Bairros afetados pela mineração em Maceió sofrem com impactos devastadores e falta de suporte enquanto a mineradora projeta imagem de responsabilidade social

Por: Mayra Souza e Giselle Palheta – Coletivo Nacional de Comunicação do MAM

Numa busca rápida pela internet pelos termos Braskem e Saúde, o primeiro resultado da busca direciona para a página da mineradora petroquímica, onde se lê: “Saúde e segurança: quatro pilares de atuação em saúde: física, emocional/mental, sócio familiar e ocupacional”; rolando mais barra de busca se lê: “Considerando que os cuidados com Saúde, Segurança e Meio Ambiente são valores empresariais básicos para a Braskem”.

Mas, a realidade é bem diferente da propaganda. 

A Braskem é a causadora do maior crime socioambiental em curso do mundo provocado pela mineração. Atuante a mais de 4 décadas em Maceió, através da exploração de sal-gema (cloreto de sódio, usado na produção de soda cáustica e de policloreto de polivinila – PVC), para extração desse minério, a empresa cria verdadeiras “cavernas” com dimensões maiores do que as de um campo de futebol. 

Em 2018 fortes chuvas atingiram a capital alagoana e rachaduras tomaram conta de diversas residências no bairro Pinheiro. Em março do mesmo ano, foi registrado abalo sísmico no local, com tremor de intensidade alta, 2,5 na Escala Richter (CPRM, 2019); mais de 60 mil famílias foram obrigadas a deixar seus lares sob risco iminente de agravamento no solo. 

Em dezembro de 2023, houve o rompimento de uma das minas. Mas de acordo com a Defesa Civil do município, não havia “qualquer risco” para a população. Após essa série de episódios, moradores carregam o medo de viver na capital que está sendo engolida pela mineração somada à negligência da mineradora e do Estado (Braskem: Bairro em Maceió está afundando meio centímetro por | Geral). A necessidade urgente de evacuação, o risco de colapso das minas e a espera por realocação e políticas de reparação provocaram inúmeros traumas na população que vive em torno desse cenário. 

Diele Amorim, Médica Popular, Pós Graduanda em Medicina de Família e Comunidade e Militante do MAM, relata a situação dos comunitários que vivem no entorno da área onde houve o colapso: “A população é refém de diversos transtornos psicossomáticos, causados pelo desespero na espera por uma resposta dos órgãos responsáveis, seja para realocá-los seja para dar alguma assistência em serviços que são básicos para um povo como saúde, educação etc.”

Diele relata que no bairro Bebedouro (comunidade dos Flexais, um dos cinco bairros afetados pelo afundamento e que está situado nas margens da lagoa Mundaú), as histórias dos comunitários se repetem em um contexto de abandono.

Antes do último rompimento de uma das minas, todo complexo diretamente afetado pela Braskem, era atendido pelo hospital geral Sanatório, no bairro Pinheiro. Hoje é mais um prédio que se perde no meio de todos os demais interditados e abandonados. Atualmente a população que resiste sobrevivendo no bairro do Bebedouro, segue sem serviço de saúde pública. 

Diante da situação, em maio de 2024, a Defensoria Pública da União (DPU) Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL) ajuizaram ação civil pública contra a Braskem, o Estado de Alagoas e a Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal), requerendo a construção imediata de um novo Complexo de Saúde Mental, mas ainda não houve homologação. Enquanto isso, anula-se o direito à saúde mental da população alagoana, especialmente daqueles que dependem de cuidados psiquiátricos. 

Seu Damião, morador do bairro Bebedouro e pescador há mais de 20 anos, relata que sua filha mais nova precisou tomar medicação para ansiedade: “Nossa filha de 16 anos teve que tomar remédio pra preocupação e ansiedade, agora que ela tá deixando aos poucos’’. Sua família vive em um pequeno barraco de lona na beira da lagoa, sem as menores condições dignas de vida. 

“Os pescadores e marisqueiras são uma categoria completamente esquecida, os que não  estão aposentados, estão parados sem qualquer expectativa de vida, pois o rio onde antes pescavam e de onde tiravam o sustento de suas famílias, hoje é território dominado pela Braskem, e estes trabalhadores são proibidos de se aproximar da zona”, relata Diele Amorim.

