Após empreendimento não fazer consulta prévia, invisibilizar comunidades tradicionais e apresentar inconsistência na avaliação dos impactos aos pescadores, cientistas pedem suspensão do licenciamento ambiental do terminal de gás em Barcarena (PA).

 

Um relatório de pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) identifica irregularidades e recomenda suspensão do processo de licenciamento ambiental do Terminal de Gás Natural Liquefeito (GNL), da empresa Termogás, em Barcarena. Na próxima quinta-feira, dia 9, está marcada uma audiência pública no município, na Vila dos Cabanos, sobre os impactos ambientais do projeto para movimentação de gás natural na região. O Ministério Público Federal (MPF) já instaurou procedimento sobre o caso.

O Terminal GNL está planejado para ocupar parte do território do Conde, onde vivem comunidades tradicionais, pressionadas por cerca de 50 empresas de mineração, agronegócio, fertilizantes e logística instaladas em área que passou a ser chamada Distrito Industrial. Nos últimos 20 anos, segundo o estudo, ao menos 15 desastres foram registrados ali, gerando impactos socioambientais cumulativos.

A presença da Termogás na região atenderia interesses comerciais e de imagem da Hydro/Alunorte, que pretende substituir o óleo diesel e o coque de petróleo no processo de produção do alumínio por gás líquido natural. Com vistas à COP-30, o governo do Pará adota discurso de estímulo a uma ‘economia verde’, mas desconsidera os direitos sociais e territoriais das populações tradicionais.

“O projeto da Termogás faz parte de um projeto maior, tanto do governo do estado quanto das empresas, de criar uma imagem verde em torno do beneficiamento de minérios, da produção de soja e de dendê. O gás vai ser destinado para a produção de alumina e alumínio para exportação, uma indústria que é pautada pela destruição e poluição. E que vai continuar poluindo, mas vai lucrar mais com essa ideia de ‘alumínio verde’, que não existe. Infelizmente, as comunidades vão ficar mais impactadas, porque continua a poluição, há mais risco de desastres, menos território com cobertura vegetal, menos possibilidade de retomar suas vidas tradicionais”, avalia o professor Marcel Hazeu, coordenador do relatório.

De acordo com os cientistas, não foi feita a obrigatória consulta prévia aos povos e comunidades tradicionais das áreas diretamente afetadas pelo Terminal GNL, no caso, Barcarena e Abaetetuba (PA). A consulta prévia, definida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), avalia se há consentimento das comunidades para a instalação do empreendimento. O documento aponta ainda inconsistência quanto ao número indicado de comunidades afetadas.

“Teve uma reunião em que eles falaram que o Acuí não existe mais. Mas nós estamos aqui, estamos resistindo. As empresas vão chegando, vão espremendo a gente, vão tirando as pessoas. Nós temos o direito de ser consultados e esse direito não está sendo considerado pra gente. É por isso que nós estamos nessa luta”, afirma João Dias dos Santos, presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais do Acuí.

No levantamento da UFPA, é citada incoerência no estudo e no relatório de impacto ambiental apresentados para o licenciamento do Terminal GNL. Diferentemente do que a empresa alega, as restrições à atividade pesqueira não seriam temporárias, mas permanentes.

“Eu queria saber quais são os impactos diretos na pesca, na sobrevivência dos peixes”, diz Valdomiro dos Santos, pescador há 40 anos e presidente da Associação de Famílias Tradicionais do Curuperé.

Os pesquisadores recomendam que o caso saia da competência estadual e passe para o âmbito federal. Um dos motivos é que o governo do Pará, antes de qualquer análise, apresenta, no Plano Estadual de Atração de Negócio, o empreendimento da Termogás como de interesse público. Além disso, o Terminal GNL teria reverberações no rio Tocantins, alcançando bacias e microbacias de diferentes estados.

“Nós sabemos que todos os empreendimentos que chegam trazem uma quantidade muito grande de prejuízo pra nossa comunidade. E pro meio ambiente também. O território do Conde é habitado por povos tradicionais. Então está na hora da gente se levantar. Nós não queremos mais um empreendimento na nossa região. A gente precisa dar um basta, a gente já está cansado disso”, conta Euniceia Rodrigues, da Associação de Moradores de Canaã e Maricá.

Um termo de compromisso firmado entre o MPF, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), a Companhia de Desenvolvimento Econômico do Pará (Codec) e o estado do Pará, em 2016, definiu que o estado deveria fazer, em 18 meses, o licenciamento ambiental para o Distrito Industrial. Até hoje, o processo de licenciamento integral do polo não foi realizado.

 

Movimento pela Soberania Popular na Mineração