Por Brigada Carlos Drummond de Andrade – Maceió (AL)

 

A Capitania dos Portos de Maceió (AL) emitiu decreto em novembro de 2023 proibindo o acesso de pescadores e marisqueiras (pescadoras artesanais) à lagoa Mundaú, diante risco eminente de colapsos das minas da mineradora Braskem.

Diante da situação, que tirou a possibilidade de renda e subsistência dos pescadores e marisqueiras, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou que a mineradora instituísse um programa de compensação imediatamente, para garantir auxílio-financeiro aos trabalhadores e trabalhadoras da pesca.

Em vez de seguir as recomendações do MPF, a Prefeitura de Maceió distribuiu cestas básicas aos afetados pelo crime socioambiental da Braskem. A situação gerou insatisfação. “As cestas básicas não dão segurança alimentar nem geram renda para população que dependia da lagoa para sobreviver”, explica Elane Barros, coordenadora da Brigada Carlos Drummond de Andrade, do MAM, que tem atuado na região em solidariedade ao colapso ambiental de Maceió.

Maria*, moradora do bairro Flexal de baixo, há mais de vinte anos, salienta o problema da pobreza e da fome, condição de muitas famílias atualmente: “às vezes a gente dorme com fome, às vezes dorme com a barriga cheia e assim vai, mas estamos sobrevivendo”.

Peixes mortos encontradas na Lagoa Mundaú (Foto: Júlia Martins)

Cadê o Sururu?

Maria é marisqueira há quase 30 anos e, também, fala das modificações que sofreu seu trabalho na lagoa Mundaú. “Aqui eu fazia R$500 por dia no sururu. Uma lata dava 3kg. Uma mulher tirou um bocado de sururu essa semana aí de 8 latas só deu 2kg, não tá rendendo. O sururu era aqui ó, na beira da lagoa, não entrava nem pro fundo, era aqui, a gente tirava tudinho aqui. Era bom demais, depois que a Braskem mexeu aqui, acabou”, reclama.

O sururu é um molusco abundante e típico no estado de Alagoas. Sua coleta e venda é a base econômica de muitas mulheres marisqueiras, que estão agora em situação de vulnerabilidade econômica devido à escassez do marisco. Além da dificuldade para encontrar o sururu, outro fator que está impedindo a sua comercialização é a diminuição da sua qualidade.

Dona Joana, que mora no bairro Flexal de cima tem 86 anos de idade, dos quais trabalhou 45 anos com a venda de pescados: “hoje não tira mais nada na lagoa porque o sururu tá aquela lama, aquela coisa horrível. Era muito peixe, sururu, era uma coisa linda. Hoje tá nessa situação que tá!”, recorda.

Sururu (Foto: Andréa Guido)

Isolados

Outro agravante do impacto do crime socioambiental da Braskem foi a situação de isolamento socioeconômico nas comunidades que existem na margem da Lagoa Mundaú. O bairro Bebedouro era conhecido pelo forte comércio de pescados, o que atraía consumidores de todas as partes da cidade e garantia a vida econômica da região.

Dona Joana conta: “eu vendia peixe aí, tinha hora que o pessoal fazia aquela fila de gente na beira da minha banca, aquela fila de gente mode comprar peixe. Era sururu que fazia gosto, pessoal era direto tirando pra vender, vinha o povo de fora tudo comprar sururu aí, comprar peixe, comprar tudo, de primeira era assim.”, lamenta.

 

Mercado do Bebedouro (Foto: Andréa Guido)

Além do fim do comércio de pescados, Maria revela que a população foi afetada com o término de outros setores do comércio: “tinha padaria, tinha venda, mercadinho, agora não tem mais nada disso”.

Isto aumentou drasticamente os custos de vida dos comunitários que agora precisam se deslocar para lugares distantes a fim de comprar mantimentos e acessar sistemas públicos: “a gente vai pro Tabuleiro [do Martins, distante 7km dos Flexais], o Tabuleiro é longe, sabe quanto paga pra ir pro Tabuleiro? De uber, 20 conto. Já dava pra comprar o pão. A farmácia é lá em cima, tem que subir também essa ladeira, né? Pagar R$10 pra subir de moto. Aqui de primeira tinha posto de saúde, [hoje] não tem nada disso. Aqui não tem nada não.”, faz as contas Maria.

Doenças

O crime da mineradora Braskem, além de causar a expulsão de várias pessoas de suas casas, encerrar a história de vários territórios e deixar a população que vive no entorno da lagoa em situação de vulnerabilidade econômica, é responsável também pelo adoecimento físico e psicológico destas pessoas. Até o momento já foram registrados 14* suicídios e um aumento exponencial de casos de ansiedade e depressão na cidade de Maceió, de acordo com o próprio Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

É possível que haja um processo de subnotificação desses casos, uma vez que as pessoas que estão em situação de isolamento socioeconômico não conseguem acessar os aparelhos de saúde pública da forma devida.

Uma das lideranças do bairro Flexal de Baixo que não quer se identificar, diz que ambulâncias não adentram o bairro, levando a morte moradores.

“Já tivemos casos de morte, porque chamamos o SAMU, e eles não vem porque dizem que o bairro é abandonado e perigoso, ou seja, estamos vivos/mortos aqui”.

Isolamento, impossibilidade da pesca e medo de afundamentos dos bairros que não foram interditados pela defesa civil, onde moram cerca de 3 mil pessoas, conforma levantamento censitário da prefeitura de Maceió levam as pessoas diversas doenças psicológicas e por conseguinte física.

Dona Joana diz que é comum ver pessoas chorando e se perguntando: “como é que nós vamos viver agora?”. Ela mesma, diz estar enferma: “eu só vivo doente. Se eu tivesse um canto para ir, eu já tinha saído daqui. A minha filha entrou em depressão e é tão nova”.

Impacto na vida das mulheres

Para Elane Barros do MAM, a situação provocada pela Braskem em Maceió e nas cidades do entorno da Lagoa Mundaú reflete as principais características do problema mineral brasileiro no impacto da vida das mulheres.

“Neste caso observa-se mais uma vez como as mulheres são as mais afetadas pela mineração. As marisqueiras, trabalhadoras que já viviam num ritmo de trabalho desgastante, com uma jornada de trabalho extensa e em condições insalubres, precisam agora se deslocar para locais mais distantes e ainda assim coletarem um marisco de menor qualidade – comparado aos de anos anteriores – o que provoca mais tempo de trabalho e diminuição de renda”.

A militante chama atenção para o aumento da jornada de trabalho dos homens pescadores também reflete no aumento do tempo de trabalho doméstico das mulheres, assim como nas tarefas de cuidado, influenciadas pelo processo de adoecimento da população que vive em territórios minerados.

 “Estes trabalhos, apesar de exaustivos e fundamentais para a reprodução da vida das famílias, passam por um processo de invisibilização que se concretiza na falta de políticas de compensação – destinadas ao cuidado dessas mulheres”, conclui.

A pauta da realocação é a principal bandeira das moradoras e dos moradores  dos Flexais, sobretudo dos que viviam da mariscagem e da pesca.

 

Movimento pela Soberania Popular na Mineração