.
“A mineração não gera 1% dos empregos nesse país, mesmo incluindo os trabalhadores terceirizados, os irregulares. A rotatividade é alta, os salários são baixos. Mesmo assim, se vende a ilusão de que a mineração é uma grande empregadora.”
“É importante para a gente pensar aqui como trabalhar nestas questões de impactos na população, no meio ambiente, na biodiversidade brasileira, pensar em como fazer essa união dos trabalhadores da mineração com a população dos movimentos sociais que muitas vezes sofre os efeitos da mineração, daí a importância de um projeto que discute os impactos socioambientais da mineração”, finaliza Marta.