Por: Katiane Souza

A voz de minha filha

recolhe todas as nossas vozes

recolhe em si

as vozes mudas caladas

engasgadas nas gargantas (Conceição Evaristo, 2017)

No dia 25 de julho, celebra-se o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, em reconhecimento à luta e à resistência das mulheres negras. Essa data surgiu a partir do esforço de mulheres negras que se organizaram e realizaram o primeiro Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana. O evento promoveu a união de mulheres negras de diversos países para discutir temas e estratégias de luta, uma vez que compartilham realidades similares devido ao colonialismo e à escravização. Durante esse encontro, foi instituído o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, que foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas no mesmo ano.

No Brasil, essa data também homenageia Tereza de Benguela, líder do Quilombo Quariterê, localizado entre o rio Guaporé e a atual cidade de Cuiabá, no Mato Grosso, que resistiu e lutou contra a escravização no século XVIII. Essa data foi oficializada em 2 de junho de 2014, por meio da Lei nº 12.987, que instituiu o dia 25 de julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

A população negra no Brasil corresponde à maioria, sendo 55,5% de acordo com o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022). Os resquícios do colonialismo e da escravização ainda se refletem nessa população através do desemprego, da má remuneração, de mortes violentas, injustiças climáticas, entre outras desigualdades sociais, afetando principalmente as mulheres negras, que compõem o grupo mais vulnerável da sociedade. Ainda de acordo com o Censo do IBGE, 2022, as mulheres negras representam 41,3% da população pobre do país e 8,1% da população em situação de extrema pobreza. Entre as brancas, o percentual é 21,3% e 3,6%, respectivamente.

Além disso, as pessoas negras sofrem os maiores impactos dos crimes ambientais praticados por grandes mineradoras e pelo garimpo ilegal. Historicamente, a exploração mineral foi um dos principais meios de exploração da população negra durante a escravidão no período colonial. Esses impactos são resultados de um processo histórico contínuo que sustenta os pressupostos do racismo estrutural e excludente, que promove a ideia de que negros são inferiores. Em outras palavras, ainda persiste a crença de que as vidas das populações negras têm menos valor, sendo avaliadas em termos dos lucros obtidos com a exploração delas.

Elane Barros do MAM – Foto: Jerê Santos

Conforme Januário (2023), as relações de poder no Brasil também foram moldadas pelo conceito de raça e se manifestam de diversas maneiras, perpetuando os privilégios da população branca. Isso fica evidente nas expressões do racismo ambiental enfrentado pela população negra, como doenças causadas por áreas e águas contaminadas, rios poluídos, desmatamento da floresta, expulsão e deslocamento forçado de seus territórios, assassinato das suas lideranças, entre outras.

No livro “Mulheres Atingidas: Territórios Atravessados por Megaprojetos” (Instituto de Políticas Afirmativas para o Cone Sul – PACS, 2021), são listados diversos impactos causados na vida das mulheres, especialmente das negras, com sérias implicações nos direitos humanos. Esses impactos incluem o fortalecimento da divisão sexual do trabalho, a falta de infraestrutura e segurança no ambiente laboral, a contratação massiva de trabalhadores estrangeiros nos territórios afetados, a precarização e contaminação decorrentes da responsabilidade pelas atividades gerais, como limpeza, o aumento do trabalho reprodutivo, o crescimento da violência doméstica, a perda da soberania alimentar, o agravamento da dependência econômica das mulheres e o reconhecimento apenas dos homens como responsáveis pelos lares.

Nesse contexto da exploração mineral, as mulheres negras são lideranças que protagonizam as lutas e resistências nos territórios através de associações, coletivos, mobilizações e movimentos sociais contra o modelo predatório da mineração. Essas mulheres enfrentam diversos desafios e buscam, de forma contínua, promover a justiça social e ambiental em suas comunidades. Além disso, se tornam porta-vozes de suas comunidades, levando suas demandas para fóruns nacionais e internacionais, onde lutam por reconhecimento e apoio para suas causas.

É fundamental reforçar o protagonismo, a luta e a resistência das mulheres negras na oposição à mineração no Brasil, uma vez que essa é uma luta ancestral. Elas representam uma continuidade histórica de resistência e fortalecimento das comunidades afrodescendentes, enfrentando os desafios contemporâneos impostos pelos impactos da mineração predatória. Dessa forma, o Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM) celebra o Julho das Pretas, destacando e honrando essas mulheres que, de punho erguido, estão na linha de frente da luta pela soberania popular na mineração.

Mulheres Negras – luta ancestral e resistência contra o modelo mineral predatório!

 

REFERÊNCIAS

EVARISTO, Conceição. Poemas da recordação e outros movimentos. 3. ed. Rio de Janeiro: Malê, 2017, p. 24-25.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico de 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.

JANUÁRIO, Geovanna Laura Santos. A mulher na base da territorialidade e resistência a mineração. Viçosa: UFV, 2023.

PACS. Mulheres atingidas: territórios atravessados por megaprojetos. Organização: Ana Luísa Queiroz, Marina Praça, Yasmin Bitencourt. 1 ed. Rio de Janeiro: Instituto Pacs, 2021

 

Movimento pela Soberania Popular na Mineração