Há poucos dias do Encontro Nacional do MAM, Magno Costa, dirigente do movimento na Bahia ressalta na entrevista abaixo, a importância de nacionalizar uma organização para combater o problema mineral no país.

“As lutas territoriais devem estar casadas com as lutas por um projeto político mineral nacional”.

Ainda, suscita o significado dos grandes empreendimentos de escoação do saque mineral, como as ferrovias, que se tornaram verdadeiro tormento as populações cortadas por elas.

Confira a entrevista abaixo:

MAM-O que significa a implementação da Ferrovia de Integração Oeste-Leste ( FIOL) na Bahia?

Magno Costa – A FIOL é um projeto do governo federal criado no contexto do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e que, desde ano de 2010, vem sendo executado pela empresa VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias S.A.
A implementação da FIOL é uma imagem caricaturada do que significa a cadeia espoliativa deste modelo mineral que vivenciamos. O projeto foi realizado mediante expulsão de agricultores de suas terras, grilagem de terras pertencentes ao Estado, destruição de fontes de água, nenhuma consulta as famílias que seriam impactadas, dentre outras ações antidemocráticas própria do modus operandis destes grandes projetos.

Em termos concretos sua execução está a mercê do preço do ferro já que a ferrovia tem como principalidade o escoamento da produção da BAMIN. (Bahia Mineração S/A, pertencente a Eurasian Natural Resource Corporation). Como o ferro do Projeto Pedra de Ferro, pertencente a BAMIN é de baixa qualidade e o preço desta commoditie está na casa dos 60 US$ a empresa, mesmo com o apoio do governo, espera melhores condições econômicas para dar consequência a obra.

MAM- Qual a problemática das ferrovias hoje para o estado baiano e para o país?

Magno Costa- O problema não é a ferrovia em si, na verdade as ferrovias são um dos meios de transporte mais barato e seguro para escoar a produção agrícola e outros produtos.
A questão é que desde a Estrada de Ferro Mauá inaugurada no Rio de Janeiro em 1854 até os dias de hoje nunca tivemos um plano duma malha ferroviaria voltado para as reais necessidades do país. Temos um território continental, mas a malha ferroviária que toma fôlego com os barões do café e capital inglês no sec. XIX logo depois é sucateada quando poderia servi os trabalhadores e camponeses da nação.
Como afirma a professora Maria Lúcia Lamounier em seu livro Ferrovias e mercado de trabalho no Brasil do século XIX o que temos é uma malha ferroviária construída entrelaçada aos interesses do mercado financeiro internacional sem nenhum planejamento a longo prazo.
Isso demonstra que o povo da região está excluído do processo. Como diz uma das impactadas na região do sul da Bahia: “esse monstro não faz parte da gente”.

MAM – Estes empreendimentos só são possíveis com o consentimento do Estado e a indução da sociedade, ainda que na sociedade há os que ganhem dinheiro e os que perdem em tudo, em especial os afetados. Há perspectiva de que esta razão conjuntural da indústria extrativa da mineração vai se esgotar?

Magno Costa – Essa estrutura econômica de saque de bens naturais, como os nossos minérios, não é de hoje. Faz parte de um processo político próprio dos países de capital periférico que tem seus interesses associados aos objetivos das grandes corporações. Como faz parte duma estrutura econômica ela não é conjuntural, pelo contrário, o modelo de mineração atual só será esgotado por dois caminhos: quando forem utilizadas todas as nossas reservas minerais o que significaria um colapso, a barbárie ou mediante luta organizada contra este modelo mineral.

O Estado utiliza as contradições próprias deste modelo econômico e transforma o que é aparente em essencial. Exemplo, a questão do emprego. Sabemos que a mineração gera pouco emprego em termos absolutos (o setor mineral atualmente é muito mecanizado e exige especialização profissional, para as comunidades fica os empregos terceirizados, quarteirizados e de baixa remuneração.

Por isso, lutar contra esse modelo não significa ser contra a mineração e sua cadeia produtiva. Mas sim, apontar os pontos de superação deste modelo construindo simultaneamente outro que resolva os problemas da realidade concreta do nosso povo e não a estabilidade de lucros das transnacionais.

MAM – A Bahia é realmente um atraso em termos econômicos como a elite nacional propaga? E por isso caberia esse discurso de progresso pela atividade de mineração a qualquer preço?

