Por: Beni Carvalho (CPT), Fabiano Paixão (MAM), Mateus Britto (CEAS/MAM) e Taciere Santana (MAM)
O I Encontro dos Pesquisadores/as da Questão da Mineração na Bahia, ocorrido entre os dias 4 e 6 de novembro, possibilitou um importante momento de diálogo entre organizações populares e setores da universidade.
Com uma mensagem de “colocar a ciência a serviço do povo”, a atividade foi marcada pela exposição de pesquisas relacionadas à luta mineral por toda a Bahia e pela análise cuidadosa da conjuntura baiana e brasileira por pesquisadores e representantes comunitários.
A partir dos debates feitos no encontro, apresentamos uma reflexão coletiva sobre a conjuntura mineral na Bahia, visando qualificar nossa leitura e atuação diante da expansão do modelo mineral no estado. É de fundamental importância que nesse período saibamos conjugar o conhecimento popular e o científico para direcioná-los para a luta pela soberania popular na mineração.
O papel da Bahia na reprodução do modelo mineral
A Bahia é alçada nas manchetes dos jornais como o estado ideal para a expansão mineral no Brasil. É um estado conhecido pela sua diversidade mineral, com registro de mais de 50 substâncias produzidas e com atividade mineral em 240 dos 417 municípios. A Bahia ocupa também a terceira posição na arrecadação de CFEM ao nível nacional, ficando atrás de Minas Gerais e o Pará, respectivamente.
O estado baiano chegou a essa repercussão no campo da mineração, ancorado no papel que a mineração assumiu na economia mundial. O primeiro aspecto é que diante da crise do modo de produção capitalista, os bens minerais aparecem como bens fundamentais para a extração de valor extraordinário para os capitalistas, que buscam recuperar incessantemente as taxas de lucro.
Há também uma profunda disputa tecnológica entre o sistema imperialista, liderado pelos EUA, e o campo de enfrentamento a esse sistema, liderado por China/Rússia, assim como o processo de transição energética conduzida pelas potências econômicas, que acelerou a apropriação dos minerais considerados estratégicos (lítio, níquel, terras raras, nióbio e outros).
Associado a esse fator, o imperialismo busca sustentar a sua hegemonia a partir do confronto militar, levando o aprofundamento do conflito político e bélico ao nível mundial e intensificando a corrida tecnológica armamentista, o que também influencia a demanda a especulação mineral. Esse contexto provocou 1725 conflitos no Brasil na última década e mais de 3 milhões de pessoas envolvidas, sendo o principal causador as mineradoras internacionais (POEMAS, 2024).
Além do momento conjuntural favorável ao setor mineral, a mineração compõe a formação social, econômica e territorial do estado baiano. A busca por minerais nunca cessou desde a invasão portuguesa. Essa dinâmica sempre se articulou a partir da violência e da superexploração do trabalho dos/as negros/as e povos indígenas, aliada a destruição da natureza. O desenvolvimento do capitalismo no Brasil e na Bahia se articulou sob a manutenção de bases fundamentais do racismo, que se desdobraram na divisão do controle da propriedade fundiária agrária, urbana e do subsolo, e a marginalização dos povos radicalizados.
Mineração e domínio de territórios tradicionais
As áreas não valorizadas pelo capital em certos períodos e que foram ocupadas e retomadas com muita luta pela população negra e indígena se constituíram como territórios de proteção ambiental, produção econômica e culturais.
Diante da necessidade do capital aprofundar as suas condições de extração e apropriação de mais-valor, essas áreas passaram a ser cada vez mais disputadas pelo setor mineral, o que ocasiona uma média superior a mil o número de pesquisas de minérios por ano desde 2010 e desencadeia o atual cenário de conflitos no campo no estado baiano com 249 ocorrências (CPT, Caderno de Conflitos, 2023), principalmente em territórios ocupados por povos tradicionais.
Não é casual que, apesar do estado possuir a maior população negra fora da África e ser ocupado por diversos povos tradicionais do campo, apenas uma minoria tenha sido beneficiada com alguma política de regularização fundiária. Houve nos primeiros governos petistas tímidos reconhecimentos simbólicos da existência desses povos, mas apartado de qualquer reconhecimento efetivo da posse da terra já exercida por esses sujeitos históricos. A medida governamental foi precaver o controle dessas áreas para maior domínio e gerência do subsolo em favor da mercantilização da mineração.
A ausência de políticas de reformas estruturais (como a reforma agrária, reforma tributária e política) nas gestões petistas, associada ao retrocesso imposto pelas forças golpistas e de extrema-direita no último período, com destaque para a sucateamento da ciência, tecnologia e a privatização de empresas e bens públicos, aprofundou a dependência econômica brasileira da mercantilização da natureza, e beneficiou o setor mineral, fortalecendo o poder e a hegemonia das frações burguesas da mineração.
