Depósito de produtos químicos da Imerys durante incêndio, em Barcarena (foto: reprodução WhatsApp)
“Teve uma festinha lá em casa do meu sobrinho. E aí a gente sentiu aquilo caindo […], tipo uma coisa branca que vinha caindo. Aí de lá minha filha foi pro hospital, ela teve que ir pro oxigênio acho que foi muito forte porque ela inalou muito aquilo né?”
Relato de uma moradora da Comunidade Curuperé, em Vila do Conde, Barcarena – PA.
Uma cena que nunca saiu da memória dos barcarenenses. Na noite do dia 6 de Dezembro de 2021, uma explosão, seguida de incêndio, provocou pânico nos moradores da Vila do Conde, na cidade de Barcarena, no Pará. No local, estaria armazenado Hidrossulfito de Sódio (Na2S2O4), um produto químico em um pó granular de coloração que varia do branco ao branco acinzentado, cheiro similar de Dióxido de Enxofre que quando tem contato com água, forma o Ácido Sulfídrico (H2S), altamente tóxico.
A responsável por esse crime ambiental é a Mineradora Imerys, uma multinacional francesa, que está no Brasil desde 1996 , atuando também em mais 50 países, com 258 unidades industriais. No território brasileiro a Imerys opera em três estados: Pará, São Paulo e Espírito Santo, utilizando dois nomes – Imerys Rio Capim Caulim (IRCC) e Pará Pigmentos. A mineradora é dona da maior planta de beneficiamento de Caulim do mundo e criou um monopólio de extração e beneficiamento desse minério na Amazônia.
Apesar da série de violações provocadas pela mineradora, a Imerys nunca foi responsabilizada pelos seus crimes. Pelo contrário, a empresa continua avançando sobre os territórios e tem aberto cada vez mais novas bacias para fazer o processo de beneficiamento do caulim.
“A Imerys é como uma mancha, que vai se espalhando por dentro de um território” , afirma Marcel Hazeu, professor e pesquisador de conflitos ambientais da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Desde a instalação da mineradora em Barcarena, comunidades tradicionais como Acuí, Cuperuré e Bairro Industrial, sofrem um processo de apagamento. Crise que é intensificada com a presença de um conglomerado de 60 empresas chamado pelo Governo do Estado do Pará de “Distrito Industrial”. Já as populações que ali resistem, o denominam de Território do Conde.
MAPA do Território do Conde, construído através de oficinas de Cartografia social elaborado pelas comunidades tradicionais do território de Vila do Conde em parceria com a UFPA, através do projeto CLUA – Estratégias de Desenvolvimento, Mineração e Desigualdades: Cartografia Social dos Conflitos que Atingem Povos e Comunidades Tradicionais na Amazônia e no Cerrado.
Mesmo sofrendo uma série de violações, as comunidades estão incessantes em defender seus territórios, muitas estão se organizando através de formações sobre direitos socioambientais e reafirmando a sua identidade enquanto tradicionais. Um exemplo de resistência é a Comunidade Acuí que em junho deste ano aprovou seu Protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada de acordo com a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.
Mineradora segue impune!
“Minha vida não mudou nada e na comunidade também não, porque eles (Imerys) não vem dá apoio na comunidade, eles falam tanto em parceria com a comunidade e na realidade não acontece isso, a nossa comunidade é abandonada pela empresa Imerys”, pontua uma liderança da comunidade que preferiu não se identificar
A explosão da Imerys no final de 2021 em Barcarena, se soma com uma série de desastres provocados, além de um processo de comissão permanente e de avanço da empresa sobre os territórios das comunidades tradicionais. Infelizmente a mineradora tem aberto cada vez mais novas bacias para fazer o processo de beneficiamento do caulim.
Após a explosão, foi constatado que a empresa Imerys não estava com seu Licenciamento Ambiental em dia e não tinha elaborado um plano de emergência. Devido a essa série de crimes, houve então uma mobilização popular que provocou pressão nas organizações e setores do governo, algumas ações foram feitas após o crime:
O Ministério Público entrou com um processo criminal através de uma Ação Civil Pública, considerando que não se tratava de um desastre ambiental, mas sim um crime que colocou em risco a vida de pessoas. Esse processo ainda segue em andamento na Justiça, por ser fundamentado com provas, testemunhas e laudos técnicos. Também houve processos individuais por meio da Defensoria pública, de pessoas que foram intoxicadas na explosão.
A Assembleia Legislativa do Estado do Pará (ALEPA) criou uma comissão para avaliar o ocorrido e construiu um relatório com recomendações relacionadas ao Licenciamento Ambiental e também aos direitos das populações afetadas.
Desde a instalação desse conglomerado de empresas em Barcarena, poucas decisões judiciais as condenaram. É crucial fundamentar bem esse processo e não recuar apesar das possibilidades de acordos ou interesses políticos.
O que a empresa tem feito?
Após o crime, a mineradora criou um “Plano de Emergência” com rotas de fuga, instalando placas e sirenes em várias comunidades. Mas afinal, qual foi o efeito imediato desta ação? A instalação das placas e de sirenes provocou pânico na população que já é afetada de diversas formas pela ação dessas mineradoras. Acredita-se que essa instalação é um plano estratégico da empresa para que o Ministério público veja como um “investimento” em evitar desastres e crimes ambientais.
Placa de sinalização de “rota de fuga” instaladas na comunidade Acuí, na Vila do Conde em Barcarena – PA
“A verdade é que a Imerys continua funcionando a todo vapor. O prejuízo maior continua para a população” evidencia o pesquisador Marcel Hazeu. Mas ele destaca que após esses 2 anos, a população do território do Conde, tem importantes avanços – “hoje [as comunidades] estão começando a se pautar e a se fazer existir. As pessoas estão investindo em suas casas, plantando nas áreas que sobraram, entre as empresas estão reivindicando a identidade tradicional.”
Questionar e combater esse modelo de exploração que cerca de todos os lados as comunidades que vivem no entorno desse conglomerado de empresas, é um desafio. São mineradoras, empresas de fertilizantes, de exportação de grãos, todas há menos de 100 metros das comunidades. A poeira não abaixa, os caminhões não param de passar, mas o asfalto não chega e o ar nunca mais foi limpo. Resistir a essa série de violações é um desafio enfrentado pelas comunidades do território do Conde.
Movimento pela Soberania Popular na Mineração
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