Magno Costa – Na realidade a Bahia é um dos estados brasileiros que tem maior diversidade econômica. Da pesca a indústria de transformação, somos o principal estado do nordeste que mais emprega, temos o maior PIB, o maior setor industrial, somos o que mais exportamos. Na verdade a questão baiana, a sua “pobreza” é a sua riqueza.
Mas resumidamente o que está em jogo é que o estado baiano tem um leque de mais de 40 minérios, somos ricos em biodiversidade, temos um imenso litoral que permite escoar mercadorias para várias partes do mundo. A narrativa da pobreza é utilizada, principalmente no semiárido para legitimar a implementação de grandes mineradoras que tudo destroem e nada deixam para as comunidades (ex.: A Lípari na cidade de Nordestina que em 2016 lucrou aproximadamente 18,8 milhões de dólares), para legitimar a implementação das grandes fazendas irrigáveis que utilizam as águas dos rios da região para garantir a produção de commodities.

Nesses termos a falácia do progresso é parte estruturante da modernização conservadora que nos acompanha historicamente.

MAM – Qual o fenômeno que explicaria o dinheiro chinês nesse estágio da mineração, na Bahia. Há alguma mudança significativa na geografia da política internacional mineral?

Magno Costa – O golpe que sofremos nos fragilizou no BRICS e isso coloca as questões políticas e econômicas em outro patamar. O Brasil está cada vez mais distante dum projeto político de longo prazo. Isso em termos específicos trás mudanças de qualidade no diálogo entre a China e o Brasil e consequentemente a Bahia.
Pós boom do preço do ferro a única maneira de garantir continuidade aos projetos iniciados no estado baiano é com capital chinês. Só que agora o Brasil, com o golpe e a tentativa de realinhamento aos EUA, não é um aliado político, apenas um parceiro econômico, nesse sentido o estado baiano será apenas mais um local de investimento e perderá ainda mais capacidade de rendimento fiscal nas relações com a China.

O plano de desenvolvimento integrado da economia baiana proposta pela secretaria de desenvolvimento até 2035 é uma abertura sem precedentes para as empresas chinesas.

O atual estado de disputa interimperialista entre EUA e China, a caracterização da expansão chinesa pautada pela globalização e a possibilidade de materializar investimento aqui no estado são cenários que se articulam e tem como consequência o aprofundamento do saque dos bens naturais do estado baiano, seja da terra, da água e outros minérios (exemplo: Ferro, Terras Raras, Níquel, do Vanádio que é base da nova tecnologia de “vergalhão” chinesa, mais resistente a terremotos para a construção civil).

MAM- Nesse sentindo é possível prever as catástrofes, já que a mineração leva a exaustão dos bens naturais de um bioma, como a caatinga e o semiárido, que está na sua evolução máxima dos últimos 5 bilhões de anos?

Magno Costa – Sem querer ser alarmista posso afirmar que em relação ao Cerrado e a Caatinga essas catástrofes já acontecem, mas não da maneira que ocorreu em Mariana, ela se dá silenciosa e lentamente.
Resultando na perda da biodiversidade, distúrbio da recarga de água, assoreamento dos cursos de água, eliminação das áreas de extrativismo, fechos e fundos de pasto, aniquilação da cultura geraizeira dentre outras questões.
Tudo isto ocorre em função de interesses econômicos e políticos que têm o Cerrado e a Caatinga como mero espaço físico para a expansão do agronegócio, do hidronegócio e da mineração.
E aqui fica evidente a importância política da água. No último período tivemos vários conflitos devido ao uso descriminado da mesma. Se colocarmos os interesses da população, seu modo de reproduzir a vida e as características do Cerrado e da Caatinga diante da atual estrutura das empresas de mineração que utiliza água na pesquisa, na extração, no beneficiamento e na circulação chegamos a conclusão que são cenários antagônicos.

MAM- Esse super- desperdício da água pode ser mensurada em números?

Magno Costa – A Comissão Pastoral da Terra de Caetité fez o seguinte: para extrair 1 tonelada de minério são necessários 6000 litros de água. Quanto menor for a pureza do minério, maior será o volume de água empregado.
O minério do Projeto Pedra de Ferro da BAMIM tem um grau de pureza de aproximadamente 30%. Isso significa que cada 1000kg de material extraído da natureza , 700kg será descartado em algum lugar do ambiente. A BAMIN pretende extrair 19.000.000 (dezenove milhões) de toneladas de minério por ano.
Isso significa um consumo aproximadamente de 114.000.000.000 ( cento e quatorze bilhões de litros de água por ano). No nordeste, estima-se que o programa ASA – Articulação Semiárido implantou 615.012 cisternas de captação para consumo humano através do P1MC – Programa um Milhão de Cisternas, o equivalente a um volume de 9.840.192.000 (nove bilhões oitocentos e quarenta milhões e cento e noventa e dois mil) litros de água armazenado. A BAMIN vai se gastar mais água em um ano do que foi utilizado para encher todas as cisternas do semiárido nordestino no último período.

