Vivemos a alquimia colonial e neo-colonial, que Galeano escreveu em 1978, onde o ouro se transforma em sucata e os alimentos se convertem em veneno.
Por Jarbas Vieira*
Passados 515 anos da invasão da coroa portuguesa sobre o solo e subsolo brasileiro, ainda não conseguimos nos libertar totalmente das amarras coloniais, impostas através dos estupros de índias e negras, do genocídio ao povo originário, da escravidão, da religião, do extermínio que até hoje o povo preto sofre, entre tantas outras formas de imposição para manter o país subjugado aos interesses das empresas transnacionais, fazendo do Brasil, como dizia Darcy Ribeiro, uma colônia produtiva baseada na pilhagem dos bens naturais e exploração do nosso povo.
Vivemos a alquimia colonial e neo-colonial, que Galeano escreveu em 1978, onde o ouro se transforma em sucata e os alimentos se convertem em veneno. O Brasil é o campeão em consumo agrotóxicos, cada pessoa consome em média 5,8 litros de agrotóxicos por ano, o setor da mineração é o que mais mata, mutila e enlouquece trabalhador no Brasil, comunidades têm seus direitos violados diariamente e o Estado brasileiro finge que não vê as atrocidades cometidas pelas mineradoras no Brasil.
Somente para citar alguns casos, temos a exploração da maior mina a céu aberta de ouro do mundo, localizada em Paracatu (MG). Segundo estudos do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) de 2014, comprovam a contaminação com níveis elevados de arsênio, um metal pesado e que causa diversos tipos de câncer. Trabalhadores da empresa estão com 25 vezes mais do que o mínimo suportável de arsênio no corpo e a população de 5 a 10 vezes mais do que o tolerável.
Como não falar da cidade de Niquelândia, no estado de Goiás, onde possui mais de quatrocentas contaminações de trabalhadores pela amônia? E pasmem, moradores da cidade suspeitam de contaminação das águas. Como o Estado brasileiro não toma uma atitude mais incisiva na cidade de Minaçu, também no estado de Goiás, sobre a exploração do amianto, que causa mesotelioma (câncer nas camadas mesoteliais da pleura, pericárdio, peritônio e da túnica vaginal do testículo) e câncer de pulmão, sendo que estudos internacionais comprovam que não existe nível de exposição tolerável à saúde humana.
No campo econômico, existem diversos casos de irregularidades cometidas pelas mineradoras, relacionados a evasão de divisas, sonegação de impostos, falta de informações sobre produtos e quantidades que estão sendo extraídas e comercializadas no mercado internacional. Esses crimes ao estado brasileiro são cometidos mesmo o setor recebendo incentivos fiscais para novos empreendimentos e isenção de fiscal para commodities exportadas – minérios.
Terras raras
O Brasil possui ainda uma das maiores reservas de terras raras do mundo (são 17 elementos químicos, utilizados na produção de altas tecnologias), cerca de 40 mil toneladas cúbicas, porém não existe legislação específica para a exploração desse conjunto de minerais. Mas, como eles estão acoplados a outros minerais, o estado brasileiro não tem controle do que se está sendo exportado. Só sabemos que importamos produtos de alta tecnologia.
Isso nos mostra o quanto a União e os estados brasileiros estão subordinados aos interesses das mineradoras, com o discurso de superávit primário e balança comercial positiva, já que este setor tem dado um salto significativo na receita nacional.
Código da Mineração
Nos dois últimos anos, está em tramitação na Câmara dos Deputados, numa comissão especial para discussão e apresentação de proposta, o Novo Marco Regulatório da Mineração, sob a relatoria do Leonardo Quintão (PMDB-MG) e Gabriel Guimarães (PT-MG) na presidência.
O que percebemos no último relatório apresentado, é que existe uma posição bem definida a favor das empresas, em aumentar drasticamente a exploração mineral no Brasil e o discurso que prevaleceu nas audiências é a necessidade de aumentar a arrecadação pelo fato do setor está perdendo com a não aprovação da nova lei.
São evidentes os interesses das mineradoras na proposta do último texto do Novo Marco Regulatório, que permite a exploração mineral em áreas de conservação, retirada da responsabilidade da empresa sobre os danos à água, ar, proteção e conservação as fontes de água (que estão previstos no atual), a prioridade de utilização do subsolo sobre qualquer atividade no solo e, por fim, dentre tantas outras polêmicas dentro do texto, a proposta de proteção da atividade mineral sobre qualquer embaraço e perturbação (trabalhadores e comunidades atingidas), percebe-se o objetivo da proposta de nova legislação.
Mariana
Acabamos de vivenciar uma imensa tragédia, na cidade de Mariana, no estado de Minas Gerais, onde houve o rompimento da barragem de rejeitos que contém produtos químicos e nocivos a saúde humana, porque é inerente a exploração e transformação do mineral a utilização de produtos químicos.
Existem diversos discursos, por parte da Samarco que é a 10ª maior exportadora do Brasil (50% da VALE e 50% da BHP Billiton), que são no mínimo duvidosos como a garantia que a lama contém apenas barro e restos de minério de ferro, que a causa do rompimento foi o abalo sísmico registrado nos observatórios. Mas se o abalo sísmico foi capaz de mover o suficiente pra fazer a barragem romper, por que não rachou ou derrubou as instalações da empresa? Por que os prédios nas cidades não caíram ou tiveram rachaduras depois do ocorrido?
A única coisa que podemos afirmar é a preocupação, sem saber o que será dos próximos períodos, das famílias e dos trabalhadores desaparecidos ou mortos com a catástrofe ocasionada pela irresponsabilidade da empresa.
Até quando iremos manter a lógica destrutiva (de todos os pontos de vistas) para satisfazer os interesses das transnacionais? Serão necessários mais quantos trabalhadores mutilados, enlouquecidos e mortos? Quantos rompimentos de barragens serão necessários? Quantas pessoas serão vitimas de câncer, causadas pela exploração mineral?
*Jarbas Vieira é militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e membro do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.
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