No Vale do Jequitinhonha (MG) há um total de 558 processos minerários ativos de lítio o que representa 18% do território da região.

Por Ananda Ridart e Ela lima 

 

A mineração de lítio está dentro de uma complexa discussão sobre transição energética no combate às mudanças climáticas. O minério, muitas vezes chamado de “ouro branco” da transição energética, é um recurso fundamental na produção de baterias usadas em uma ampla gama de dispositivos, desde telefones celulares até veículos elétricos. O Brasil está emergindo como um ator de destaque no cenário global da mineração de lítio, nos últimos anos, o país tem testemunhado um rápido crescimento na produção e na exploração de lítio, ao mesmo tempo que causa impactos socioambientais na população.

No dia 6 de julho foi publicado no Diário Oficial da União (DOU), o decreto nº 11.120/2022, que permite as operações de comércio exterior de minerais e minérios de lítio e de seus derivados. A medida promove a abertura e dinamização do mercado brasileiro de lítio, com o objetivo de posicionar o Brasil de forma competitiva na cadeia global, de acordo com o Ministério de Minas e Energia.

Construção da planta de produção e beneficiamento de concentrado de lítio da Sigma Mineração – Foto: Divulgação / Sigma.

Minas Gerais: Um Gigante do Lítio

O lítio está concentrado principalmente na região do Vale do Jequitinhonha, no estado de Minas Gerais. Entre 2021 e 2023, o Vale do Jequitinhonha experimentou um notável crescimento na produção de lítio, saltando do 11º lugar para o terceiro em termos de faturamento no país, ficando atrás apenas do ferro e do ouro, a produção de lítio no estado cresceu exponencialmente, alcançando um faturamento de R$ 1,44 bilhão entre janeiro e julho de 2023.

Segundo análises realizadas pelo Projeto de Pesquisa “Processos Minerários, Situação Agrária e Conflitos no Jequitinhonha” da UFVJM, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, na mesorregião geográfica do Jequitinhonha há um total de 558 processos minerários ativos de lítio. Destes, a maior parte encontra-se nas fases de requerimento de pesquisa, autorização de pesquisa e requerimento de lavra. Estes processos ocupam uma área total de 658.471,33 há, o que representa 18% do território do Vale do Jequitinhonha.

A extração de lítio requer grandes quantidades de água, e o Vale do Jequitinhonha é conhecido por enfrentar problemas de escassez de recursos hídricos. A gestão responsável da água se torna fundamental para garantir que a exploração de lítio não exacerbe a situação da água na região. Cada tonelada de lítio requer cerca de dois milhões de litros de água, o que sobrecarrega ecossistemas locais já fragilizados e desafia a disponibilidade de água para as comunidades da região.

Bruno Milanez, professor no programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora, onde atua na área de Política Ambiental, com ênfase em avaliação dos impactos da cadeia minero-metalúrgica, conflitos socioambientais e capacidade ambiental, explica que a empresa Sigma Lithium, atuante no Vale de Jequitinhonha, busca se posicionar como uma mineradora verde, no entanto, especialistas levantam a questão de até que ponto as operações de mineração podem ser verdadeiramente sustentáveis, considerando os altos impactos ambientais, o consumo de água e a geração de resíduos tóxicos associados a essa atividade.

Atualmente, a principal técnica de extração de carbonato e do cloreto de lítio é a evaporação de salinas. O processo começa por perfurar através da crosta e depois bombear a salmoura até à superfície para piscinas de evaporação, onde ela é deixada durante meses. Isso cria uma lama salgada composta por uma mistura de manganês, potássio, bórax e sais de lítio, que são depois deslocados para outra piscina de evaporação ao ar livre. Ou seja, a extração de lítio cria gigantescas piscinas radioativas, cujos riscos ainda não podem ser contabilizados, apesar de previsíveis: contaminação do ar, das águas superficiais e subterrâneas, e consequentemente de todo o entorno.