Diele salienta que toda essa ausência da atenção primária à saúde nesses territórios de atuação das mineradoras, só reafirma que a maneira cruel de como está colocado esse setor, é um problema de saúde pública.  

Na última quinta-feira (31) mais um noticiário retrata as facetas da mineração: Dona Maria Tereza da Paz (conhecida como Dona Pureza), 63 anos, ingeriu veneno e cometeu suicídio. De acordo com os vizinhos, depois de dar veneno ao gato e à filha especial, tirou a própria vida. A filha foi encaminhada ao Hospital Geral do Estado, onde permanecia em observação, até o final da tarde de sexta-feira (1).

Dona Pureza deixou um bilhete com as seguintes palavras:“Cada vez que eu vejo os benefícios da Braskem, a minha desilusão aumenta. Estou cada vez mais depressiva, em saber que vou ficar nesse isolamento para sempre. Pureza”.

Bilhete deixado por Dona Pureza. Foto: Reprodução

Foi esse o bilhete que a dona de casa deixou escrito com letra do próprio punho em uma folha de papel pautado, com data do dia 30 de outubro de 2024. O bilhete foi achado pelos vizinhos e colocado nas mídias sociais, com sinal de luto e protesto por mais uma vida ceifada, entre as vítimas da mineração em Maceió.

Segundo o conceito ampliado de saúde do SUS “Em seu sentido mais abrangente, a saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. A saúde não é um conceito abstrato. Define-se no contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas.” Condições estas que estão bem distantes da realidade das comunidades afetadas pela mineradora Braskem.

De acordo com o relatório anual Conflitos da Mineração (Mapa dos Conflitos da Mineração 2022 aponta 792 localidades e 932 ocorrências em 2022 envolvendo ao menos 688.573 pessoas no Brasil, o que demonstra um aumento de 22,9% das localidades envolvidas em conflitos – Em Defesa dos TerritóriosEm Defesa dos Territórios), o estado de Alagoas ocupa a terceira posição no ranking nacional em número de pessoas atingidas por conflitos minerários, o que corresponde a 10,1%. O Mapa de conflitos, injustiça ambiental e saúde no Brasil, da Fiocruz divulgado em 2021, informava que houve registros de mais de dez casos de suicídios entre os moradores atingidos pela Braskem. De acordo com o Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), esse número chega aumentou para 20 o número de afetados pela mineração que cometeram suicídio, de 2018 para cá.

Em nota técnica emitida por pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS) e do Centro Universitário de Maceió (UNIMA) discutem-se os profundos impactos dos desastres ambientais na saúde mental das comunidades atingidas, com foco especial nas tragédias enfrentadas por famílias como a de Dona Pureza (acesse a nota completa no link:  A análise destaca a necessidade urgente de uma abordagem compreensiva e interventiva, que vá além dos danos materiais e geológicos, abordando o sofrimento emocional e psíquico dessas populações.


Os crimes socioambientais impõem severos impactos na saúde das populações e comunidades impactadas, o sofrimento social, decorrente da vivência próxima a áreas de desastre, inclui não só dores físicas, mas também emocionais e psíquicas. A nota técnica aponta para a essencialidade de criação do Mapa de Setorização de Danos e de Linhas de Ações Prioritárias que considere também as questões de saúde mental, e não apenas os danos geológicos.

Contudo, há uma contradição nas ações das empresas mineradoras responsáveis por grandes crimes, como a Vale e a Braskem, que se apresentam como defensoras do bem-estar das comunidades impactadas, mas frequentemente centralizam e controlam o processo de assistência. A exemplo, a Braskem divulgou que oferecia apoio psicológico à comunidade dos Flexais após o incidente com Dona Pureza, mas sem uma consulta adequada às necessidades das pessoas afetadas.

Moradora da comunidade dos Flexais com uma criança; ao lado, faixa com os seguintes dizeres: “Flexais em luto. Braskem Criminosa. Justiça se cala e o povo chora”. Foto: Carlos Eduardo / Cotidiano Fotográfico.