MAM – Podem os afetados da indústria extrativa da mineração se organizarem contra ela exigindo áreas livres da mineração?

Magno Costa – As áreas livres de mineração fazem parte do exercício da soberania popular e compõem um dos passos para a construção dum novo modelo de política mineral. No entanto, não somos ingênuos de acreditar que esse processo se dará sem luta. Por isso que é importante estarmos organizados e entender que as lutas territoriais devem estar casadas com as lutas por um projeto político mineral nacional. Na América Latina já temos uma pedagogia de luta que nos auxilia neste processo.

MAM – Como convencer a sociedade de que a indústria da mineração é essencialmente predatória e que não há salvaguarda senão a mobilização por um outro modelo de mineração?

Magno Costa – Dia a após dia estamos vivenciando o colapso que é este modelo mineral. A necessidade de aumentar o volume de extração para garantir lucros extraordinários para as grandes empresas superarem este momento de crise tem colapsado esse sistema. Isso já aconteceu no primeiro ciclo mineral aqui no Brasil, mas agora isto se dá em proporção inimaginável. Não há como esconder os malefícios deste modelo.
O exemplo do rompimento da barragem da Vale/Samarco/BHP billigton em Mariana, o vazamento da barragem da Hidro em Barcarena e dos minerodutos em Minas Gerais estão na memória coletiva do nosso povo. Este cenário abre um canal de diálogo importantíssimo com a sociedade.
Temos a oportunidade de dialogar e daí tirarmos um programa que represente a real vontade popular. Ao tentar colocar em prática esse programa ficará evidente que não será fácil, pois será necessário nos mobilizar e não existe mobilização sem organização. Do enfrentamento concreto deste modelo nascerá outro popular e soberano.

MAM – Que lutas se podem fazer contra o modelo de mineração no Brasil?

Poderíamos dizer que estamos acumulando em 8 eixos que se retroalimentam. A saber: 1-Denúnciar, no esforço de conhecermos a realidade mineral do estado baiano e nacionalmente também temos encontrado vários conflitos entre comunidades e empresas de mineração num total desrespeito ao modo de reprodução da vida das comunidades. 2 – Proposições, não basta criticarmos esse modelo mineral, nem cairmos na irresponsabilidade de dizer que a mineração deva acabar amanhã. É necessário propor um modelo mineral que represente os interesses dum país soberano. 3 – Saídas econômicas, há lugares que a mineração é vista como o único meio de sobrevivência, sabemos que o fenômeno da minerodependência é uma constante. Nos esforçamos em construir outras possibilidades econômicas que não desequilibre as relações sociais das comunidades. A agroecologia é um dos caminhos. 4 – Pesquisa, nos articulamos com professores/as e pesquisadores/as que contribuem para a construção dum referencial teórico que dê conta de compreender a estrutura/funcionamento deste atual modelo e também nos ajudem a caracterizar o modelo que queremos construir. 5 – Articulação Internacional, vários povos mundo a fora sofrem o mesmo drama que nós. Os povos do Peru, Colômbia, Bolívia, África do Sul, Moçambique tem muito a nos ensinar no que diz respeito a luta contra esse modelo mineral que é globalizado. Não é a toa que construímos articulações internacionais para enfrentar as transnacionais do setor mineral é necessário termos pontos de luta em comum em todos os continentes. 6 – Organização, estamos no esforço de organizar as comunidades para além do seu território. A história nos mostra que o isolamento enfraquece a luta. Para suportar os ataques das grandes empresas é necessário se articular num movimento. No caso da mineração e sua cadeia produtiva esse movimento é o MAM. 7 – O enfrentamento, a mineração é um dos setores mais militarizados da nossa economia. Porém, na maioria das vezes para pautar nossa política, aumentar o nível de consciência dos militantes que percebem aos poucos que só denunciar não basta é necessário enfrentar diretamente as grandes empresa. Seja, fechando estradas, ocupando trilhos e minas. 8- Construindo e fortalecendo os espaços de formação e organicidade das mulheres, que, devido a formação social e divisão sexual do trabalho, estão a frente dos processos de tomada de consciência, resistência e construção de alternativas no enfrentamento a esse modelo predatório e de ataque a vida.

#RumoAoEncontroNacionalDoMAM