Além dos impactos ambientais, a mineração de lítio também levanta questões sociais. A exploração de lítio muitas vezes ocorre em terras ocupadas por comunidades locais, incluindo comunidades indígenas. A falta de consulta prévia a essas comunidades, conforme estipulado pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, é uma violação de direitos fundamentais.

Mapa de modelos minerários no Vale do Jequitinhonha de 1973 a 2020

Mapa de modelos minerários no Vale do Jequitinhonha de 2021 a 2023

“A venda da ideia do lítio como estratégico dificulta o movimento de resistência, porque pode parecer que as pessoas vão ter que sacrificar para salvar o mundo, quando na verdade não vai salvar o mundo” explica Milanez.

As atividades de mineração podem resultar na deslocação de comunidades, destruição de terras agrícolas e impactos na cultura local. As promessas de desenvolvimento econômico nem sempre se traduzem em benefícios tangíveis para as populações locais.

Para o professor Cláudio Scliar, especialista em Geociências e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a régua para medir a sustentabilidade da mineração deve ser outra.

“A régua que se deve ter para medir a sustentabilidade na mineração é a parte de qualidade de vida dos trabalhadores da comunidade nos territórios e a contribuição para um desenvolvimento justo sustentável para a soberania do país” aponta Scliar.

Em busca do “ouro branco” do Novo Mundo

A América Latina concentra no “triângulo do lítio” cerca de 60% das reservas mundiais desse mineral, considerado essencial para a produção de baterias que prometem substituir o uso dos combustíveis fósseis, cuja queima é responsável por boa parte da emissão de carbono na atmosfera. No entanto, pouco se fala dos impactos que serão causados pela indústria do lítio.

O golpe de Estado que derrubou Evo Morales da presidência da Bolívia, em 2019, teve como um dos principais motivos a disputa pelo lítio, um mineral estratégico para a transição energética. A Bolívia é o país com as maiores reservas de lítio do mundo, estimadas em 21 milhões de toneladas, o que representa 50% das reservas mundiais. O lítio é um componente essencial para a produção de baterias de lítio, que são utilizadas em veículos elétricos, smartphones, notebooks e outros dispositivos eletrônicos.

O governo de Morales, de orientação progressista, defendia uma política de exploração do lítio sob controle estatal, com o objetivo de gerar benefícios para o povo boliviano. Essa postura contrariava os interesses das empresas multinacionais, que desejavam explorar o lítio boliviano sob seus próprios termos.

No contexto da transição energética, o lítio tornou-se um recurso cada vez mais valioso. Com a crescente demanda por veículos elétricos, as empresas multinacionais intensificaram a pressão para controlar as reservas de lítio da Bolívia. O golpe de 2019 foi um golpe de Estado apoiado pelos Estados Unidos e pela direita boliviana. Os golpistas, liderados por Luis Fernando Camacho, prometeram revogar a política de exploração do lítio sob controle estatal, o que não aconteceu.

Milanez aponta que embora o Brasil tenha potencial para se tornar um importante player na indústria de lítio, é fundamental que o país enfrente essas questões de maneira estratégica e sustentável. Isso implica em um diálogo aberto com as comunidades locais, a implementação de práticas responsáveis de mineração e a consideração de como o lítio pode contribuir para a transição energética e o desenvolvimento nacional. O pesquisador afirma que o país parece carecer de um debate nacional sobre a nacionalização do lítio, enquanto países vizinhos como Bolívia e Chile já discutem a importância de garantir que os benefícios dessa riqueza mineral retornem às suas populações.

“O Brasil simplesmente não existe essa discussão de como garantir que esse lítio eventualmente seja usado de alguma forma para beneficiar o país, a não ser simplesmente exportar” afirma o pesquisador.

A exploração de lítio na América do Sul é um exemplo notável das complexidades enfrentadas pelo Sul Global ao desempenhar um papel vital na transição para um futuro mais sustentável. A busca pelo “ouro branco” deve ser conduzida com responsabilidade, mantendo o equilíbrio entre o progresso econômico, a preservação do meio ambiente e o respeito pelos direitos das comunidades locais.

 

Movimento pela Soberania Popular na Mineração