Na Bahia, a primeira vitória do governo petista, ocorre num momento de crescimento da mineração no Brasil e na Bahia. Os primeiros governos do PT buscaram atrair, em especial, o investimento do PAC para desenvolver projetos estruturantes do capital mineral, envolvendo ferrovias, portos e rodovias.
Ao mesmo tempo, o governo mantinha os órgãos ambientais, como a Secretária do Meio Ambiente (SEMA) e o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA), tutelados por representantes diretos do setor de energia, do agronegócio e da mineração, facilitando a flexibilização das regras e da fiscalização ambiental. Os governos petistas fortaleceram a Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM), empresa estatal que recebe contribuição da CFEM e que a utiliza como aporte de investimento e autonomia para fomentar de forma segura a expansão do capital mineral do exterior, a partir das pesquisas, projetos de logística e propaganda da mineração como eixo de salvação do estado, “a Bahia de todos os minérios”.
Nesse contexto a mineração é colocada como única salvação econômica e política nas propagandas do estado da Bahia, porém, a realidade das populações do campo e da cidade é de extrema violência. O estágio da operação das mineradoras é carregada por violações ambientais, sociais e econômicas. E apesar da mineração estar associada a riscos profundos de impactos como esses, não há construção de medidas resolutivas concretas, pelo contrário, a corrida mineral expande pesquisas e possibilidades de mineração em territórios, comprometendo o abastecimento hídrico, a saúde da população, a agricultura familiar e outras economias locais, como o turismo.
O governo e as empresas se escondem no oportunismo dos discursos vazios e contraditórios, como o que envolve a responsabilidade corporativa, social e ambiental. Na essência, há apenas criação de mais nichos de mercado, como o mercado de carbono e o “hidrogênio verde”, e relações de domínio de território.
Quem é beneficiado por esse modelo?
Os três principais bens minerais produzidos em 2024 na Bahia foram o ouro, cobre e rochas ornamentais, sendo responsáveis pelo maior número de exportações no primeiro semestre. Os três somados corresponderam nesse mesmo período a 83% do valor total das exportações no estado.
O capital mineral, que controla mais de 80% da produção mineral baiana comercializada se concentra em 10 empresas. A maioria destas são controladas por capital canadense e a maioria das exportações dos nossos minérios se destinam a China e Canadá. Como a lei Kandir exime as empresas exportadoras do pagamento de ICMS e incentiva a política de exportação sem recolhimento fiscal, ao longo desses anos a Bahia perdeu bilhões de reais em arrecadação.
Nessa corrida envolve-se a concorrência entre burguesias do sistema imperialista, capital chinês, e capital nacional, havendo uma hegemonia do capital internacional. Os sujeitos afetados são povos racializados, na sua maioria habitantes das zonas rurais, mas com crescente cenário de afetações nos sujeitos urbanos devido à construção da infraestrutura de escoamento, em especial a FIOL e o Porto Sul, assim como são afetados inúmeros trabalhadores das cidades que sofrem e sofrerão crise de abastecimento hídrico, oriundo dos impactos da mineração sobre as bacias hidrográficas. Os principais impactos envolvem apropriação e expropriação territorial, destacando-se a grilagem, ou seja, o problema mineral está associado ao problema agrário, contaminações ambientais e sanitárias, destruição dos territórios e de bacias hídricas.
Esse modelo provoca uma permanente expulsão dos sujeitos do campo, muita concentração de renda, conformando o estado com o maior índice de pobreza, e a necessidade do uso da política policial como instrumento de contenção e controle e social, sendo a Bahia o estado responsável pela polícia mais violenta do Brasil.
Por um modelo mineral soberano e popular
Os desafios para fazer avançar a luta pela soberania popular na mineração perpassam pelo permanente trabalho de organização, formação e mobilização com o povo direta e indiretamente afetado, aspectos secundarizados na maioria do trabalho das organizações diante da centralidade da luta eleitoral assumida nas últimas décadas.
Há um desafio geral de derrotarmos o neofascismo, que é um movimento reacionário de massas e que vem ascendendo politicamente, colocando em risco todas as forças democráticas e populares. Esse desafio está aliado ao de construirmos uma frente popular que organize e mobilize um programa que enfrente as amarras neoliberais do governo e a política de concessão à direita que vai nos deixando extremamente vulneráveis. Sem a constituição de uma frente e sem um programa popular, as organizações populares irão paulatinamente perder a relevância política na sociedade.
No enfrentamento ao modelo mineral na Bahia, o desafio é a construção de um programa mínimo e imediato dos afetados/as pela mineração, que garanta a defesa dos territórios, melhorando as suas condições de produção e reprodução da vida e o desenvolvimento debate de um programa estratégico de soberania, pautado na necessidade de garantirmos a defesa, o controle e a democracia da condução política mineral pelo povo brasileiro e baiano. Esse processo exige, criatividade, estudo e trabalho paciente de organização que possa conectar e potencializar as resistências existentes.
Movimento pela Soberania Popular na Mineração
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