No encerramento dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Vale, em maio de 2023, a entrega do relatório revela aspectos cruciais do modelo de exploração mineral no Brasil. Além dos conhecidos casos de desastres, como em Brumadinho e Mariana, a CPI aponta para questões relacionadas à transparência nos repasses de compensação financeira, fiscalização da atividade mineral e participação popular nesses processos.
Em entrevista para esta matéria, Filippe Bastos, pesquisador e consultor da CPI, destaca os objetivos da comissão ao longo de dois anos. Ele revela as complexas transações da Vale no mercado externo, visando evitar encargos tributários no Brasil. A criação de subsidiárias na Suíça e nas Ilhas Cayman permitiu à Vale comprar e vender minérios a preços mais baixos, resultando em uma defasagem tributária significativa.
“A Vale, quando começou a sua internacionalização, começou a gerar uma discussão sobre os valores que ela estava recolhendo para o estado brasileiro em termos de CFEM. Lá em 2004, a Vale criou duas empresas subsidiárias da Vale SA. Uma delas é a Vale Internacional, que fica na Suíça, e a outra é a Vale Over 6, que fica nas Ilhas Cayman. Basicamente a Vale, que retira o minério do solo, vendia para Vale Internacional ou para Vale Ilhas Cayman, e essa Vale Internacional revendia para o cliente final “, comenta o pesquisador.
A Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), estabelecida pela Constituição de 1988, é uma contrapartida paga pelas mineradoras à União, Estados e Municípios. No entanto, a falta de transparência sobre o uso desses recursos e a ausência de distribuição eficaz geram críticas de movimentos populares e pesquisadores.
Gilliard Silva, professor de Economia da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e um dos coordenadores do Projeto De Olho na CFEM, destaca a hiperconcentração de renda gerada pela mineração no Brasil, prejudicando o diálogo com outras atividades econômicas nas regiões mineradas. Além dos impactos nas comunidades, as manobras da Vale para evitar a tributação interna resultam em um déficit no repasse de cerca de 7 bilhões de reais apenas para o estado do Pará, segundo Filippe Bastos.
Desdobramentos e Perspectivas pós-CPI
A CPI da Vale, iniciada em maio de 2021 e concluída em janeiro de 2023, teve desdobramentos positivos. A criação de um Consórcio de Municípios no Pará permite cooperação técnica com a Agência Nacional de Mineração (ANM) para fortalecer a fiscalização. A comissão externa de representação, formada após o encerramento da CPI, busca acompanhar a implementação das recomendações, os processos judiciais em andamento e a instalação de consórcios municipais.
Após o encerramento da CPI, foi constituído no parlamento uma uma comissão externa de representação, presidida pelo deputado Martinho Carmona; relatada pelo Deputado Bordalo e o deputado Bras de Parauapebas para acompanhar a implantação da recomendações da CPI, acompanhar os processos e negociação com a Vale, se os processos que estão em juízo estão andamento e acompanhar os municípios na instalação do seu consórcio. A comissão vai trabalhar outros aspectos da questão mineral, não apenas a Vale, mas um modelo de gestão mineral fundamental a ser implantado.
“É importantíssimo que os municípios que vivem o dilema mineral, eles tenham essa capacidade de aprofundar a sua capacidade de gestão sobre os recursos minerais. Com base em uma relação transparente, limpa com a ANM do ponto de vista de suplantar as deficiências da própria Agência” conclui Bastos.
Movimento pela Soberania Popular na Mineração
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